Tarifaço, Empregos e a Resposta das Centrais Sindicais no Brasil

Clemente Ganz Lúcio

São extremamente graves os desdobramentos da guerra comercial e política desencadeada pelo governo dos Estados Unidos contra o Brasil e o mundo. A economia, a soberania, a democracia e as instituições continuarão sendo violentamente atacadas, com a humilhação e a submissão regendo as relações diplomáticas de um governo que se apresenta abertamente como império. Tornou-se normal o uso da força, em todas as suas formas, para impor projetos, visão de mundo, vontades e interesses. Devemos superar a perplexidade e a indignação e investir para criar iniciativas inovadoras que abram novos horizontes econômicos, sociais, políticos e culturais, aqui em nosso país e em nossas relações multilaterais.

Foto: Reprodução

O tarifaço atinge o Brasil em um contexto de retomada dos investimentos produtivos, públicos e privados, de fortalecimento do sistema produtivo, de industrialização e de melhoria do mercado de trabalho, com paradigmas para estruturar uma economia socioambientalmente sustentável. Com o tarifaço criou-se um cenário de incerteza para governos, empresas, trabalhadores e sindicatos. Nosso desafio é agir, analisando a situação e construindo caminhos para avançar em nosso projeto de país, articulando convergências de interesses e promovendo entendimentos em torno de projetos e estratégias que ampliem nossas relações comerciais e a capacidade econômica de investimento para agregar valor, incrementar a produtividade do trabalho, gerar empregos de qualidade, aumentar os salários, fortalecer a democracia e suas instituições, promover a paz e a qualidade de vida para todas nas pessoas.

As Centrais Sindicais tomaram iniciativas para posicionar o sindicalismo na proteção da soberania do país, da economia e dos empregos. O DIEESE[1] produziu projeções sobre os impactos do tarifaço sobre os empregos e as campanhas salariais deste semestre e as Centrais Sindicais apresentaram uma agenda de propostas para proteger o emprego e a produção nacional. Este artigo reúne alguns dos dados e sistematiza a resposta sindical.

Dimensão do Impacto Econômico e Social

O DIEESE estimou o impacto negativo amplo das tarifas sobre a economia e os empregos no país, caso nenhuma medida fosse adotada. As simulações indicam que o tarifaço, já considerando a lista de exceções, tem um potencial de redução das exportações brasileiras para os EUA, se nada fosse feito, que poderia gerar a perda de até 726 mil postos de trabalho em apenas um ano, considerando postos de trabalho diretos, indiretos e induzidos pela queda da renda. Neste caso o PIB teria queda de 0,36%, a massa salarial recuaria R$ 14,33 bilhões e a arrecadação de impostos sofreria retração de R$ 11,01 bilhões. Previdência e FGTS perderiam cerca de R$ 3,31 bilhões em contribuições.

A distribuição setorial potencial das perdas mostra concentração no setor de serviços com 241 mil postos de trabalho; indústria de transformação com 215 mil postos (com destaque para metalurgia, alimentos, madeira, químicos, vestuário e calçados); comércio com 142 mil postos; a agropecuária com 103 mil postos e demais setores 24 mil postos.

A guerra tarifária atinge cadeias com alto peso na economia e no emprego, como:

  • Café – 34% do consumo norte-americano é brasileiro; concorrentes como Colômbia e Vietnã se beneficiam de tarifas menores.
  • Carne bovina – Tarifa efetiva de até 76,4% pode reduzir em US$ 1 bilhão as exportações (400 mil toneladas), com forte impacto na pecuária e no processamento.
  • Pesca – cerca de 70% do pescado era destinado ao EUA.
  • Frutas – Manga, uva e processados representam 90% da pauta exportadora; risco de desemprego sazonal em regiões produtoras, com perdas de cerca de 12% do faturamento do setor.
  • Celulose e papel – Embora a celulose tenha ficado de fora, o setor florestal (madeira e painéis) já registra cancelamentos e ameaça de paralisações. Setor de embalagens sofre impacto indireto.
  • Máquinas e equipamentos – 25% da produção exportada vai para os EUA; produtos altamente específicos, de difícil redirecionamento.
  • Siderurgia – Exporta 3,4 milhões de toneladas de placas de aço para os EUA, já taxadas em 50%.
  • Químicos – Exporta US$ 2.4 bilhões e cadeias de suprimento já sofrem cancelamentos.
  • Eletroeletrônicos – representam 29% das exportações nacionais.
  • Autopeças – Altamente dependente do mercado americano, enfrenta tarifas de 25% a 50%, com exportações em queda.

