O império ataca o Brasil. A extrema-direita aplaude.

Pedro Tierra

O embargo ao Brasil anunciado pelo Presidente dos Estados Unidos, para 1o de agosto, entrou em vigência no último dia seis. Redefine abruptamente os termos de uma relação diplomática que já dura 200 anos. E veio da pior forma: um anúncio pelas redes sociais de Trump, carregando no conteúdo uma falsificação grosseira e uma afronta à soberania nacional, típicas do estilo “Chicago 1930” do emitente. A primeira não é séria. A segunda é inaceitável, como já demonstraram as instituições e a própria sociedade brasileira.

A primeira foi contestada de plano pela evidência da falácia: pelos números de Washington, o Brasil é deficitário nessa relação comercial. Não os Estados Unidos. Eles acumulam um superávit de U$ 410 bilhões nos últimos quinze anos. E a segunda, o ultimato para que a justiça brasileira suspenda IMEDIATAMENTE o julgamento do energúmeno que fracassou na tentativa de golpe de estado, depois de derrotado nas urnas de 2022, é descabida como método e intolerável por princípio para um país que deixou de ser colônia em 1822.  

Essa duplicidade de caráter das sanções impostas revela que não há, a rigor, da parte do agressor, nenhum espaço para negociação, como revelam os gestos e as declarações tanto vindas de Washington, quanto do Sr. Escobar, na representação diplomática em Brasília.  

Cumpre observar que, como foi bem-sucedido ao escapar da punição pela leniência da justiça norte-americana, por ter autorizado a horda invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, Trump talvez tenha imaginado que teria êxito ao chantagear um país de 200 milhões de habitantes para proteger seu cúmplice das mãos da justiça brasileira. Livrar Bolsonaro da cadeia para legitimá-lo como ator político no Brasil significa legitimar o que o próprio Trump conseguiu na metrópole.

Passada a turbulência inicial que se seguiu ao anúncio do ataque, ficam mais claros os objetivos da Casa Branca. Os acidentais e os estruturais. Os objetivos de curto, médio e longo prazos.

O comportamento de traição nacional do clã não deve ser subestimado, mas tende a perder relevância na medida em que a atitude do judiciário brasileiro, ao afirmar sua independência constitucional e do executivo em rechaçar de forma inequívoca qualquer pretensão estrangeira contra a soberania nacional e as instituições democráticas, interpele o legislativo.

O parlamento brasileiro, apequenado diante da sociedade, não pode deixar de assumir uma atitude legítima e incontornável de cassar o mandato de um de seus membros em resposta à flagrante traição aos interesses do país. E, a partir daí, trabalhar para recuperar sua autoridade frente aos arruaceiros, ao tomar as medidas cabíveis para punir exemplarmente os amotinados de 4 de agosto. Eles repetiram o 8 de janeiro ao tomar de assalto a mesa da Câmara dos Deputados para impedir pela força o funcionamento da Casa.

O debate gerado em torno da agressão gratuita do império ao Brasil, elucida que não se trata de “tarifaço”, trata-se de um embargo econômico. E veio seguido das sanções aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, para não deixar dúvidas sobre seu caráter político e ideológico. A contundência das medidas lança luz sobre os interesses de fundo que movem a ofensiva de Donald Trump.

A tardia e – a esta altura – incontornável regulação das atividades das big-techs para que se enquadrem nos princípios da Constituição brasileira, significará um sério revés às pretensões da extrema-direita mundial que já armou sua estratégia para um vale-tudo nas eleições brasileiras de 2026.

Em outras palavras, para a defesa da democracia é crucial submetê-las – as big-techs, reconhecidamente identificadas com a extrema-direita – à legislação do país como condição para assegurar a paridade de meios entre as forças políticas que disputarão o pleito. Esse é um desafio de curtíssimo prazo!

Como, para o império, o enfrentamento dos BRICS é inseparável da manutenção do dólar como moeda única das transações comerciais globais, esse desafio atualíssimo se projeta para um embate de maior fôlego e de caráter estratégico, em que espera contar com o apoio do capital financeiro e da mídia conservadora brasileira.

