O cenário político para as eleições municipais permanece sombrio e ameaçador para as forças de esquerda. Uma nova derrota, mesmo menor do que a de 2016, poderá ser devastadora.
A questão central é: ainda há tempo de se fazer algo para impedir novo desastre? Se sim, o quê?
A sociedade brasileira está sendo empurrada para um ciclo de violência política que a truculência no poder anuncia e incentiva. O empenho liberal da centro-direita em enxergar moderação no caos e na repressão apenas robustece esse risco com o tônico da cumplicidade.
Um golpe seguido de eleição apartada do líder das pesquisas, Lula, selou a endogamia de interesses entre absolutismo de mercado, obscurantismo religioso, banditismo miliciano, oligopólios de mídia e conivência liberal, que ora condiciona a vida e a morte da população e a empurra a um labirinto de virulência imponderável.
Os quase 150 mil mortos da pandemia arrematam o testemunho do menosprezo que esse caldo de cultura política dispensa ao destino da sociedade e à sorte coletiva de seus integrantes.
O Teto de Gastos é o lacre do perímetro que consagra a repactuação branca, endinheirada, conservadora, racista, misógina e fanatizada no comando integral da sociedade e dos seus recursos.
As forças progressistas que governaram o país por 14 anos sucessivos, desde a vitória histórica de Lula em 2002, subestimaram esse desfecho ao atribuírem à elevação incremental do padrão de vida o condão de mudar a correlação de forças e a consciência política da população.
A organização popular, consciente, autônoma e mobilizada, foi preterida como se o capitalismo não significasse conflito. Superar essa omissão e erro históricos em não fomentar a consciência popular e cidadã, a organização e a mobilização permanentes é o imperativo para contraditar a espiral regressiva em curso, abrindo espaço à construção de uma nova hegemonia propositiva.
Não se trata, por óbvio, de escolher entre travar ou não as disputas parlamentares e eleitorais. Elas são importantes. Mas ter prioridades é obrigatório.
A desordem neoliberal alerta, desde 2008, que a zona de conforto da luta de classes expirou, em um cenário em que o crescimento do excedente, o boom das commodities, no nosso caso, não amortece mais o conflito redistributivo.
Hoje, com o país afogado em uma emergência sanitária, com 12,3 milhões de desempregados, 29 milhões de dependentes de bicos, cerceado por um governo que desmonta o Estado e bloqueia seu papel na reconstrução nacional, a equação política não admite mais nenhuma ingenuidade.
É nesse pano de fundo que as forças de esquerda – mas também democratas antifascistas – estão desafiados a dar uma resposta de audácia política que reordene a disputa pelo poder, convergindo energias à corajosa construção de um novo protagonista coletivo.
As eleições municipais de 2020 oferecem-se como um ponto de aglutinação e de possível inflexão nessa caminhada. Estamos conclamando a que se inicie no pleito deste ano a sedimentação nacional de uma frente de esquerda, organicamente constituída, com propostas inovadoras e ousadas para disputa no conjunto da sociedade e, sobretudo, nos amplos setores populares.
Isso já acontece de forma pedagógica e promissora em alguns municípios brasileiros, como, por exemplo, Belém, em torno da candidatura de Edmilson Rodrigues com frente formada pelo PSOL, PT, PDT, Rede, PCB, UP e PCdoB. Ocorre também em Florianópolis, Macapá, Recife, Manaus, Rio Branco e Campinas, envolvendo uma diversidade de partidos, mobilizados para devolver as cidades à cidadania.
Mas é preciso que esses exemplos se generalizem, inclusive em cidades menores, como eixo de reunião reflexiva e mobilizadora antes, durante e depois do escrutínio, extraindo as lições e providências para os passos seguintes da nossa história.
Trata-se de construir uma força de estatura e capilaridade superiores à soma das partes hoje desconectadas, capaz de fazer o que nenhuma conseguiria unilateralmente: fincar nova voz política na sociedade, e nova agenda, que leve a superar na prática a ilusão de que é possível radicalizar direitos, sem radicalizar a democracia e a participação popular e, não menos importante, realizar uma profunda reforma tributária que instaure tributação progressiva para grandes fortunas e regulamente os fins do fundo público em prol da criação de bases para o bem-viver de todas as pessoas.
