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Não há como separar o golpe usurpador e ilegítimo das eleições municipais

2717732ENTREVISTA COM RAUL PONT PARA O PORTAL UOL

Dizendo-se surpreso com o desempenho apontado pelas pesquisas eleitorais, que o colocam empatado tecnicamente em primeiro lugar com Luciana Genro (PSOL) na corrida à Prefeitura de Porto Alegre, o ex-deputado Raul Pont (PT) afirma que não há possibilidade de ocultar a ex-presidente Dilma de sua campanha e que não há como separar o “golpe usurpador e ilegítimo” das eleições municipais deste ano.

Por uma simples razão, segundo ele: não há obra de vulto na capital gaúcha atualmente que não tenha sido financiada com dinheiro federal, alocado durante as gestões de Lula e Dilma.

O UOL entrevistou os quatro candidatos à Prefeitura de Porto Alegre de acordo com pesquisa de intenção de voto do Ibope divulgada no dia 22 de agosto: Luciana Genro (PSOL, 23% das intenções de voto), Raul Pont (18%), Nelson Marchezan Junior (PSDB, 12%) e Sebastião Melo (PMDB, 10%). A margem de erro da pesquisa é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos, portanto Luciana e Pont estão tecnicamente empatados entre si, assim como Marchezan e Melo.

No sábado (3) e no domingo (4), foram publicadas as entrevistas com Melo e Marchezan; depois, será a vez de Luciana, na terça (6).

Natural de Uruguaiana, economista e professor de história, Pont despontou para a política durante a resistência ao regime militar em Porto Alegre no início dos anos de 1970, quando estudava na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). É fundador do PT e, entre os oito candidatos à prefeitura, o único que já exerceu o cargo, entre 1997 e 2000. Foi também vice-prefeito entre 1993 e 1996. Veja abaixo a entrevista concedida ao UOL pelo candidato:

UOL – O senhor tem sido apontado pelas pesquisas de opinião como um dos candidatos postulantes a estar no segundo turno das eleições em Porto Alegre. Esse resultado o surpreende de alguma forma? Raul Pont —Surpreende sim, porque o massacre que o PT vinha sofrendo, e continua sofrendo pelos meios de comunicação, é um negócio pesado. Para um partido sobreviver nessas condições é muito difícil. Não é só a seletividade do Judiciário, do Congresso, mas é um processo em que sempre há uma identificação negativa com a sigla.

Prende um sujeito do marketing político, como o (João) Santana e a sua mulher, que trabalhou para todos os partidos, que já fez campanha para todo mundo, mas durante quatro ou cinco dias toda a imprensa do país apresenta o cara como o marqueteiro do PT.

O senhor mencionou a conjuntura nacional. Teme ser vinculado à Lava Jato se o assunto entrar em pauta?Não tem como deixar de fazer esse debate. Não há como ignorar a conjuntura nacional no processo eleitoral, não só pelo golpe usurpador, pela absoluta ilegitimidade do que está sendo feito, como pelas repercussões que terá no município.

Quem vai pagar por esse negócio são os Estados, são os municípios. Então, a conjuntura está intimamente ligada com a disputa municipal porque hoje, em Porto Alegre, todas as obras importantes, com alguma visibilidade, estão ou foram sustentadas pelo governo federal. São parte de programas federais. Então, aquilo que importa efetivamente para a cidadania está sendo cortado. É isso que vamos dizer.

Há intenção de esconder a presidente Dilma na sua campanha? De jeito nenhum.

Mas ela seria um bom cabo eleitoral? Estamos diante de um golpe que vai mudar radicalmente a situação do país. No ano passado, esse governo municipal não conseguiu atingir nem o patamar de 5% de investimentos. Como vai se governar numa capital sem os programas sociais que estão sendo cortados?

O que está sendo construído por esse governo golpista no Congresso, com a PEC 241 (que congela gastos públicos por 20 anos para pagar a dívida pública), é um negócio brutal, avassalador. Liquida com o ensino público, liquida com a universidade, com os programas de consolidação do ensino no país.

E isso vai afetar o município, sem dúvida. Se eu diminuo as vagas na UFRGS, se diminuo vagas nas escolas técnicas, é evidente que vai afetar a cidade. Se cortar bolsas, diminui o consumo. Todas as políticas vão se refletir numa crise ainda maior do que a que o município já vive. Isso não é coisa da Dilma.