Negociações Coletivas sob Pressão

Segundo o DIEESE, 3.075 empresas exportadoras para os EUA possuem negociações coletivas diretas neste segundo semestre com 1.459 sindicatos de trabalhadores. A maior concentração está no Sudeste (1.286 empresas), sobretudo em São Paulo (1.005), mas também há forte presença no Sul (614) e no Nordeste (186). O painel indica 1.933 instrumentos coletivos celebrados em 2024 (acordos e convenções coletivas) no setor industrial, 175 no setor de serviços, 93 no setor rural e 68 no comércio.

As consequências para a negociação coletiva incluem a pressão patronal por moderação salarial diante da queda nas exportações e impactos em cláusulas sociais. Há os impactos sobre os empregos e a aplicação de medidas para evitar demissões (férias coletivas, o layoff – a suspensão temporária do contrato de trabalho, entre outros) .

Resposta Sindical: Propostas das Centrais

Recentemente as Centrais Sindicais divulgaram um documento conjunto intitulado “Propostas das Centrais diante da Guerra Comercial: Soberania, Emprego e Desenvolvimento”, que estrutura uma agenda estratégica para enfrentar a crise, onde se destacam:

1. A defesa da produção nacional, propondo:

  • Fortalecimento de medidas antidumping e salvaguardas comerciais.
  • Expansão dos investimentos da Nova Indústria Brasil (NIB), com foco em inovação, sustentabilidade e conteúdo local.
  • Reforço do papel do BNDES e dos bancos públicos como indutores do investimento produtivo.
  • Revisão da Lei de Patentes e estímulo à produção nacional em setores estratégicos como semicondutores, IA, biotecnologia e hidrogênio verde.

2. A proteção do emprego e da renda, propondo:

  • Recriação do Programa de Proteção do Emprego, com fundos de compensação e programas de transição para trabalhadores.
  • Programas de qualificação e requalificação profissional articulados a um sistema nacional de intermediação de mão de obra.

3. O fortalecimento da negociação coletiva e participação sindical, propondo:

  • Fortalecimento da organização sindical e cláusulas de proteção ao emprego em acordos coletivos.
  • Participação dos trabalhadores na formulação das políticas industrial, cambial, comercial e tecnológica.

4. A institucionalização do diálogo social, propondo:

  • Criação de câmaras setoriais tripartites e fortalecimento de instâncias como o CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável  e o CNDI – Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável.
  • Inclusão efetiva das centrais sindicais na definição da política comercial externa.

5. Transição ecológica justa e a nova estratégia comercial externa, propondo:

  • Implementação do plano nacional de transição ecológica com geração de empregos verdes.
  • Estímulo à bioeconomia na Amazônia e à economia circular.
  • Diversificação de mercados e fortalecimento da cooperação Sul-Sul.
  • Revisão de acordos internacionais prejudiciais à indústria nacional.

O tarifaço norte-americano é expressão de uma disputa global por hegemonia econômica e tecnológica, mas seus efeitos recaem diretamente sobre os trabalhadores brasileiros. A ameaça de perda de empregos, queda da renda e fragilização das negociações coletivas exige uma resposta firme. As respostas já anunciadas pelo Governo Federal[i], bem como a continua iniciativa do governo, combinada com a representação empresarial, para negociar as regras comerciais e os esforços para abrir novos mercados estão corretas e vão ao encontro das propostas acima. A diretriz de preservar os empregos, em cada contexto específico das empresas afetadas, também atendem o pleito apresentado, abrindo a tarefa de qualificar para cada situação as negociações coletivas e a atuação dos sindicatos.

O desafio do Brasil é transformar essa crise em oportunidade para avançar na construção de um projeto de desenvolvimento soberano, inovador e inclusivo, que coloque o trabalho no centro da estratégia nacional.

Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

Via RED

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