Na tarde do último dia 2 de agosto, em um Palácio do Planalto lotado de pescadoras e pescadores artesanais de diversos estados do Brasil, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o Ministro da Pesca e Aquicultura (MPA), André de Paula (PSD), lançaram o histórico Programa Povos da Pesca Artesanal.
Mas qual a importância e o significado disso para o País? E para as comunidades pesqueiras artesanais?
É essencial dizer que, ao longo do território nacional, mais de 1 milhão de pessoas vivem diretamente da pesca artesanal (46% no Nordeste e 35% no Norte do País), ou seja, elas são indígenas, homens e mulheres pretas, caiçaras, marisqueiras, jangadeiros, vazanteiros, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, moradoras de áreas rurais e urbanas, do litoral e do sertão, povos das águas, que respondem por mais de 60% do pescado que chega na mesa das famílias brasileiras, sendo guardiões de um rico patrimônio cultural (culinária, conhecimentos naturais, artes de pesca, danças, cantos, procissões marítimas, etc.), da biodiversidade e da segurança alimentar. Sem dúvida, a existência de comunidades pesqueiras artesanais trouxe e traz (mesmo sem o devido apoio e reconhecimento dos poderes públicos, na grande maioria das vezes) inestimáveis benefícios para regiões e municípios, para toda sociedade brasileira, sendo estratégica para justiça climática e o verdadeiro desenvolvimento sustentável em nosso planeta.
Contudo, nunca é demais lembrar que, de 2019 a 2022, houve um descaso sistemático do Governo Federal em relação às comunidades tradicionais, seus direitos e modos de vida, incluindo aí pescadoras e pescadores artesanais.
Por exemplo, a partir dos dados oficiais colhidos e analisados no Relatório do GT da Pesca (do Governo de Transição), é possível comparar, dentre outros aspectos, o orçamento destinado ao setor pesqueiro em 2015 (fase final do Governo Dilma e extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA) e o ano de 2022 (fim da gestão Bolsonaro). Assim, constatou-se que o investimento do Estado era de, no mínimo, de 650 milhões de reais, caindo 7 anos depois para 19 milhões. No período aludido (2015 e 2022), deu-se uma drástica redução, também, nos investimentos para a extensão pesqueira e a assistência técnica (mais de 99%) e uma herança de mais de 220.000 registros de pescador e pescadora artesanal (RGP) parados e, dessa maneira, sem resolução, o que significa negar um direito básico de cidadania. Somando-se a essas questões, o desastre do petróleo, que completou há pouco 4 anos (aconteceu em 30 de agosto de 2019) e afetou as comunidades pesqueiras de todo litoral do Nordeste e mais 2 estados do Sudeste (foram mais de 5.350 toneladas de óleo retiradas do ambiente), não recebeu a devida atenção do Governo Federal. Existiu um desmonte das políticas públicas para a pesca.
Por isso, além da própria recriação do MPA e com ela o surgimento de um sujeito inédito (a Secretaria Nacional de Pesca Artesanal – SNPA), o Programa Povos da Pesca Artesanal é um gesto, dentre tantos elementos valiosos, de reparação histórica do Estado brasileiro para com as comunidades pesqueiras artesanais e o próprio País. É um Programa que incorpora, nas políticas públicas do Estado brasileiro, as principais reivindicações das pescadoras e dos pescadores artesanais numa ação integrada, articulada, que busca, além de construir condições para a superação de bloqueios pertencentes à produção e à comercialização de pescados, garantir direitos sociais, culturais e ambientais e fazer, assim, justiça histórica para esse expressivo e secular segmento social.
Assim, pela primeira vez na história do nosso País, há um Programa construído pelo Estado com foco exclusivo nas pescadoras e nos pescadores artesanais, reunindo diversas ações transversais e combinadas voltadas à juventude pesqueira, às mulheres, à extensão e pesquisa; à cadeia produtiva, comercialização e segurança alimentar; à melhoria das condições de trabalho, à promoção da saúde, combate ao racismo ambiental e à valorização da cultura e dos territórios pesqueiros artesanais.
