Rosane Silva *
O último dia 30 de junho foi um marco importante na luta da classe trabalhadora brasileira. Foi aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados a PEC que reduz a jornada de trabalho de 44h para 40h semanais. Depois desta aprovação, a PEC irá para votação em plenário.
A luta pela redução da jornada de trabalho é fundamental tanto para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, quanto para a geração de mais empregos com carteira assinada. Segundo cálculos do Dieese, a redução pode gerar 2,2 milhões de novos postos de trabalho, principalmente se vier acompanhada de limitação das horas extras e do fim do banco de horas.
Para as mulheres trabalhadoras, a redução da jornada pode ter efeitos ainda mais positivos, e deve significar um salto de qualidade na luta por igualdade de oportunidades na vida e no trabalho. Isso porque, além de permitir uma maior incorporação destas ao mercado de trabalho formal, possibilita mais tempo livre para uso em benefício próprio, para a construção da autonomia pessoal.
Mulheres no mundo do trabalho
Ao longo dos últimos 40 anos, as mulheres têm aumentado significativamente sua participação no mercado de trabalho. Fato que reponde às necessidades econômicas do capitalismo, mas também às mudanças culturais impulsionadas pelo movimento feminista e relacionadas ao papel das mulheres na sociedade, que valorizam a independência e a autonomia destas. Todavia, esse aumento não tem correspondência com melhores condições de trabalho e de remuneração. As mulheres ingressam no mercado de trabalho em situação desigual à dos homens e esta desigualdade permanece durante toda sua trajetória.
Do ponto de vista da jornada de trabalho esta desigualdade de gênero também se faz presente. O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não foi acompanhado por uma redução do tempo gasto com as atividades domésticas e de cuidado com os/as filhos/as, idosos/as e enfermos/as. Ou seja, ainda que tenha tido uma ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho isso não representou uma repartição mais igualitária das tarefas domésticas entre homens e mulheres. As atividades domésticas ainda permanecem sob responsabilidade das mulheres.
Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2005 revelam que somente 51,1% dos homens pesquisados realizam trabalho doméstico, enquanto entre as mulheres esse percentual é de 90,6% (quase todas). Com relação ao tempo dedicado ao trabalho doméstico e de cuidados, os homens gastam 9,8h semanais e as mulheres 25,2h. No que concerne ao trabalho remunerado, eles tem jornada média de 43,9 horas, enquanto que elas, de 34,8 horas. Desse modo, temos que o tempo total de trabalho das mulheres é de 60h semanais, superior à jornada dos homens, que é de 53,7h semanais. Entre as mulheres casadas e com filhos, a jornada total de trabalho é ainda mais extensa: 67,1h, já que estas utilizam 32,3h semanais com o trabalho doméstico (cerca de 4,5h por dia).
Essa diferença no uso do tempo entre homens e mulheres evidencia as disparidades e as desigualdades existentes nas responsabilidades atribuídas a cada sexo. Desta forma, as mulheres têm suas vidas reguladas pela dupla jornada: do trabalho produtivo e do trabalho doméstico/reprodutivo. Para conseguir manter ambas, elas intensificam o tempo de trabalho total e reduzem o seu tempo livre. Os homens, por outro lado, continuam a se pautar pelo trabalho produtivo e só a ele se dedicar.
Socializar o trabalho doméstico
Neste contexto, o debate em torno da redução da jornada de trabalho para as mulheres merece atenção diferenciada. É preciso encarar o desafio de que o conceito de trabalho seja ampliado, incorporando o trabalho doméstico. Que se trate o valor do trabalho em sua dimensão econômica e social. O reconhecimento na esfera pública do trabalho realizado pelas mulheres na esfera privada é fundamental para o debate sobre igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Para que a redução da jornada de trabalho tenha impacto positivo para toda a classe trabalhadora, homens e mulheres, é preciso que o Estado garanta políticas públicas que alterem a tradicional divisão sexual do trabalho, para que o maior tempo livre não signifique mais trabalho doméstico para as mulheres.
Neste sentido, as políticas de cuidado e de educação infantil, em particular às creches e pré-escolas, são imprescindíveis. A creche é uma política pública que contribui para a autonomia das mulheres e para a socialização do cuidado com as crianças, como tarefa que deve ser compartilhada por toda a sociedade. Segundo a PNAD de 2006, no Brasil apenas 15,5% das crianças de até três anos são atendidas por esse serviço de educação infantil. Nas faixas de renda de até um salário mínimo, o acesso à creche é de 9% e, na faixa de renda de um a três salários mínimos, o atendimento é de 14%.
Inverter a lógica capitalista de busca desenfreada pelo lucro e eleger a sustentabilidade humana como o desafio central do conjunto da sociedade passa por reconhecer a importância dos trabalhos efetuados nos âmbitos público e privado e em dar a necessária visibilidade ao trabalho doméstico e de reprodução, que ainda é realizado em sua maior parte pelas mulheres. E esta deve ser uma luta de toda a classe trabalhadora. Esta é a luta da CUT.
Somos CUT! Somos Fortes!
* Rosane Silva é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT.
Comente com o Facebook