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(RE)EXISTÊNCIA E CONSCIÊNCIA NEGRA: NOSSOS PASSOS VÊM DE LONGE! | Plúvia Oliveira

Das memórias e lutas do Movimento Negro Unificado – MNU, o 20 de novembro enquanto Dia Nacional da Consciência Negra é fruto do acúmulo e construção das (re)existências do povo negro que se reafirmam cotidianamente. Na construção de uma alternativa de sociedade sem opressão de classe, raça e gênero, o horizonte aponta para as figuras de Dandara e Zumbi e a comunidade de Palmares, nessa data que remonta desde os anos de 1960, mas que tem como marco a assembleia do MNU realizada em 1978, em Salvador e traz consigo o significado da construção coletiva. Mesmo diante da falsa abolição do 13 de maio de 1888, que nos traz a negação de direitos mínimos para o povo negro sobreviver, a passividade nunca foi uma alternativa e os quilombos são provas dessas resistências.

Quando observamos o passado, desde os interesses do homem branco europeu em se projetar enquanto ser superior; os processos de colonização de exploração que o Brasil passou e nos afeta até o presente; o massacre dos povos indígenas; a escravização como meio para produção e acumulação de bens e a submissão de negros africanos enquanto objetos/mercadorias/força de trabalho; a utilização das mulheres escravizadas como Ama de leite e corpos para atender os interesses sexuais dos fazendeiros; é possível percebermos o quanto a sociedade brasileira é orgarnizada a partir do racismo, patriarcado e das estruturas de classes. 

Lélia Gonzalez, em sua trajetória militante e intelectual, nos demonstra que, mesmo no pós-abolição, a população negra brasileira continuaria no lugar que a elite branca nacional considerava adequado: o lugar do emprego precarizado; o lugar da ausência de políticas públicas; o lugar de sofrer violência policial. Quando nos deparamos com os dados da população brasileira, o IBGE mostra que 56% da população se autodeclara preta ou parda em 2022. Ainda segundo o instituto, quando cruzamos os dados do mercado de trabalho e cargos de gerência, negros correspondem a 29,5% e brancos a 69%. Quando olhamos para quem vive na pobreza extrema com menos de R$10,00 por dia, 20,4% das pessoas são negras e 5% são brancas. Ao pensarmos sobre o trabalho doméstico no Brasil, esse modelo de trabalho que é impregnado pelas práticas coloniais e tão particular no nosso país,  as mulheres representam 92% dos espaços ocupados pela categoria, das quais 65% são mulheres negras, segundo o Dieese (2022). 

Com os governos progressistas do Partido das e dos Trabalhadores, a agenda antirracista avançou no Brasil, à exemplo da Lei de Cotas para negros nos cursos de graduação das universidades e institutos federais e, mais recente, a adição da pós-graduação na lei. Além dessa, tivemos também a lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial em 2012; a lei que dispõe sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira nas instituições de ensino; a lei que dispõe sobre as cotas nos concursos públicos federais que designa 20% para pessoas negras; a tipificação da injúria racial como crime de racismo; a Política Nacional de Saúde Integral da População; além do Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida e programas voltados para a segurança alimentar. 

Políticas semelhantes foram estabelecidas em alguns estados brasileiros, a exemplo do Rio Grande do Norte, principalmente após 2019, com a gestão da Governadora Fátima Bezerra (PT). A Lei de Cotas para acesso aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e a lei que estabelece 20% de cotas nos concursos públicos estaduais são exemplos, assim como a criação do Estatuto da Igualdade Étnico-racial do Rio Grande do Norte, sendo essas duas últimas de autoria da Deputada Estadual Isolda Dantas (PT), importante parceira da luta antirracista na Assembleia Legislativa do RN. Essas conquistas somente foram possíveis a partir da luta de Dandara, de Lélia Gonzalez, de Zumbi, de Abdias Nascimento, de Luiz Gama, de Marielle Franco, de Tereza de Benguela e de todo e toda militante negro(a) e do povo que (re)existe.

Mas é preciso avançar! É nesse sentimento de romper com os pactos e locais que a branquitude e elite nacional nos coloca, que a população negra ousa cada dia mais na construção de um Brasil que olhe para nós. Quando nós que construímos o movimento feminista dizemos que é preciso mudar o mundo para mudar a vida das mulheres e mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, também apontamos que é preciso romper com a lógica do sistema capitalista, racista e patriarcal, para que consigamos chegar na cidade, estado e país que queremos. 

Nesse sentido, disputar a política institucional também faz parte dessa construção. Foi com essa indignação que pessoas negras comprometidas com a luta antirracista, como Benedita da Silva, Renato de Freitas, Carol Dartora, Brisa Bracchi, Erika Hilton, Talíria Petrone, entre tantos outras e outros, disputaram os parlamentos muncipal, estadual e federal e ocuparam as cadeiras de vereadores e deputados, para demonstrar que é preciso mudar para melhor e construir políticas para o povo negro e pobre brasileiro, pois já não mais nos atende ter apenas 26% de deputadas e deputados federais negros na câmara. 

