Mesmo com área reduzida, pouco crédito e dificuldades de escoamento, agricultura familiar domina a produção de verduras e legumes, além de alimentos como mandioca e batata-doce.
Arroz, feijão, bife acebolado, batata-frita, farofa e salada. Café com leite e pão com manteiga. Baião de dois com carne-de-sol e macaxeira. Feijoada com arroz, couve bem fininha e farofa. Cuscuz de milho com charque. Macarronada. Arroz carreteiro com polenta frita. Acarajé com vatapá e caruru. Tutu, frango com quiabo, angu e couve mineira. Peixada com arroz. Camarão com açaí e farinha d’água. Arroz com feijão tropeiro. Galinhada com pequi. Moqueca baiana com arroz e farofa.
A variedade de comidas no Brasil é tão grande quanto a extensão do país. É verdade que o consumo de produtos ultraprocessados vem crescendo de modo acelerado, enquanto o de arroz e feijão – base de grande parte das nossas refeições tradicionais – só faz cair. Mas também é verdade que cerca de 70% da alimentação continua vindo de alimentos in natura ou minimamente processados – aqueles que devem mesmo ser priorizados, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira.
Mas de onde vem toda a comida que compõe o PF nosso de cada dia? Quem a produz? Por qual fatia dessa produção a agricultura familiar é responsável? Isso vem se alterando?
Essas não são perguntas fáceis de se responder, mas ganharam muita visibilidade a partir do Censo Agropecuário 2006, que introduziu uma diferenciação entre “agricultura familiar” e “agricultura não familiar”. E os dados do Censo mostravam que a agricultura familiar era responsável pela maior parte da produção de vários alimentos consumidos no Brasil, como feijão (71%), mandioca (83%), milho (46%) e leite de vaca (58%) – apesar de ocupar apenas 24% da área total dos estabelecimentos rurais.
Logo se popularizou a ideia, divulgada pelo próprio governo federal, durante o segundo mandato de Lula, de que 70% da nossa alimentação provinha da produção familiar. Segundo Guilherme Cassel, que comandava o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na época da divulgação dos dados, essa foi uma média geral feita pela pasta a partir dos dados referentes aos alimentos.
Cassel avalia que o slogan dos 70% colou com força porque, no fundo, de alguma forma as pessoas já sabiam do papel importante da agricultura familiar. “Esse número só ganhou a repercussão que ganhou porque ele bate na realidade fática, bate com a sensibilidade das pessoas comuns, que comem arroz, feijão, milho, verdura, fruta, e sabem que isso não é produzido pela agricultura patronal, que produz commodities para exportação”, afirma o ex-ministro. “Nesse meio do agro, além da concentração fundiária tem também uma concentração cultural de informação. Você não pode valorizar um pouco a agricultura familiar e camponesa que parece um crime”, avalia.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reagiu de bate-pronto, publicando o estudo “Quem produz o quê no campo: quanto e onde”, encomendado à Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ao Instituto Brasileiro de Economia (IBRE). O trabalho tem uma metodologia torta, que só considera como agricultores familiares aqueles enquadráveis nas normas do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). E conclui, basicamente, que a produção familiar gera pouca receita e não é tão importante assim.
O que dá para estimar
Saber exatamente o quanto da nossa alimentação vem da agricultura familiar é, hoje, humanamente impossível. Para isso, seria preciso conhecer não apenas a quantidade consumida anualmente de cada alimento (um dado que não existe), como também o quanto de cada ingrediente é consumido – e ainda a produção agropecuária necessária para fazer esses ingredientes. Por exemplo: quanto de cana é necessário para fazer o açúcar de um pacote de biscoito, quanto trigo se precisa para fazer um pão francês, quanto leite se usa para fazer o requeijão e assim por diante. Isso sem falar que teríamos que colocar na conta todos os alimentos que o país exporta e importa. Ou seja, não dá.
O que é possível fazer com tranquilidade é dimensionar a agricultura familiar e calcular sua participação em relação a toda a produção agropecuária de alimentos. E aí, temos o seguinte: em 2006, segundo o Censo Agropecuário, havia 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no país, sendo a esmagadora maioria deles – 4,3 milhões, ou 84% – de agricultura familiar. Como já dissemos aí em cima, mesmo ocupando pouco mais de 24% da área total, ela dominava a produção de vários alimentos importantes.
Além disso, era também muito forte em mão-de-obra (74% do pessoal ocupado na agricultura estava em estabelecimentos familiares) e extremamente produtiva: o valor de produção por hectare/ano era de R$ 677 na agricultura familiar, contra apenas R$ 358 na patronal. “Isso são dados – não é ideologia, não é boa-vontade com a agricultura familiar, não é amor pela agricultura familiar”, reforça Cassel.
Tirando da conta o que não é alimento (como algodão, juta e forrageiras), a agricultura familiar era responsável por boa parte da produção. Na horticultura, ela era soberana, sendo responsável por 64,6% no geral, e chegando a ultrapassar os 80% para produtos como batata-doce (86,5%), couve-flor (84,4%), pimenta (84,3%), vagem (80,8%) e inhame (82,6%).
Nas lavouras temporárias – aquelas em que a colheita é anual ou sazonal, como arroz, feijão e mandioca –, ela respondia por 12,8% do total da produção. Esse número era puxado para baixo por commodities como cana-de-açúcar e soja. Tirando esses dois produtos, o percentual subia para 49,2%.
A produção era mais baixa nas lavouras permanentes, ou seja, naquelas culturas que são plantadas uma vez e podem render por vários anos, como as árvores frutíferas. Mesmo assim, a produção familiar era desproporcional – de um jeito positivo – à área ocupada por ela: 31,8% do total, com vários alimentos ultrapassando os 60%, como o açaí (88,7%), amora (78,3%), cupuaçu (76,1%), maracujá (67,5%), e castanha-de-caju (66%).
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Via O joio e o Trigo.
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