Analine Specht *
A combinação entre muita gente correndo ao mesmo tempo, debaixo de chuva, com um gramado totalmente embarrado provocou cenas engraçadas. A descontração era geral e o banho de chuva coletivo virou festa com direito a ciranda e tudo. As grades de contenção até resistiram a alguns pulos, mas vieram abaixo facilitando a passagem e a corrida afoita em direção ao Congresso Nacional. Pode-se dizer que rolou muita criatividade ou tecnologias sociais aplicadas à urgência que o momento pedia.
Ouvia-se de tudo, quem queria ver o Lula, quem queria ver Dilma, e quem queria tudo ao mesmo tempo. Um emocionado militante dizia, no meio da multidão, “eu vinha aqui pra apanhar, agora pra comemorar”. Essa frase consciente ou inconscientemente proferida ilustra perfeitamente as conquistas democráticas protagonizadas por trabalhadores e trabalhadoras nas últimas décadas. Ouvi do super gente boa cabo Francelino, da PMDF, a seguinte afirmativa: “hoje tem mais ‘milico’ do que gente aqui” referindo-se ao forte contingente repressivo que tomou conta de Brasília e prejudicava a visão do público.
A forte participação dos movimentos sociais com destaque ao sindical, LGBT e de mulheres, garantiu, além do conteúdo político expresso em faixas, camisetas e cartazes, o colorido que chamava a atenção mesmo à distância pelos tons de vermelho e lilás, principalmente.
Em meio a toda a festa e a boa confusão do dia, uma forte e diferente sensação insistia em surgir discretamente e sem convite, um misto de nostalgia prévia e saudade de quem não tinha ido ainda. Visível nos rostos de muitos e muitas e expresso em faixas de “Valeu Lula”, o insuperável e único Luís Inácio era esperado pela multidão que lhe ofereceu o carinho mais espontâneo e a solidariedade mais despretensiosa, que somente a identidade popular permite. Mas, a sabedoria popular mediou entre os sentimentos extremos de alegria pela posse de Dilma e saudade antecipada de Lula.
A imagem de Dilma tomou conta da Esplanada dos Ministérios, onde se olhava uma variação da imagem da guerrilheira que superou a tortura, venceu a direita conservadora e enfrentou a imprensa golpista. O “avatar” de Dilma, criado e difundido no mundo virtual da internet pela blogosfera e twitteiras e twitteiros, ganhou as ruas já na campanha eleitoral e, no dia da posse, estampava milhares de camisetas de todas as cores, tamanhos e formas.
Grandes emoções e forte energia marcaram a troca de faixa, saudando a presidenta Dilma e se despedindo do ex-presidente Lula (estranho escrever esse termo). Todo sucesso ao governo da 1ª mulher presidenta do Brasil e vida longa à militância do 1º ex-presidente mais querido e aprovado da história deste país.
E tenho que registrar que foi ótimo assistir os machistas das forças armadas e policiais batendo continência e correndo, literalmente, atrás do carro que carregava Dilma. Destaque: muitas mulheres coordenaram os diferentes momentos da posse, desde a segurança até as cerimônias protocolares. É a vez da(s) mulher(es).
* Analine Specht é socióloga e militante da Marcha Mundial das Mulheres.