Eleições presidenciais realizadas em El Salvador, na América Central, chacoalharam o sistema político do país. Pela primeira vez desde a redemocratização no início dos anos 1990, nenhum dos dois principais partidos, Aliança Republicana Nacionalista (Arena, de direita, governou nos primeiros vinte anos) e Frente Farabundo Martí para Libertação Nacional (FMLN, de esquerda, no poder desde 2009), estará a frente do novo governo. Vencendo já no primeiro turno com 53% dos votos, Nayib Bukele de 37 anos, teve uma trajetória sui generis até chegar a presidência da república.
Seu pai, Armando Bukele Kattán, foi um grande empresário, líder religioso e intelectual salvadorenho de origem palestina, que já na época da guerra civil prestou apoio a guerrilha da FMLN e manteve relações com o agrupamento de esquerda durante boa parte do período democrático. Nayib desde cedo seguiu uma carreira empresarial, trabalhando nos negócios do pai, e em 2012 decide entrar na política, se filiando à Frente e vencendo as eleições para prefeito de Nuevo Cuscatlán, pequeno município de oito mil habitantes. Graças a sua gestão de sucesso, tendo como vitrine os baixíssimos índices de criminalidade em um país que via a violência aumentar, é lançado pela Frente em 2015 para disputar a prefeitura da capital San Salvador, da qual saiu vencedor.
Sua gestão como prefeito da principal cidade do país é bem avaliada, tida como moderna e conectada com a juventude. Ao mesmo tempo, Nayib passa a entrar cada vez mais em conflito com a direção da FMLN, fazendo críticas públicas às lideranças do partido e do governo. Em 2017 é expulso da Frente, após ser condenado pelo Tribunal de Ética interno, em decorrência dos “atos difamatórios” contra dirigentes, “desrespeito” aos “princípios partidários” e “contra os direitos da mulher”. Esse último se refere a um acontecimento alguns meses antes, quando Nayib foi acusado por uma síndica (cargo eletivo municipal) de San Salvador de agressão verbal e física durante uma reunião do Conselho Municipal.
Após a expulsão, cria o movimento Novas Ideias visando a disputa presidencial de 2019. Não consegue transformá-lo em partido e se filia ao Centro Democrático (CD) que, por sua vez, perde seu registro por não alcançar 50 mil votos nas eleições legislativas de 2018. Finalmente, entra no Grande Aliança pela Unidade Nacional (GANA), partido de direita fundado em 2010 por ex-integrantes do Arena, mas que em sua trajetória teve aproximações pontuais com a FMLN.
Com a popularidade que alcançou como prefeito da capital, somado a intensa campanha nas redes sociais e um discurso de frases simples com foco no combate a violência e a corrupção, disparou nas pesquisas e manteve a liderança em boa parte da corrida presidencial. Similar a outros países da região, El Salvador passa por uma grande insatisfação popular com o sistema político, personificados nos dois partidos que dominam a disputa democrática nas últimas três décadas e, por sua vez, ambos têm origens nos conflitos do período anterior (ditadura e guerra civil).
Prometendo a superação do bipartidarismo e do passado salvadorenho, se apresentando como sem ideologia e oposto à política tradicional, com uma campanha intensamente personalista (chegou a pedir que a sigla do seu partido não aparecesse nas cédulas eleitorais), Nayib Bukele venceu tanto o Arena quanto sua antiga agremiação FMLN (que obteve o seu pior resultado eleitoral desde a redemocratização). Em seu entorno, figuraram tanto rostos novos para a política de El Salvador, assim como algumas figuras mais experientes vindas de ambos os lados do espectro político.
Ainda é uma incógnita como será seu governo. Não só acerca de programas e projetos, mas também sobre como governará, considerando que a Assembleia Legislativa é composta majoritariamente pelos partidos que ele tanto atacou durante sua campanha e seu partido, Gana, conta com apenas 10 deputados (de 84, ao todo), nenhum deles presentes em sua festa de vitória no último domingo.
*Iuri Faria Codas é bacharel em Relações Internacionais e militante da DS