Nesta semana (12 a 16/11) ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), a votação que ratifica, pelo congresso brasileiro, o ingresso da Venezuela no MERCOSUL. Partidos de direita, numa lógica irracional e sectária, votaram contra. Neste texto procuro demonstrar o quanto eles estão equivocados e contrários aos interesses econômicos estratégicos do nosso país.
Foi com o objetivo de reconstruir a Europa em ruínas depois de duas guerras mundiais e reaproximar os países até então em conflito armado que, em 1951, Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo criaram as bases dos processos de integrações regionais hodiernas, através do Mercado Comum do Carvão e do Aço. Em 1957, o Tratado de Roma e a conseqüente constituição da CEE – Comunidade Econômica Européia, viria solidificar o processo de integração naquele continente que hoje conta com 27 integrantes.
Além dos seis acima citados, em 1972 aderiram Reino Unido, Dinamarca e Irlanda, em 1979 a Grécia e em 1985, Portugal e Espanha. Áustria, Finlândia e Suécia se integraram em 1995. Em 2004, após a assinatura do tratado de Maastricht, houve uma enxurrada de adesões, Chipre (apenas a parte greco-ciprióta), Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca. Finalmente em 2006, ingressaram Bulgária e Romênia. Atualmente mais três países, Macedônia, Croácia e Turquia, encontram-se em fase de negociação para ingresso. Com esta nova configuração, a União Européia tornou-se uma potência política e econômica em condições de disputar espaços no cenário mundial, inclusive com os Estados Unidos.
O sucesso da experiência européia, concebida na lógica da complementaridade econômica, de políticas industriais, agrícolas, ambientais e culturais comunitárias, através de fundos comuns e da livre circulação de todos os fatores de produção, inclusive mão-de-obra, passou a ser copiada em vários lugares do planeta, especialmente a partir do fim da guerra fria, quando se afirmam três blocos capitalistas tentando hegemonizar o mundo, a saber, Estados Unidos, via NAFTA e ALCA, A União Européia, liderada pela Alemanha e o Japão e sua Zona de Comércio Regional.
Outras iniciativas de integração regional se formaram. No continente africano temos a CEEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), criada em 1975, reúne dezesseis países e pouco avançou em termos de integração regional e a COMESA (Mercado Comum Da África Oriental e Austral), criada em 1993, conta hoje com 21 integrantes e encontra-se em pleno funcionamento. No Oriente Médio, o CCG (Conselho de Cooperação do Golfo), criado em 1981, agrega seis países da região e em 2005 propôs a assinatura de um acordo comercial com o Brasil. Na Ásia, a ASEAN (Associação das Nações da Ásia do Sudeste), fundada em 1967, transformou-se em área de livre comércio em 1992 e conta atualmente com 10 membros. No Pacífico, a ANZCERTA (Acordo Comercial Sobre Relações Econômicas Entre Austrália e Nova Zelândia) existe desde 1983. Na América Central, a CARICOM (Comunidade do Caribe) é um bloco de cooperação econômica e política, criado em 1973, reúne atualmente quatorze países e quatro territórios da região caribenha. Ainda na América Central, existe o MCAC (Mercado Comum Centro-Americano), surgido em 1960 na tentativa de promover a paz na região, afetada por diversos conflitos bélicos. Embora muito dependente dos Estados Unidos, tem avançado no seu processo interno de integração. È constituído por cinco países. Na América do Sul, o Pacto Andino, surgiu em 1969 com o Acordo de Cartagena e a partir de 1996 passou a chamar-se Comunidade Andina das Nações. Em 08 de dezembro de 2004, os países membros da Comunidade Andina assinaram a Declaração de Cuzco que visa uni-la ao MERCOSUL numa zona de livre comércio continental.
Estes movimentos que rumam para processos de integração regional, em todos os níveis, sejam acordos bilaterais, áreas ou zonas de livre comércio, uniões aduaneiras, mercados comuns, comunidades econômicas ou uniões políticas visam reforçar o comércio, reduzir tarifas alfandegárias, permitir a livre circulação dos fatores de produção, instituir moedas e bancos centrais comuns e até mesmo, montar esquemas de segurança compartilhados entre países vizinhos ou limítrofes, em geral, ou entre países cujos territórios estejam separados por mares ou extensas áreas terrestres. Esta é uma tendência mundial, reforçada pelas características neoliberais do atual processo de globalização, o que vem ocasionando o surgimento de estados supranacionais ou megablocos de poder para disputar os rumos do mundo.
