Portão de escola

Dr. Rosinha

No curto tempo que permaneci diante do portão de uma escola esperando que me viessem atender vi irresponsabilidade, criatividade, fantasia e cultura

Ilustração: Benett

1. Irresponsabilidade

Chegou um homem de aspecto jovem, de cerca de 35 anos de idade. Me cumprimentou e perguntou se o portão estava aberto, digo não, indico a campainha e falo:

– Aperte, quem sabe venham te atender.

Eu já havia tocado e, assim como ocorreu comigo, ninguém apareceu. Enquanto não era recebido dava umas curtas meias voltas e demonstrava nervosismo.

– Horas são?

– 12 horas e 50 minutos. Respondo.

– Nossa, dormi e não vim buscar meu filho. Só acordei quando a minha filha chegou. Ela estuda em outro colégio.

Nada comentei, mas se ele sabe ler feições, viu que a minha demonstrava alguma preocupação, pois fazia mais de uma hora que a aula do período da manhã tinha terminado. Para tentar acalmá-lo disse:

– Acho que ele não saiu, deve estar aí dentro.

Duas crianças que entrariam para a aula no período da tarde brincavam quando uma delas escorou no portão que abriu.

– Será que entro?

– Sim, entra, é bom saber se ele está.

Passados alguns minutos saiu com o filho. O menino estava de cara amarrada, ia na frente e sequer respondia ao pai que com ele tentava travar um diálogo.

No curto tempo em que o pude observar notei que a bermuda estava molhada entre as pernas indo até a barra à altura do joelho esquerdo.

Logo depois veio uma funcionária da escola fechar o portão. Com ela comentei sobre o homem. Resposta:

– Ele é alcoólatra, é sempre assim.

2. Criatividade e fantasia

Enquanto esperava observei a criatividade de uma das crianças, uma menina de cerca de sete anos de idade: encontrou um pedaço rígido de mangueira e com ele tentava pular corda.  Óbvio que não conseguiu. Em seguida, com o mesmo, tentou um bambolê e até deu para ensaiar alguns movimentos.

Criativa e fantasiosa: disse-me que estava sempre um dia na frente:

– Hoje, estou na aula de amanhã.

– Na verdade hoje é quinta-feira, certo? Perguntei.

Parou, pensou, demorou e fez que sim com a cabeça.

– Amanhã para mim será sexta, para você será sábado. Você vem na aula sábado?

– Sim, depois só na terça-feira.

3. Cultura e memória

No meu tempo de primeiro grau, talvez por ter estudado na zona rural, não havia a necessidade de plantar em casa mudas de arroz, feijão, milho, trigo, etc., para levar para a sala de aula.

Ao ver as crianças chegando na escola com brotos de feijão perguntei-me: será que as sementes foram plantadas pelo próprio aluno, com ou sem a ajuda de alguém, ou foi um adulto que plantou sem que a criança participasse?

De qualquer maneira estão ali os brotos nas mãos adentrando o portão. Fico  lamentando que não conseguirão ver o desenvolvimento da planta até a formação da vagem.

Anos atrás saí com uma sobrinha já adolescente que nasceu e cresceu na cidade. Convidei-a para visitarmos o sítio onde nossa família tinha morado, entre os quais a mãe dela e eu moramos por muitos anos.

Na época que ali vivemos a principal cultura era o café, cuja disposição dos pés era diferente das de hoje. As plantações antigas permitiam que entre as fileiras fossem plantadas outras espécies, arroz, feijão, milho, melão, melancia, quiabo, beringela e tantas outras coisas.

Enquanto caminhava ia mostrando algumas plantas rasteiras e arbustos e perguntando se conhecia. Para algumas as respostas eram positivas, outras não, como foi o caso de quiabo, abobrinha de árvore e a rasteira, melancia, melão e caxi.

Você já comeu caxi?

Você já viu a flor do quiabo?

Dr. Rosinha é Médico, ex-deputado federal, funcionário do Ministério da Saúde.

Via Jornal Plural

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