No último dia 18, foi publicada uma matéria no Portal Sul 21, sobre o estudo realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), que revelou as disparidades étnicos/raciais nas mortes de Covid-19 no RS e no Brasil[1]. Segundo dados apresentados na pesquisa, no Rio Grande do Sul a taxa de mortalidade entre os povos indígenas foi de 138 mortes a cada 100 mil habitantes; entre os negros, a taxa foi de 137,9 óbitos por 100 mil habitantes; já entre pessoas brancas, o índice foi menor, 81,2 mortes por 100 mil habitantes.
Neste pequeno artigo, queremos fazer uma reflexão política sobre a situação precária vivida pela população negra no RS e no Brasil, que se evidenciou no estudo referenciado acima. Antes, se faz necessário dizer que, atualmente o nosso estado é composto por 21% de pessoas negras (pretas e pardas) e 79% de brancos.
Dito isso, vários setores da sociedade, inclusive a esquerda brasileira, afirmavam que a pandemia mundial estava revelando o aprofundamento da desigualdade social. É verdade, mas devemos atualizar a nossa avaliação, porque no Brasil a crise do Coronavírus desnudou o racismo estrutural que muitos, até então, insistiam em não querer enxergar. Ocorre que, desde a primeira morte de Covid – da empregada doméstica Rosana Urbano, que era negra –, até a revelação do triste resultado apurado pela pesquisa da FURG, morreram muito mais pessoas negras do que brancas.
O retrato abordado acima é facilmente explicável. Ora, mesmo os avanços conquistados durante os governos de Lula e Dilma, não foram suficientes para elevar, de forma estruturante, o padrão de vida da população negra, que amarga o legado hostil da escravatura até os dias atuais. Porém, precisamos apontar – na minha opinião – que o fator principal do resultado assustador revelado pelo estudo, é o imbricamento do racismo com o neoliberalismo.
Na realidade, os governos de Temer e Bolsonaro “rezaram” fielmente a cartilha da política neoliberal. A flexibilização das leis trabalhistas gerou o aumento do desemprego e do trabalho informal que, combinado com a ausência de uma ágil política de distribuição de renda, definiu quem realmente poderia “ficar em casa” durante a pandemia.
A máquina de fake news, o governo atrasando a compra de vacinas, promovendo aglomerações e motociatas, incentivando o descrédito na comunidade científica, indicando a prescrição de remédio ineficazes, orquestrou, pode-se dizer, um “ambiente de crise dentro da crise”, resultando numa verdadeira política genocida. Esse foi o comando do governo federal durante a pandemia.
A pergunta que poderia ser realizada é: de que forma o racismo contribuiu para sedimentar as mortes por Covid-19?
Não será difícil responder, infelizmente. A desigualdade racial e social são problemas crônicos no país, tais como: as péssimas estruturas de moradia e saneamento, a dificuldade de acessar materiais básicos de higiene e de proteção, a desinformação e má condição de renda, etc. Todas dificuldades históricas que atingem a maioria da população brasileira, a população negra.
Esse ambiente demográfico e sócio estrutural, atrelado à política de Bolsonaro, fez do Brasil um verdadeiro campo de extermínio para o povo negro e indígena.
A citação dos dados gaúchos – para além de viver aqui – foi proposital, pois este é um dos estados com menos índices populacionais de negros e indígenas do Brasil, mas tem a capital que lidera o ranking entre as capitais que mais morreram negros por covid, a taxa foi de 312,3 por 100 mil habitantes. É assustador!
Finalizando, se faz necessário apontar quais desafios que o momento histórico exige atenção da esquerda brasileira. Primeiro, cabe a nós, liderados pelo presidente Lula, a reconstrução da democracia brasileira. Essa, por si só, não será uma missão fácil, sobretudo pela força do bolsonarismo no país, mas, também, pelas constantes disputas com os setores neoliberais.
A segunda tarefa, também relevante e que está relacionada com o tema deste artigo, será a estruturação de um programa de desenvolvimento nacional, que permita ao governo Lula a realização de reformas estruturais nos eixos político-econômico e socioambientais. Além disso, tal ação contribuirá na superação das hierarquias raciais e de gênero que sedimentaram o país, tornando a vida dos negros e das mulheres reféns da acumulação de capital.
Portanto, caberá à esquerda apresentar um programa de desenvolvimento à revelia do neoliberalismo. Um modelo que supere os limites encontrados nas experiências chinesas, russas e experimentados no Brasil, inserindo no centro da elaboração a política racial e de gênero, pavimentando o caminho de articulações prioritárias entre os países da América Latina e africanos para uma nova ordem socioeconômica mundial.
Aleff Fernando é Militante do Coletivo Enegrecer e Membro da Executiva Estadual do PTRS.
[1] https://sul21.com.br/noticias/saude/coronavirus/2023/01/porto-alegre-foi-a-capital-com-a-maior-taxa-de-mortalidade-de-negros-por-covid-19-em-2020/
Comente com o Facebook