No dia 14 de março de 1883, há exatos 141 anos, o mundo perdia Karl Marx, um dos pensadores mais influentes da história moderna. Seu falecimento, porém, não sepultou suas ideias, as releituras de Marx inspiraram lutadores sociais, partidos políticos, intelectuais e revoluções por todo o planeta ao longo das décadas. Mesmo com muitos descaminhos, onde não raro lhe foram atribuídas ideias alheias, o pensamento de Marx se renova como uma fonte quase inesgotável de um arsenal crítico para compreender e, principalmente, buscar superar o capitalismo.

Em um mundo que insiste em declarar o “fim das ideologias”, Marx nos lembra que toda ordem econômica é, também, uma escolha política — e que alternativas são possíveis. Após a derrocada dos regimes autoritários do chamado “socialismo real” no leste europeu, e com o trinfo vertiginoso da hegemonia neoliberal, o capitalismo se anunciava triunfante e Marx, segundo os liberais, estaria relegado ao museu do pensamento. Mas, passados alguns anos, o que assistimos hoje é justamente o contrário: sua obra nunca foi tão lida como nos últimos anos.
O “teórico das crises” do capitalismo atingiu novas audiências. No século XXI, em meio a crises econômicas recorrentes, desigualdades vertiginosas e transformações tecnológicas disruptivas, a obra de Marx ressurge como um farol crítico para compreender os dilemas do capitalismo contemporâneo. Temos hoje um cenário internacional de intensa retomada dos estudos e debates políticos em torno a Marx, com inúmeros artigos e publicações importantes lançando novas perspectivas e potencialidades deste “pensamento em movimento”.
Marx anteviu que o capitalismo, embora revolucionário em sua capacidade de gerar riqueza, carrega em si contradições insustentáveis. Hoje, quando 1% da população detém mais de 40% da riqueza global (segundo a Oxfam, 2023), sua análise sobre a acumulação de capital nas mãos de poucos parece profética. A financeirização da economia, a precarização do trabalho (com a uberização e a gig economy) e a estagnação salarial revelam uma realidade onde a luta de classes, longe de ser anacrônica, se reinventa. Trabalhadores de aplicativos, por exemplo, vivem uma modernização da exploração: sem direitos trabalhistas, sujeitos a algoritmos que ditam suas jornadas.
A noção marxista de alienação — a perda de conexão do indivíduo com o fruto de seu trabalho — ganha nuances inquietantes no século XXI. Em um mundo onde o trabalho intelectual e criativo é commoditizado, e onde a tecnologia promete liberdade, mas muitas vezes aprisiona em rotinas exaustivas, milhões experimentam um vazio existencial. Redes sociais, que transformam relações humanas em dados comercializáveis e empregos que demandam produtividade 24/7 aprofundam a cisão entre o ser humano e sua essência. Marx via nisso uma desumanização; hoje, falamos em burnout e ansiedade como epidemias sociais.
Marx também oferece importantes reflexões para a crise ambiental. Em seus escritos, alertava sobre a “ruptura metabólica” entre sociedade e natureza, resultado da lógica predatória do capital. No Antropoceno, quando a busca por lucro acelera mudanças climáticas e esgota recursos, ecoa sua crítica: o capitalismo trata a Terra como uma mina inesgotável, não como um lar. Movimentos ecossocialistas, inspirados em sua obra, defendem que a sustentabilidade exige superar a lógica do crescimento infinito — antítese direta ao sistema que Marx denunciou.
A automação, a inteligência artificial e a robotização reacendem debates sobre o “fim do trabalho”. Marx, que enxergava a tecnologia como potencial libertador (se controlada coletivamente), hoje nos faria questionar: por que, em vez de reduzir jornadas, a produtividade tecnológica gera seu oposto, com efeitos de desemprego em massa e concentração de renda? A resposta está na estrutura de propriedade dos meios de produção — nas mãos de poucos, como ele destacou.
Revisitar Marx não significa adotar dogmas do século XIX, mas reconhecer que sua análise do capitalismo como sistema dinâmico, porém gerador de exclusão e crises, permanece aguda. Suas perguntas — “Quem se beneficia?” e “Como organizamos a sociedade?” — são urgentes diante de pandemias, inteligência artificial desregulada e colapso ecológico. Sua utopia revolucionária ganha um sentido de urgência, onde superar o modo de produção capitalista é um imperativo para a sobrevivência humana. O seu diagnóstico sobre as feridas do capitalismo é, mais que nunca, um convite à reflexão crítica e ação. Como escreveu em 1845: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. No século XXI, transformá-lo exige, entendê-lo, de forma associada a práxis e para este esforço Marx segue sendo um guia indispensável.
Erick Kayser é historiador.