Os acordos de livre comércio que visam tão somente a liberalização dos fluxos comerciais e a redução de tarifas alfandegárias devem ser encarados com reservas por países que não se encontram ainda numa posição econômica consolidada. O livre comércio interessa e favorece sempre ao mais forte porque, em geral, as assimetrias e as vantagens comparativas beneficiam as economias mais maduras e estáveis. Muitos países que hoje propugnam pelo livre comércio foram altamente protecionistas e em setores sensíveis ou de industrias nascentes ainda hoje o são. No século XVII, a Holanda se protegia da Inglaterra, depois houve um período em que a própria Inglaterra se protegia dos EUA e hoje através de tarifas e mecanismos não alfandegários, tais como selo verde, inspeções fitosanitárias e outras barreiras, os Estados Unidos também protegem setores frágeis de sua economia. No entanto, um processo de integração regional que ultrapasse a mera relação mercantil entre seus membros pode regular este processo e beneficiar o bloco como um todo, se harmonizadas e regulamentadas as diferenças e assimetrias entre parceiros.
O MERCOSUL foi criado em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção, cujos signatários são Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, embora os esforços de integração tenham surgido na década anterior, com especial ênfase ao PICE – Programa de Integração e Cooperação Econômica, assinado por José Sarney e Raul Alfonsin, em 1986. Cabe também lembrar do trabalho de integração promovido pela ALALC (Associação Latino Americana de Livre Comércio) que sob a liderança do pensamento econômico da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), articula políticas desta natureza desde o fim da década de 1950.
O MERCOSUL sempre contou com a oposição declarada e ativa dos Estados Unidos, através de diversos programas, tais como, a Iniciativa para as Américas, de 1990, o Acordo Rose Garden ou Acordo de La Rosaleda, de 1991, mais conhecido como 4 + 1 e a ALCA de 1994.
O MERCOSUL é o principal entrave para a concretização da ALCA, uma proposta de acordo liberal para colonizar as Américas. A ALCA estava prevista para entrar em vigor a partir do dia 15 de janeiro de 2003 com a aprovação prévia do governo neoliberal tucano de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, a vitória de Lula e sua reeleição frustraram esta expectativa e a ALCA, felizmente, foi barrada.
Embora sob os aspectos comerciais, sociais e culturais, o MERCOSUL ainda deixe muito a desejar, no plano da geopolítica ele é estratégico. O MERCOSUL pode representar uma base concreta sólida para que os nossos povos possam ousar o alcance de um novo processo de independência política perante os EUA e os demais países do centro do sistema. Para o Brasil, em especial, país no qual o processo de independência realizou-se dentro da família imperial, de pai para filho e que a proclamação da república foi uma quartelada, seguida de uma ditadura sanguinária, um processo de luta política com participação popular contra os donos do mundo pode ser muito afirmativo.
Hoje o MERCOSUL é uma zona de livre comércio imperfeita, uma quase união aduaneira e um mercado comum em construção. O comércio entre os países que compõem o bloco cresceu exponencialmente, com vantagens e prejuízos para setores e regiões econômicas específicas. Embora a resultante, por conta da necessidade de integração regional face ao processo de globalização neoliberal em curso, seja positiva, sua concepção liberal inicial, centrada na competição selvagem e no salve-se, ou venda-me mais quem puder, na proibição do livre trânsito do fator trabalho, na inexistência de fundos comuns e de instituições comunitárias fortes, exatamente ao contrário da experiência da União Européia, tem atrasado o processo e beneficiado apenas às transnacionais que exercem seu poder para obterem maiores lucros e vantagens no espaço supranacional palidamente estabelecido.
O crescimento do comércio recíproco entre os países membros pulou de cerca de US$ 5 bilhões para US$ 25 bilhões desde que foi criado, em 1991. A criação do Fundo de Compensação de Convergência (Focen), que já aprovou oito projetos em um total de quase US$ 100 milhões tem favorecido ao Paraguai e Uruguai, as duas menores economias do bloco.
O MERCOSUL tem criado um movimento de atração sobre os demais países da região de tal maneira que, já em 1996 o Chile tornou-se um país associado, embora ainda não membro permanente. No ano seguinte a Bolívia ascendeu a essa condição. Em 2003, o Peru e em 2004, o Equador e a Colômbia. A Venezuela tornou-se país associado em 2006 e agora pretende tornar-se membro permanente.
A proposta de adesão da Venezuela ao Mercosul tramita no Congresso desde fevereiro deste ano. Em julho de 2006, os presidentes dos quatro países membros do Mercosul assinaram o protocolo de ingresso do país.