Na sua avaliação, por que o investimento desceu a um patamar tão baixo? Se olharmos para os tributos municipais, o único que teve crescimento foi o ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza). Os demais estão todos estagnados. Como é possível que o IPTU (imposto predial) deflacionado esteja praticamente igual há uma década? Alguma coisa ocorre.

O IPTU é um imposto direto que pode ser justo, que pode taxar os proprietários de acordo com suas posses, com seus bens. Então, vemos que o governo vem seguindo praticamente a mesma tônica do que quer o governo golpista: não querem diminuir impostos indiretos, que afetam os mais pobres, nem recuperar a arrecadação com quem efetivamente pode pagar.

O senhor, se eleito, irá propor então aumento de impostos? Não. Numa olhada rápida nos números deflacionados dos tributos de Porto Alegre, nota-se que é possível melhorar a arrecadação sem aumentar impostos. Só cumprindo a lei.

É possível aumentar a arrecadação apenas taxando esses bens que estão subavaliados. O que não tem sido feito é visível.

Qual a sua receita para retomar o crescimento econômico da cidade? Um compromisso profundo de recuperar o planejamento da cidade, com papel estimulador do poder público.

Sem crescimento, não há tributos, aí ficamos simplesmente amarrados à situação de manter as coisas como estão. Quando fazem um shopping, os permissionários são obrigados a obedecer a um mix de comércio cientificamente preparado, mas, se a prefeitura decide regular alguma coisa na rua da Praia, por exemplo, é comunismo.

E tem que planejar, porque não é possível recuperar a rua da Praia quando em 50 metros há 12 farmácias. Como vai transformar num local de turismo assim? Não tem onde sentar, não tem onde tomar um café. Então, o poder público tem que regular.

Qual a principal crítica à gestão atual no município e o que fazer em relação a esse problema? O governo municipal padece de uma absoluta crise de gestão pública. Grande parte desse desarranjo da gestão é causada por um governo montado em torno de 12, 13 partidos, feudalizado, onde cada secretaria, cada órgão, faz o que lhe dá na telha.

O escândalo do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), por exemplo. A empresa limpava três bueiros, cobrava por 20, o órgão pagava, mas quem foi punido? De quem é a culpa? O diretor-geral (Miguel Barreto) se afastou para ser candidato a vereador (pelo PP). Quem se beneficiou?

Se vai para a limpeza urbana, essa situação se repete, o descontrole das empresas terceirizadas é flagrante. Na saúde a mesma coisa.

Pode exemplificar? O SUS, por exemplo, prevê que o Conselho Municipal de Saúde tenha responsabilidades sobre a gestão do sistema, mas o órgão não participa. Por quê? O poder público deveria construir uma política para gerir esse sistema complexo junto com o Conselho.

A rede de unidades básicas é praticamente a mesma que deixamos na cidade há 12 anos. É um bloco muito semelhante ao bloco golpista nacional e que vem fazendo uma administração lamentável, uma gestão ridícula.

Mesmo com deficiências de gestão, os porto-alegrenses reclamam mesmo é da violência. É possível ter alguma ação nesse sentido? Diretamente, pode-se dizer que município não tem a ver com isso, embora possa combater a violência do ponto de vista da infraestrutura, da iluminação pública, com espaços públicos ocupados pela cidadania, com serviços efetivos nos bairros.

Temos de ter a visão clara de que não podemos substituir a Brigada Militar Polícia Militar na competência do Estado. Os recursos disponíveis no orçamento da União para os municípios não chegam a 17% do bolo tributário do país. Ou seja, não posso gastar com segurança como gasto em educação ou saúde. Não posso colocar 20% na Guarda Municipal, não temos orçamento para isso. É uma competência do Estado.

Como avalia a nova lei eleitoral? Teme ser prejudicado? Sim. Porque essa reforma é um atraso, é completamente anacrônica e antidemocrática. A proposta original, é bom lembrar, mantinha o financiamento privado de candidaturas, quem impediu isso foi o veto da presidente Dilma e depois o voto do Supremo (em setembro de 2015).