E quando refletimos sobre a composição das câmaras municipais, negros correspodem cerca de 44,7% na atual legislatura; mas quantos estão comprometidos com um projeto de sociedade de equidade? Todas as políticas antirracistas criadas até aqui são extremamentes importantes, mas será que são suficientes para romper com todas as amarras e violências que vivemos?

Quando olhamos o cenário nacional, visualizamos uma disputa para a ocupação da cadeira do Supremo Tribunal Federal – STF. O Movimento negro e a sociedade civil entraram, neste último período, em uma intensa campanha para que o Presidente Lula indique uma ministra negra e progressista para o STF, indicação extremamente necessária para o Brasil, no qual em mais de 132 anos de corte, nenhuma de nós estivemos nesse espaço e que, em sua maioria, apenas homens brancos e conservadores ocuparam. 

Essa pressão é essencial, pois como aponta a filósofa estadunidense Angela Davis, “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta”. Mas além de pensar as mudanças por cima, é necessário pensar as mudanças por baixo, a partir dos nossos locais de vivência: as nossas cidades. Aqui deixo a pergunta: até que ponto estamos comprometidos e comprometidas com o antirracismo? A composição da câmara de vereadores das cidades diz muito sobre a sociedade que queremos. E quando olhamos para as nossas cidades, quantos vereadores negros e negras temos? Quantos vereadores estão comprometidos com a promoção da igualdade étnico-racial? Quantas políticas públicas foram criadas para a população negra? Esses são pontos necessários a serem refletidos.

Refletir sobre a composição das Câmara municipais é importante, uma vez que nós, negros e negras, não queremos apenas ser chamados para ações pontuais e construções mínimas das políticas públicas. Nós queremos construir a política institucional comprometida com as pessoas, no dia a dia da população e ocupando as cadeiras do parlamento municipal. Nada de nós sem nós! 

É preciso construir uma política que priorize a vida da população negra e periférica. E será que estamos sendo prioridade, quando temos um transporte público precarizado e com poucas linhas disponíveis e horários reduzidos, dificultando o acesso aos espaços de lazer ou a ida às escolas ou universidades? Será que somos prioridade na política de saúde, quando nos faltam os serviços básicos nas UBSs da cidade? Será que a segurança pública municipal é pensada para a vida das pessoas negras, especialmente para as mulheres negras e pessoas que moram nas periferias? 

Percebemos que muito ainda nos falta, mas estamos reescrevendo a nossa história com a contribuição de cada um e cada uma que ocupa os espaços de construção das alternativas nos movimentos sociais, nas organizações das comunidades, nos becos, nas vielas e nos parlamentos. Nossa construção deve apontar para a transformação da vida da população negra que luta todos os dias para sobreviver, que pede dinheiro no semáforo, que ocupa o trabalho doméstico precário, que batalha para concluir a educação básica, que luta contra o extermínio da juventude negra e quer viver para conseguir terminar o curso superior. Que nós possamos ter as sabedorias dos quilombos, das mulheres negras e da coletividade como alternativa para construção de uma cidade mais justa.

Clóvis Moura, intelectual negro, retrata como a população negra foi inserida no Brasil em um processo forçado e exploratório e aponta que esses sujeitos não silenciaram diante das diversas amarras e violências que sofreram, pois os negros se revoltaram, resisistiram, se organizaram e construíram os quilombos enquanto ambiente de equidade. Moura desmonta a ideia do negro que era passivo a tudo que os fazendeiros queriam e traz para reflexão a história de (re)existência do nosso povo que jamais será silenciado. 

As ideias de harmonia entre as raças e democracia racial no Brasil, formuladas por Gilberto Freyre, ainda estão bem presentes no cotidiano do país, mas a partir das contribuições de militantes, intelectuais e movimentos sociais, vamos desconstruindo e reconstruindo nossa história que é diversa, para não cairmos na história única dos colonizadores, dos exploradores e das elites, como alerta Chimamanda Ngozi Adichie, feminista e escritora nigeriana. Construímos e continuaremos construindo nossa história com novos horizontes, o mundo que queremos – que também passa pela ocupação das cadeiras de vereadores, de deputados, das reitorias das universidades, das lideranças das empresas, da presidência do Brasil e da composição do STF. Podemos esperançar, nunca sozinhas ou sozinhos, sempre em coletivo e com centralidade nos nossos ancestrais. Esse momento é o agora!

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer” – Conceição Evaristo.

Plúvia Oliveira é Gestora Ambiental pela  UERN e militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Coletivo Enegrecer.

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