O Povos da Pesca Artesanal atua na intersecção de raça/etnia, gênero e classe social, com foco no desenvolvimento e no combate às desigualdades, na defesa dos territórios e das manifestações culturais pesqueiras, na justiça socioambiental e na participação popular. Para tanto, cria ações próprias do MPA, através da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal (SNPA) que coordena este Programa, e articula outras junto a vários ministérios (MDA, MDS, MINC, MCTI, Saúde, Trabalho, Mulheres, MMA, etc.), envolvendo estados e municípios, bem como (e principalmente) as entidades representativas e os movimentos sociais da pesca artesanal. A meta – do Povos da Pesca Artesanal – é atender, de 2023 até dezembro de 2026, aproximadamente 1 milhão de pescadores e pescadoras artesanais, ao investir, no mínimo, 450 milhões de reais nas ações que compõem o Programa Povos da Pesca Artesanal (recursos diretos do MPA – fora aqueles oriundos de outros ministérios e de contrapartidas de estados e municípios).
O central, para o Governo Lula, é concretizar as políticas públicas em favor das pescadoras e pescadores artesanais com ampla participação social. Assim, reativou-se o Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (Conape) e foram criados, de maneira inédita, o Fórum Nacional da Pesca Artesanal e Grupos de Trabalho (GTs) ligados à temas estratégicos (legislação, mulheres e territórios), contando com a participação de movimentos sociais e entidades representativas da pesca artesanal de todo País. Ao referido Fórum caberá, em conjunto com a SNPA/MPA, a construção das conferências para a elaboração do I Plano Nacional da Pesca Artesanal, que guiará, quando concluído no ano de 2024, o Povos da Pesca Artesanal para os próximos 10 anos (2024-2034), reafirmando-o, mais ainda, como uma política de Estado.
Por meio desses espaços de participação popular frisados anteriormente, importantes ideias, debates e propostas já estão sendo concretizados e serão – ainda mais – ampliados e encaminhados, bem como se efetivam formas de acompanhamento, avaliação e cobrança sobre a implementação das políticas que integram o Povos da Pesca Artesanal. Então, o Povos da Pesca Artesanal é um Programa em movimento, vivo e, dessa maneira, capaz de incorporar críticas, corrigir lacunas e implementar ações. É, de fato, uma poderosa ferramenta democrática e popular.
Evidentemente que existiram iniciativas (valiosas) para a pesca artesanal nos Governos anteriores dos Presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT) e que merecem reconhecimento (serão reativadas algumas dessas ações), mas nunca houve um Programa que fosse sinônimo e agregasse um conjunto expressivo de projetos, ações e políticas, objetivando transformar a pesca artesanal num sujeito estratégico do desenvolvimento, num ator/atriz principal (ou, pelo menos, equivalente) e não apenas em coadjuvante das políticas públicas, inclusive no âmbito do setor da pesca e da aquicultura.
Agora as comunidades pesqueiras artesanais querem e terão muito mais!
E como pronunciou o próprio Presidente Lula em seu belo e emblemático discurso durante o lançamento e assinatura do decreto (n. 11.626, de 2 de agosto de 2023) que criou o Programa Povos da Pesca Artesanal:
“Portanto, o que nós estamos fazendo hoje não é apenas um ato de justiça e reparação histórica. É também política de desenvolvimento no mais legítimo significado da palavra. O desenvolvimento é um rio largo, de correnteza forte e margens distantes. O papel de um governo é lançar sobre esse rio a maior de todas as pontes: a justiça social. Sem ela, o desenvolvimento pode trazer muita coisa em sua correnteza, mas não trará a igualdade que fertiliza e abastece. O pescador e as pescadoras artesanais são parte importante do desenvolvimento do Brasil, e continuarão recebendo todo apoio do nosso Governo. Viva o pescador brasileiro e viva a pesca artesanal!”
Cristiano Ramalho é Secretário Nacional de Pesca Artesanal (SNPA) do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).
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