As instâncias legislativas de cada país precisam ratificar o protocolo. Argentina, Uruguai e a própria Venezuela já o fizeram. Além do Brasil, falta também o Paraguai concluir sua tramitação.
Com a Venezuela, o Mercosul terá mais de 250 milhões de habitantes e um PIB superior a US$ 1 trilhão —aproximadamente 76% do PIB da América do Sul. O bloco deve se tornar um dos mais significativos produtores mundiais de alimentos, energia e manufaturados.
O protocolo de adesão prevê um prazo máximo de quatro anos para que a Venezuela adote as normas do Mercosul. O mesmo prazo é imposto para que o país vizinho adote a tarifa externa comum (TEC).
Na sexta-feira, 23 de novembro, o jornal argentino El Clarín analisou que: “há duas razões por que o Palácio do Planalto gostaria de ter a Venezuela no Mercosul. A primeira é aumentar uma aproximação com o presidente venezuelano, Hugo Chavez, a fim de exercer melhor controle sobre ele”.
A outra razão seria econômica. O diário observa que “a Venezuela é a maior fonte energética regional e uma ligação física com o Caribe”.
“Se (a Venezuela) ficar fora (do bloco), o Mercosul, liderado por Brasil e Argentina, ficaria confinado ao Cone Sul e perderia força nas negociações internacionais”, escreveu o jornal.
Para o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira: “A Venezuela é um dos mais importantes países da região, com enorme importância estratégica, pois compartilha da Amazônia e dá acesso ao Caribe. Não pode ser de nenhuma forma discriminado, simplesmente porque seu presidente, Hugo Chavez, é mal visto em Washington.
A Venezuela tem enorme peso econômico, devido às suas reservas energéticas – gás e petróleo, do qual é o quinto maior produtor do mundo e responsável por 15% do consumo nos Estados Unidos – e a cooperação com o Brasil e a Argentina permitirá a construção de uma rede de gasodutos que passará pelos três países, beneficiando o Mercosul.
Naturalmente o ingresso da Venezuela no Mercosul não agrada à administração do presidente George W. Bush, que há muitos anos se empenha em demonizá-lo e destruí-lo, sem sucesso. E não agrada, porque o Mercosul, com a adesão da Venezuela, amplia-se e se consolida, robustece seu poder de barganha, ao mesmo tempo em que fortalece a posição de Hugo Chavez vis-à-vis dos EUA”. E, convicto, conclui: “A Venezuela é indispensável à Comunidade Sul-Americana de Nações”.
A posição sectária adotada pelo DEM(PFL), PSDB e PPS se opondo ao ingresso da Venezuela ao MERCOSUL é de uma irracionalidade econômica que beira à falência intelectual e de uma aberração política que beira à infantilidade. Assim como Lênin dizia que o esquerdismo é a doença infantil do comunismo, o ultraneoliberalismo é a doença infantil do capitalismo.
A direita brasileira que apóia a ALCA e que pretende fazer com que o Brasil volte a andar de joelhos perante os EUA não admite o fortalecimento do MERCOSUL. Não aceita que a América do Sul seja hoje hegemonizada pela esquerda e farão de tudo, se tiverem condições recorrerão inclusive ao golpe, para impedir a consolidação da democracia com desenvolvimento econômico, justiça social e autonomia hoje conduzidas por Lula, Hugo Chavez, Evo Morales, Tabaré Vasquez, Daniel Ortega e Rafael Correa. Porém, é bom que eles se acostumem porque em diversos países da região, lideranças antineoliberais, nacionalistas ou de esquerda se preparam para vencer as próximas eleições e reforçarem o atual rumo que toma a América Latina, tais como, Lopez Obrador, no México, Rigoberta Menchú, na Guatemala, Maurício Funes, em El Salvador, Ollanta Humala, no Peru e Fernando Lugo, no Paraguai.
Fortalecer o MERCOSUL é criar condições estratégicas para um novo salto histórico das Américas do Sul e Latina, num novo movimento de independência em relação ao imperialismo e aos países do centro do sistema. Fortalecer o MERCOSUL é reunir forças para enfrentar, com soberania e melhores condições comparativas, as hidras e leões do cenário internacional. Fortalecer o MERCOSUL é criar melhores condições de mercado, de oportunidades e de vida digna para os nossos povos, valorizando o que aqui produzimos.
Sem qualquer sombra de dúvidas, o ingresso da Venezuela, fortalece o MERCOSUL, por isto, VENEZUELA, SEJA BEM VINDA!
Chico Vicente é geógrafo, formado pela UFRGS. Foi Presidente do PT/POA e da CUT/RS.