Publicação que surgiu como uma dissidência do jornal Movimento passou a ser um veículo de tendência interna do Partido dos Trablhadores.
Insatisfeitos com os rumos editoriais que o jornal Movimento tomava e desgastados por rachas políticos, alguns jornalistas da publicação decidiram deixar o jornal para fundar outro periódico com o qual se identificariam. Em janeiro de 1978, o jornal Em Tempo foi lançado com a proposta de combater a ditadura expondo suas contradições internas – e que prenunciavam o fim do regime.
O jornalista Bernardo Kucinski, que teve um papel de mediador entre Fernando Gasparian e Raimundo Pereira na fundação do Opinião, e fora um dos principais colaboradores do Movimento, liderou a elaboração do Em Tempo e se tornou editor-chefe do jornal.
Para ele, os posicionamentos políticos e partidários causavam desentendimentos entre grupos de jornalistas da redação do Movimento, o que levou, inclusive, a sua saída do jornal. “O Em Tempo foi um dos últimos da imprensa alternativa, oriundo da insatisfação de uma parte dos trabalhadores do Movimento. Então ele já assumiu, ao contrário dos anteriores, um formato standard e não ‘nanico’. Isso já refletia um espaço maior nas bancas”, afirma Kucinski. Na maior parte dos casos, os jornais da imprensa alternativa eram impressos em formato tabloide, com tamanhos menores de páginas e diferentes do tamanho padrão (standard).
Outro jornalista envolvido na criação do Em Tempo foi o fotógrafo Ennio Brauns. Trabalhando na redação do jornal O Globo no Rio de Janeiro, Brauns foi convidado pelo jornalista Marcelo Beraba, que já colaborava com o jornal, para integrar a equipe logo no início do periódico.
“Eu vim do Rio para cá para fotografar para o jornal, que se propunha a enfrentar a ditadura de uma forma contundente”, explica o fotográfo.
Do ‘listão’ para a história
Segundo Kucinski, o jornal Em Tempo se destacou por certas coberturas inéditas, até mesmo para os padrões da imprensa alternativa da época. O jornalista lembra que alguns dos principais assuntos tratados foram os rachas internos do regime militar e a reestruturação e criação dos partidos políticos de oposição à ditadura.
“Em meados de 1978, o regime militar já dava sinais de enfraquecimento, principalmente pelas disputas internas entre os militares. Nós demos muito destaque aos rachas, coisa que ninguém podia acompanhar pela imprensa burguesa”, explica Kucinski.
No âmbito da luta democrática de esquerda, o jornalista lembra os vários caminhos que se vislumbravam na época. “Tinha o Almino Afonso fundando um partido socialista em Portugal para ser implementado no Brasil, o [Leonel] Brizola organizando a volta, o PT e o Lula surgindo no horizonte e isso tudo ganhou destaque em nossa cobertura.”
Para Brauns, a cobertura do movimento sindical, principalmente das greves do ABC de 1979 e 1980, foi marcante na história do Em Tempo. Ele destaca que uma das principais apurações que já realizou foi a da greve dos metalúgicos da Villares, fábrica localizada em Santo Amaro, zona sul de São Paulo. “Encontrei um buraco na grade da fábrica, entrei, e comecei a fotografar os trabalhadores parados na frente das máquinas, que era o que eu queria desde o início”, conta. Brauns foi abordado por dois seguranças da fábrica, questionando por onde o fotógrafo tinha entrado. “Eles me pediram para acompanhá-los até uma salinha e eu me recusei. Dei as costas e comecei a correr entre os operários procurando uma saída e não conseguia encontrar. Não tive dúvidas, joguei minha bolsa por cima da grade e pulei”, lembra Brauns.
Em julho de 1978, o jornal Em Tempo publicou uma lista feita por presos políticos da ditadura com os nomes de 233 torturadores que trabalhavam para o regime militar. Para Kucinski, este foi o “verdadeiro début do jornal”. “A publicação do ‘listão’ dos torturadores colocou-o na história da imprensa alternativa brasileira”, disse.
Em Tempo e a Democracia Socialista
Porém, ainda que a cobertura do periódico fosse ampla e essencial para o período político, o Em Tempo começava a dar sinais de enfraquecimento. Distribuído muitas vezes pelos próprios jornalistas que trabalhavam na redação, o jornal nasceu com a contribuição de acionistas interessados em apoiar a imprensa de oposição à ditadura. Com o decorrer do tempo, no entanto, a falta de recursos e os rachas internos devido a posições políticas – assim como no Movimento – acabaram tirando o fôlego da publicação.
Para Kucinski, “em certos momentos, havia um excesso de democratismo, do tipo que atrapalha o andamento de uma redação. Tudo tinha que ser discutido e votado, então o editor perdeu a razão de ser”. Em meados dos anos 1980, o jornalista deixou o cargo que ocupava no Em Tempo para se tornar um colaborador eventual.
Durante o processo de abertura da ditadura civil-militar, a militância de esquerda então se voltou para o movimento sindical, devido ao fôlego que as greves dos metalúrgicos do ABC traziam para a luta democrática. Nesse contexto, os grupos políticos que compunham a redação do jornal Em Tempo também se aproximaram dos sindicalistas e se envolveram na criação do Partido dos Trabalhadores. Brauns conta que trabalhou no jornal até meados de 1983, “quando o Em Tempo amplia sua aproximação ao PT e inicia o processo para se tornar uma publicação de tendência interna do partido”.
No ano de 1986, o jornal Em Tempo passa a ser oficialmente o periódico da Democracia Socialista, tendência interna do PT que foi criada em 1979 pelos grupos que militavam em torno da publicação. Ele circulou com esse nome até o ano de 2004, quando passou a se chamar Democracia Socialista, mesmo nome da corrente. Sua versão impressa existiu até 2014 e, depois disso, deu lugar à revista teórica de mesmo nome que circula até hoje.
Confira o vídeo das entrevistas clicando AQUI.
Comente com o Facebook