Os prazos da Lei Eleitoral se esgotaram e não há mais a possibilidade de criação de alianças políticas oficiais. Porém, nada impede que candidatos e candidatas com registro renunciem às suas candidaturas em benefício de uma frente de esquerda. Há inclusive a novidade de candidaturas coletivas, centralizadas formalmente em torno de um nome.
É necessário apresentar programas e propostas. Para as municipalidades, renda básica de cidadania, fortalecimento do SUS, “Mais Médicos”, consórcios intermunicipais, universalização real da educação básica, infraestrutura para o retorno seguro às aulas presenciais, concursos para reduzir o numero de estudantes por turma, carreiras que assegurem dignidade aos servidores, ações de apoio a minorias, garantia de transporte público, políticas habitacionais, urbanas e de saneamento, de despoluição do ar e da água, de gestão de resíduos sólidos, Orçamento Participativo Ampliado, Conselhos da Cidadania nos bairros e regiões das cidades, ou seja, a radicalização da democracia participativa.
O mundo pós-pandemia não será nada fácil. A Covid-19 expôs e potencializou a rota de colisão entre a superprodução da riqueza e a precariedade estrutural da condição humana no capitalismo financeiro do século XXI. No horizonte há fome, miséria e outras doenças. Reverter o roteiro neoliberal e neofascista dessa caldeira e repolitizar a agenda do desenvolvimento econômico-social, capturada integralmente pela ‘razão de mercado’, requer que as ideias progressistas demonstrem pertencer ao mundo real através da ação.
A fragmentação da esquerda exacerbada pelas milícias digitais fortalece o projeto autocrático e neofascista que vem se implantando no Brasil. A Frente que ora propomos é o primeiro passo para o caminho capaz de opor a civilização à barbárie.
Juntos e juntas podemos e devemos dar agora esse primeiro passo.
Mãos à obra!
Fórum 21: Ideias para o Avanço Social
Alexandre Cesar Cunha Leite – Ciências Sociais UFPB
Altamiro Borges – Jornalista
Aluísio Almeida Schumacher – Livre Docente – Ciências Sociais – UNESP
Alysson Mascaro – Direito – Largo do São Francisco
Ana Paula Rabelo – Letras – UNILAB
Andre Kaysel Velasco e Cruz – Ciência Política – Unicamp
Anivaldo Padilha – Presidente do Fórum 21
Antonio Carlos Granado – Economista
Antonio Ernesto Lassance de Albuquerque Júnior – Ciência Política – Gestor Público
Antonio Martins – Jornalista
Antonio Sergio Pires Miletto – Diretor da Alampyme
Aram Aharonian – Jornalista
Arlete Moyses Rodrigues – Inst. de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Artur Machado Scavone – Filosofia da USP
Barnabé Medeiros Filho – Jornalista
Beatriz Costa Barbosa – Jornalista
Benedito Tadeu César – Ciência Política UFRGS
Bruno Konder Comparato – Ciências Sociais da UNIFESP
Carlos Eduardo Fernandez Silveira – Economista
Carlos Tibúrcio – Jornalista
Carlos Thadeu Oliveira – Filosofia da USP
Carol Proner – Advogada e Professora de Direito da UFRJ
Celso Japiassu – Jornalista
Cesar Antonio Locatelli de Almeida – Economista – PUC/SP
Cynara Monteiro Mariano – Direito na UFC
Daniel Araujo Valença – Direito da UFERSA
Danielle Araujo – Antropologia Social – UNILA
Dirce Zan – Educação – Unicamp
Doutor Rosinha – Ex-Deputado Federal
Eduardo Dimitrov – Sociologia da UNB
Eduardo Fagnani – Economista, Professor da UNICAMP
Felipe Braga Albuquerque – Direito da UNIFOR
Fernando Ferrari Filho – Economista UFRGS
Flavio Gaitan – Ciência Política – UNILA
Flavio Scavasin – Militante Político
Flavio Wolf Aguiar – Literatura da USP
Francisco Carlos Teixeira da Silva – Historiador UFRJ
Francisco César Pinto Fonseca – Ciências Sociais – FVG e PUC/SP
Gilberto Maringoni – Relações Internacionais – UFABC
Glaucia Campregher – Economista – UFRGS