Pela primeira vez, depois da consolidação da ordem unipolar, o império é confrontado por um conjunto de países que, por sua economia – cerca de 40% do PIB mundial –, população, extensão territorial, desenvolvimento industrial e domínio de tecnologias avançadas em atividades civis e militares, não podem ser submetidas simplesmente com o uso da força como ocorreu com Líbia, Iraque, etc…

Para Trump, “Se perdêssemos o padrão mundial do dólar, seria como perder uma guerra, uma grande guerra mundial, não seríamos mais o mesmo país”. Dito de outro modo: o mundo não tem o direito de realizar suas transações comerciais à margem do dólar. Isso significa que os países deixariam de financiar o déficit orçamentário dos EUA.

Aqui se situa o foco do combate aos BRICS. O multilateralismo que o grupo representa, significa um desafio em expansão contra o controle imperial americano que claramente enfrenta problemas para se manter como força hegemônica.

Essa perspectiva nos ajuda a compreender a virulência do ataque ao Brasil, visto por Washington como o elo mais fraco do enlace que os BRICS representam. E onde o governo Trump pode contar com uma extrema-direita delinquente, servil, corrupta, despida de qualquer compromisso com a soberania nacional. E que se vende para a extrema-direita mundial como alternativa de poder.

Os militares não estão ausentes ou indiferentes à crise. Até agora, sob o peso de um revés colhido pela adesão de vários oficiais superiores, sobretudo do exército, à aventura do clã Bolsonaro que os levou ao banco dos réus, mantêm-se em silêncio. Por enquanto. Um silêncio atento, digamos.

Imagine o leitor se o STF não tivesse autorizado as investigações da Polícia Federal, que identificaram um conjunto de informações ancorado no robusto elenco probatório de documentos e delações posteriormente apresentados à Corte pela Procuradoria Geral da República, que revelou de maneira irrefutável a participação de membros da alta cúpula das Forças Armadas na tentativa de golpe derrotada em 8 de janeiro? Como estaria se comportando o estamento militar?

Desde o final da segunda guerra mundial, quando 25 mil pracinhas lutaram contra o fascismo sob o comando do V Exército dos Estados Unidos, a camaradagem estabelecida entre os oficiais nos campos de batalha converteu-se numa colaboração cada vez mais estreita. Aprofundou-se até derivar, hoje, numa relação de dependência em todos os âmbitos: fornecimento de armas e equipamentos de comunicação, pesquisa, tecnologias avançadas, currículos para formação e disponibilização de vagas para oficiais brasileiros nas academias militares dos Estados Unidos. Todas essas linhas de colaboração se consolidaram em cadeias econômicas que operam há quase oitenta anos.

Com essa formação, o que se pode esperar da noção de soberania nacional da maioria dos oficiais brasileiros? Enquadrados ao longo de gerações nas concepções que deram fundamento à doutrina de Segurança Nacional que atribui às Forças Armadas de cada país latino-americano a tarefa principal de combater o “inimigo interno”, ou seja, seu próprio povo? Não deve causar espanto, portanto, que tenha sido abandonada, desde o golpe militar de 1964, a tradição nacionalista presente nas Forças Armadas brasileiras até os anos cinquenta.     

O sonho americano historicamente, para nós sempre significou um pesadelo. Hoje, o sonho americano é produzir pela força, uma viragem neocolonial no continente. A conversão de El Salvador num campo de concentração de imigrantes deportados, em pleno século XXI, os movimentos de ataque às economias e à soberania do Canadá, México, Panamá, Colômbia, Venezuela e Brasil, apontam para uma estratégia de recolonização do continente. Com o objetivo de submeter-nos para dispor dos nossos recursos naturais e humanos como reserva estratégica do império diante da expansão comercial e tecnológica da China.

        As repercussões internas que presenciamos na primeira semana de agosto, em particular no parlamento, refletem o quadro de dificuldades das forças de extrema-direita em lidar com o normal funcionamento das instituições democráticas. A truculência do ataque de Trump ao Brasil retirou o chão sob os pés dos governadores identificados com esse campo, sobretudo os postulantes ao pleito de 2026 para a Presidência da República.

Insistir na pauta da anistia dentro do parlamento por meio de atos de força acaba resultando, para os seus protagonistas, em mais desgaste do que acúmulo diante da sociedade. Afinal, anistia é um instrumento político utilizado para reparar quem foi condenado por lutar pela liberdade e não para assegurar a impunidade para uma milícia que, por meio de um golpe de estado fracassado, tentou nos impor uma ditadura.

Pedro Tierra é poeta, Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo e Militante da Resistência à ditadura (1964-1988) e ao neofascismo contemporâneo.

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