Foi com satisfação que recebemos a notícia de que a Comissão Executiva Nacional do PT acatou o pedido da Secretaria Nacional de Mulheres do partido, apoiado pela Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT, e vai avaliar as posturas e procedimentos de dois deputados federais – Luís Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC) – em comissão de ética.
Os dois parlamentares, há muito tempo, afrontam a resolução partidária, ratificada pelo 3º Congresso do PT, de defesa da descriminalização do aborto e a regulamentação da prática nas unidades do SUS (Sistema Único de Saúde). A primeira vez que o PT fechou posição quanto à legalização do aborto foi ao longo do debate interno para a Constituinte, em 1987.
A defesa do direito ao aborto legal e seguro é uma bandeira histórica do movimento de mulheres, e portanto, das mulheres petistas, organizadas no setorial nos diversos níveis, e dos movimentos sociais. A CUT, particularmente, aprovou no seu 3º Congresso, em 1991, a defesa da legalização do aborto. Mulheres de diversos movimentos têm buscado um papel protagonista nessa luta, como a UNE, que tem levado esse debate para universidades do país inteiro. Isso sem falar nos movimentos de mulheres, que estão em permanente mobilização em torno ao tema.
A resolução do 3º Congresso, “Por um Brasil de mulheres e homens livres e iguais”, reafirmou o compromisso do PT com o combate à opressão machista e com a defesa da autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua vida. A discussão acerca da legalização do aborto não deve ser deslocada do contexto que a cerca e a condiciona, de machismo, de exploração das mulheres, de imposição da maternidade, de controle da sexualidade, de mercantilização e alienação do corpo das mulheres. Por isso, as centenas de mortes de mulheres todos anos, vítimas de procedimentos de aborto inseguro, podem ser perfeitamente evitadas. Todos sabem muito bem que, em sua maioria, trata-se de mulheres negras, pobres e moradoras das periferias.
O Estado tem que ser laico, adotando políticas livres da interferência de qualquer religião e garantindo a liberdade de culto e de não culto. A religião de alguns não pode interferir nas escolhas de todos, afinal, religiosidade é uma questão de foro íntimo de cada pessoa, não um elemento da política. Ao defendermos o direito das mulheres ao aborto legal e seguro, defendemos sua autonomia, seu direito de escolha. A escolha pode ser não recorrer ao aborto. O essencial é que seja uma escolha da mulher, não do Papa ou de um juiz. E se ela optar por interromper uma gravidez indesejada, que seja um direito seu fazê-lo com segurança.
Queremos que se aplique uma punição adequada a quem contraria abertamente, mas não mais impunemente, definições políticas do partido. Um mandato parlamentar não é propriedade daquele que o exerce. O mandato do Bassuma ou o do Henrique Afonso é, também, um instrumento do partido, e se utilizar dele para, exatamente, contrariar posicionamentos políticos do PT é, no mínimo, um erro a ser avaliado em comissão de ética.
Não aceitamos que figuras públicas do partido emprestem sua imagem a movimentações que vão de encontro a uma resolução congressual do Partido dos Trabalhadores. Não aceitamos esse tamanho desrespeito com as mulheres do PT – pois não vemos um conflito dessa dimensão em questões de outras ordens. A participação desses parlamentares em atos públicos contra a legalização do aborto precisa ter conseqüências. Estamos alertas, aguardando a definição da comissão de ética, e esperando que uma sanção seja imposta aos filiados em questão, demonstrando ao conjunto do partido e da sociedade que o PT leva a sério as resoluções políticas, a militância e a trajetória histórica que tem.
Rosane Silva é Secretária Nacional de Mulheres da CUT, e Alessandra Terribili é integrante do Coletivo Nacional de Mulheres do PT.