Em meio à chacoalhada geral na política com as revelações do portal The Intercept sobre os bastidores da Lava Jato, chega em boa hora o documentário “Democracia em Vertigem”, da diretora Petra Costa, que estreou no Netflix no último dia 19 de junho. Ao colocar em perspectiva as transformações do Brasil e os limites e retrocessos da nossa frágil democracia, a cineasta traça um pungente retrato de um país dividido, caminhando em passadas largas rumo ao retrocesso autoritário e ao caos econômico e social.
A curiosa coincidência entre o momento do lançamento e o vazamento das conversas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores membros da Força Tarefa da Lava Jato – desnudando aos poucos a trama política que transformou uma operação de combate à corrupção em um conluio político-jurídico dirigido por Moro, juiz e verdugo da caçada ao ex-presidente Lula – torna ainda mais potente o relato de Petra e o mosaico de imagens da cena pública e da coxia da política nacional, em uma trágica sucessão de fatos costurados com precisão, do processo fraudulento que provocou o impeachment de Dilma à ascensão autoritária de Bolsonaro como liderança de um movimento “antissistêmico”, culminando com a sua eleição à presidência e a nomeação do juiz Moro para o ministério.
Petra não esconde suas posições. Longe de enfraquecer o documentário, a honestidade intelectual da diretora revela as contradições da própria família: a empreiteira do avô a ganhar rios de dinheiro na ditadura militar ao mesmo tempo em que os pais de Petra viviam a clandestinidade e a prisão. O tom da narrativa estabelece uma quase intimidade com o espectador, dando um ar de conversa entre amigos às reflexões de Petra. Ao mesmo tempo, ela não vacila em apontar o dedo e criticar os erros e limites dos governos de Lula e Dilma. Simpatia política não é sinônimo de peça publicitária e chapa branca.
“Democracia em Vertigem” deixa uma incômoda constatação no ar: a falência do sistema político brasileiro abriu margem para a destruição de todos os avanços conquistados nos 34 anos de democracia. A guerra aberta e declarada dos mais ricos contra a imensa maioria da população produz uma assustadora escalada de supressão de direitos. Em meio ao caos, a retomada de um projeto solidário, soberano e inclusivo de nação e a reconstrução da democracia são questões urgentes, mas incapazes de serem resolvidas sem o alargamento dos limites das instituições.
Trailer oficial: https://www.youtube.com/watch?v=vwZ5m10y1rQ
Bernardo Cotrim é jornalista e militante da Democracia Socialista
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