Os convidados desta edição trazem seu balanço do governo e do PT.
Gilmar Machado e Gilberto Neves
O ano do Jubileu de Prata do PT coincide com os dois primeiros anos de exercício do governo Lula. A vitória eleitoral do PT em 2002 abriu a possibilidade de uma transição antineoliberal, dentro de um contexto amplamente favorável na América Latina, com as vitórias eleitorais à esquerda e de importantes mobilizações sociais. Devemos compreender o significado dessa experiência, para que se saiba qual o sentido da disputa a ser travada no PT sobre os rumos do governo Lula. A correta percepção desse momento, e das tarefas históricas a implementar, tem uma função crucial na construção da unidade da esquerda para a intervenção na disputa no PED, no XIII Encontro Nacional do PT, no Parlamento e nos movimentos sociais.
A opção conciliadora de Lula/PT com as forças de mercado significou uma gestão de governo neoliberal da macroeconomia. Noutras palavras, o ajuste fiscal, o superávit elevado e os juros altos conformam o eixo básico do conservadorismo monetarista do governo petista. Nesse aspecto central, o governo Lula é uma continuidade do governo FHC (mesmo sem as privatizações). Isso é o que justifica o apoio do capital financeiro, a simpatia dos meios de comunicação à política econômica e as alianças com os partidos conservadores, em que pesem as contradições inerentes à mistura de óleo e água.
Dizer isso não significa achar que Lula é igual a FHC. Tanto nos resultados macroeconômicos e nas políticas sociais como na política internacional e na reorganização do Estado, os dois governos são diferentes. Uma diferença de objetivos e de perfil. Isoladamente, são positivas algumas dessas mudanças. Mas devemos compreendê-las como reverso de uma moeda que tem no verso uma macroeconomia ortodoxa. O que no início do governo seria uma “transição” contra a crise, hoje constitui uma opção de conteúdo da política econômica.
A dinâmica de conjunto do governo demonstra que sua estratégia é de transição para o crescimento “sustentável”, sob a lógica de mercado, afiançada na credibilidade internacional, e com um conteúdo social. Noutras palavras, uma estratégia de viés neoliberal mesclada com “melhorismo social”. A possibilidade de superação do neoliberalismo está bloqueada nas atuais condições do governo Lula. Portanto, não há como avançar no que inexiste.
Em busca de caminhos
Se assim o é, devemos perguntar: é possível reorientar o governo no sentido da transição antineoliberal? Qual o espaço existente para uma estratégia à esquerda?
Os fatos são bastante adversos à nossa perspectiva. Primeiro, o desencanto da militância, a apatia social e as baixas entre as fileiras petistas. Segundo, os indicadores de continuidade do conservadorismo monetarista (juros altos e superávit), mesmo não havendo a renovação dos acordos com o FMI. Terceiro, a maior dependência do governo aos acordos fisiológicos no Congresso Nacional. E, quarto, a maioria do PT (Articulação e Campo Majoritário) não dá sinais de desacordo com o rumo geral do governo.
O que fazer? Sair do PT? Seria a opção automática, porém indicativa de uma cabal derrota estratégica, tendo como conseqüência uma profunda desagregação da esquerda socialista. Há que resistirmos a isso tudo no PT. Afirmar tal convicção tem dois significados: 1) o PT ainda é o melhor espaço tático para o embate antineoliberal, porque as proporções da sua enorme base social permitem uma maior e mais potente unidade da esquerda; e 2) a incidência da disputa sobre os rumos do governo deve deslocar-se para o partido, numa íntima articulação com as mobilizações sociais.
Nosso objetivo deve ser o de instaurar no governo Lula a transição para a superação do neoliberalismo, tendo no centro da atividade política o combate aos rumos atuais. Parece contraditório querer tornar o governo algo que ele não pretende. É verdade. Mas parte-se da compreensão de que não há uma transição antineoliberal no governo Lula, sendo necessária uma tática de conflitividadepara a conquista da transição. Uma tática de disputa mais acirrada dos rumos do governo Lula, deslocando o palco central desse embate para o PT, o Parlamento e a mobilização social. Tão equivocado quanto sair do PT, será uma disputa amuada e apenas por dentro do governo.
O deslocamento não significa o divórcio, mas a sinalização de maior independência e diferenciação. Daí a importância do Bloco Parlamentar de Esquerda, integrado por 15 deputados petistas. Ele precisa ser o contraponto público dessa disputa, obtendo a adesão de outros deputados petistas, desde que alcance uma atuação coerente, unitária e corajosa. E maior será seu poder de fogo, quanto maior for sua interrelação com as mobilizações sociais.
Mobilização e unidade
As mobilizações serão frutos das contradições entre os movimentos sociais e o entrave do governo Lula à realização de suas aspirações, devido ao bloqueio do ajuste fiscal e da agenda dos mercados. Frente a este impasse, devemos elaborar a nossa agenda diante das reformas universitária, sindical e do Fundeb, bem como da recuperação do salário mínimo. E formular as propostas para intervirmos nessas reformas com conteúdos de sentido antineoliberal, na perspectiva das reformas estruturais do programa democrático e popular. Isso remete-nos a uma forte e intensa articulação com a comunidade universitária, o movimento estudantil, o movimento sindical e da educação.
Da mesma forma, a reforma agrária. Queremos o cumprimento das metas acertadas com os Movimentos Sem-Terra. É inaceitável o ajuste fiscal que impõe cortes reduzindo as metas e a qualidade dos assentamentos. Temos que engrossar as marchas do “Abril vermelho” que o MST está organizando. O lugar da esquerda deve ser junto a essas mobilizações, onde faremos a real disputa dos rumos do PT e do governo Lula.
Mas será decisivo para o êxito dessa tática a unidade da esquerda petista. A unidade fornecerá o potencial de atração da opinião pública, dos petistas e dos movimentos organizados descontentes com o governo e o PT. Reafirmamos trechos da recente carta divulgada pela Alternativa Socialista, Brasil Socialista e Fórum Socialista: o PED é apenas um momento dessa unidade (mas fundamental), que precisa se consolidar para dar conta das tarefas que temos na luta social, política e parlamentar. A Carta aos Petistas e às Petistas e o Seminário sobre os 2 anos do Governo Lula e do PT foram atos importantes, que teoricamente acumularam para a unidade da esquerda petista. Mesmo reconhecendo a legitimidade da disputa política pela hegemonia desta unidade, não podemos deixar de registrar o perigoso movimento hegemonista que compromete a unidade que pretendemos no PED (e para além dele) entre os vários agrupamentos, tendências e mandatos da esquerda do PT.
Queremos estar juntos no PED, nos movimentos sociais e na opinião pública, disputando os rumos do governo Lula e do PT. A desunião da esquerda significará, vergonhosamente, a nossa incapacidade como dirigentes de esquerda para tentar tornar real a possibilidade de uma transição antineoliberal, na perspectiva do socialismo democrático.
Gilmar Machado é deputado federal e Gilberto Neves é membro do diretório nacional do PT.