O único mérito dessa reforma, portanto, não é do (Eduardo) Cunha nem do (Henrique Eduardo) Alves, ou da comissão especial que montaram para fazer um simulacro de mudança. A consequência é que vamos ter uma eleição muito antidemocrática.

Por quê? Porque continua o voto nominal, que não vai acabar com o financiamento de quem tem dinheiro. Essa eleição não permite que o candidato contrate, está certo. Mas um instituto, uma fundação ou até uma empresa podem pagar cabos eleitorais para trabalhar para ele sem que apareça um tostão nas suas contas.

Então, o voto nominal é um grande instrumento de estímulo à corrupção no processo eleitoral. Quando é em lista, não é possível discriminar um ou outro candidato, tem que doar pelo programa, apostar no conjunto, no projeto político.

Por isso é muito mais democrático. A manutenção das coligações proporcionais também preservou esses monstrengos, que são alianças completamente sem coesão, sem programa, que se formam só para a campanha, para o tempo de TV, e para governar depois, se vencer.

Irá apoiar um candidato de esquerda se eventualmente não passar para um segundo turno? De nossa parte, isso está sendo expresso publicamente. Tentamos construir um bloco para o futuro político do país, para as próximas eleições (2018), se tivermos eleições diante do golpismo em curso.

Queremos compor uma aliança sólida, pluripartidária, com coesão programática, com os partidos que votaram contra o impeachment. Então, PCdoB, PSOL, PT e PDT, entre outros, que se definiram majoritariamente contra o golpe, devem se unir em torno de um programa comum.

Com a presidente Dilma, ficou evidente que um aglomerado acaba sendo uma forma de só criar serpente dentro de casa. Tenho certeza de que esse blocão oportunista, que em grande parte consegue compor maiorias de forma ilegítima, sem apoio das bases, sem democracia interna, vai se esfacelar.

Aceita apoiar o PSOL num segundo turno, diante da postura agressiva do partido em relação ao governo Dilma? Já propusemos isso, inclusive. De assumir um compromisso de apoio mútuo no segundo turno para qual de nós estiver lá. Caminhamos para essa identidade.

O metrô de Porto Alegre foi anunciado mais de uma vez pela então presidente Dilma, sua aliada. Se vencer, pretende pressionar o atual governo para cumprir a promessa? O problema do metrô é complexo. Toda cidade grande que pode ter um equipamento como esse, deve ter. Agora, eu acho demagógico uma cidade com um orçamento de R$ 6 bilhões, que já está ameaçando até parcelar salários, que não consegue atender nem a educação infantil, fazer um projeto de metrô.

E o projeto da Orla do Guaíba, que recebeu pesadas críticas do PT? É uma obra que vai ter que terminar. Mas se eu tenho disponíveis R$ 90 milhões (o custo da primeira fase do projeto, de 1,3 km de extensão, está orçado em R$ 60,6 milhões) eu não ira colocar isso na orla do Guaíba. Dá para dar uma ajeitada, mas não é prioridade.

A prioridade deve ser a dos cidadãos, de se deslocar com mais facilidade, de morar em condições melhores. Botar R$ 90 milhões para fazer um enfeite do (arquiteto Jaime) Lerner, então é melhor duplicar uma avenida, fazer arruamentos definitivos para que as pessoas tenham uma condição um pouquinho melhor.

Se for eleito, qual será sua primeira medida? A primeira medida será retomar as rédeas da gestão municipal. Vamos ter projetos e queremos levar para os canais de participação popular algumas obras grandes, além de terminar as que foram começadas. Algumas de duvidosa prioridade.

Quais? As obras de travessia da 3ª Perimetral, por exemplo. Vão equacionar mesmo o problema da mobilidade urbana em Porto Alegre ou vão transferir o congestionamento de um semáforo da Perimetral para outra, mais à frente?

Para equacionar isso, eu acho que devemos retomar o controle do sistema do transporte coletivo. A prefeitura abriu mão disso, transferiu por decreto o controle da Câmara de Compensação Tarifária (que remunera as empresas de acordo com as rotas operadas), que é o controle do próprio sistema, para o setor privado, para os permissionários.

Isso dá uma ideia do desgoverno. Isso tem que ser revertido. Mas vamos sentar, negociar, vamos discutir. Não vamos virar a primeira semana de governo com um festival de decretos.

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

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