Gledson Ribeiro de Oliveira – Sociólogo e Historiador – UNILAB
Hamilton Pereira (Pedro Tierra) – Poeta
Henrique Fontana Júnior – Deputado Federal PT/RS
Janio Pereira da Cunha – Direito UNIFOR
Jeferson Miola – Funcionário público e articulista político
Jefferson José Queler – História UFOP
João Feres Júnior – Ciências Sociais – Unicamp
Joaquim Ernesto Palhares – Advogado e Jornalista
Jonas Valente – Jornalista
Jorge Mattoso – Economista – Unicamp
José Luiz Del Roio – Militante Político
José Machado – Economista
José Pascoal Vaz – Economista Universidade Católica de Santos
José Renato Vieira Martins – Sociologia UNILA
Juarez Rocha Guimarães – Ciência Política da UFMG
Julio Rique Neto – Psicologia da UFPB
Kissila Teixeira Mendes – Psicologia UFJF
Ladislau Dowbor – Economista PUC/SP
Laura Tavares Ribeiro Soares – Economia UFRJ
Laurindo Leal Filho – ECA/USP
Léa Maria Aarão Reis – Jornalista
Leda Maria Paulani – Economista USP
Leneide Duarte-Plon – Jornalista e escritora
Leonardo Ramos – Relações Internacionais PUC Minas Gerais
Liszt Vieira – Sociólogo e Advogado
Luciano Freitas Filho – Linguística UFBA
Luiz Gonzaga Mello Belluzzo – Economista Unicamp/Facamp
Magda Barros Biavaschi – Desembargadora Aposentada e Prof. da Unicamp
Marcelo Cattoni, professor titular de Direito da UFMG
Marcio Pochmann – Economista Unicamp
Marco Cepik – Relações Internacionais da UFRGS
Maria Alice Vieira – Historiadora
Maria da Graça Bulhões – Sociologia UFRGS
Maria Inês Nassif – Jornalista
Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach – Advogada
Maria Rita Bicalho Kehl – Psicanalista – USP
Maria Rita Garcia Loureiro Durand – Ciências Sociais – FGV/SP
Mariana Serafini – Jornalista
Mario Luiz Madureira – Advogado
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima – Direito da UNIFOR
Miriam Goldfeder – Socióloga e Editora
Mojana Vargas – Relações Internacionais da UFPB
Newton de Menezes Albuquerque – Direito da UFC e UNIFOR
Nora Krawczyk – Educação Unicamp
Otaviano Helene – Física – USP
Pablo Schwartz Frydman – Letras Clássicas da USP
Patrício Carneiro Araujo – Antropologia da UNILAB
Paulo Kliass – Economista
Pedro Dimitrov – Médico Sanitarista
Pedro Paulo Zahluth Bastos – Economista Unicamp
Pedro Rossi – Economista Unicamp
Rafael Rossoto Ioris – História da América Latina – University of Denver
Raul Pont – Historiador e liderança do Partido dos Trabalhadores
Ricardo Guterman – Sociólogo
Roberto Bueno Pinto – Filosofia UFPR
Roberto Leher – Faculdade de Educação – UFRJ
Roberto Requião – Advogado e ex-Senador da República
Roberto Vasques – Sociólogo
Rodrigo Vianna – Jornalista e Historiador
Rosa Maria Marques – Economista PUC/SP
Róber Iturriet Ávila – Economia e Relações Internacionais da UFGRS
Rubem Murilo Leão Rego – Ciências Sociais UNICAMP
Sandra Helena de Souza – Filosofia da UNIFOR
Sebastiao Velasco e Cruz – Ciência Política da Unicamp
Sergio Leite – Ciências Sociais da UFRRJ
Sergio Roberto Kapron – Economista UFSM
Silvia Zimmermann – Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar – UNILA
Tarso Fernando Herz Genro – Advogado, Ex-Ministro da Justiça
Tatiana Carlotti – Jornalista
Thiago Lima – Relações Internacionais da UFPB
Valéria M. Rufino – Psicologia da UFPB
Valton de Miranda Leitão – Médico Psiquiatra – UFRGS
Venício Artur de Lima – Professor Emérito da UnB
Vera Soares – Professora e feminista
Vicente Carlos Y Pia Trevas – Sociólogo
Virginia Fontes – Historiadora UFF e Fiocruz
Walquiria Gertrudes Domingues de Leão Rego – Socióloga – Unicamp
Zaneir Gonçalves Teixeira – Direito UFC
Publicação original : https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Por-uma-Frente-de-Esquerda-/4/48880
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