A sociologia do trabalho reconhece que em tempos de crise econômica, com inflação e desemprego em alta, as lutas sindicais se arrefecem. Em contrapartida a recíproca é verdadeira.
FREDERICO LISBÔA ROMÃO
Em períodos de aquecimento ou estabilidade econômica, os sindicatos readquirem poder de fogo. Esses movimentos não ocorrem mecanicamente, são processuais, cabe às lideranças dos trabalhadores construírem caminhos e saídas alternativas. Parafraseando Marx, pode-se afirmar que os dois movimentos: de ascenso e descenso – tratam de tendências, não necessariamente algo inexorável.
O governo Lula, não obstante as limitações, têm aberto um cenário novo para os movimentos sociais. Fundamentalmente por dois motivos. Em primeiro lugar, por descriminalizar as lutas sociais, permitindo que o dissenso aflore no espaço público. Em segundo lugar, por sua política econômica que, apesar das fortes limitações do período “palociano”, conseguiu reduzir a inflação, criando novos posto de trabalho.
Diferentemente da Era FHC, os movimentos sociais possuem, via governo, canais de mediação com o Estado brasileiro. Seja de forma institucional, nas diversas conferências e espaços assemelhados, seja nas suas lutas de ação direta, como bem faz o MST. As disputas ocorrem sem a brutal repressão da era neoliberal, cuja greve dos petroleiros em 1995 foi o maior exemplo.
A criação de novos postos de trabalho e uma taxa de inflação acumulada em 2006 de apenas 2,8% (DIEESE, 2006) criam um cenário favorável à retomada das lutas sindicais. Todavia é imperioso haver uma mudança de posição por parte do movimento sindical. Nos anos de inflação alta, o elemento mobilizador fundamental era a busca pela recomposição salarial nas datas-base, meta nem sempre alcançada. Com os Índices de Custo de Vida em baixa é preciso politizar a ação sindical, atuando-se conjuntamente em duas frentes.
Em primeiro plano é necessário que as campanhas salariais deixem de circunscrever a simples busca pela recomposição anual do poder de compra dos salários. Isso se torna imperioso por dois motivos. Por um lado, a queda da inflação reduz os índices de recomposições anuais, esse fato por sua vez, reduz o poder mobilizador dos reajustes salariais como ocorria nos tempos de inflação alta. Por outro lado, nos anos 90 (Era FHC), houve agudização das desigualdades sociais, com redução da participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional em 9,5%, ao passo que cresceu a participação do lucro empresarial na renda nacional por volta de 8% (DIEESE, 2006). Logo, a simples recomposição anual não zera o passivo herdado; é preciso conquistar índices salariais que, ao fim e ao cabo, permitam destinar ao trabalho maiores parcelas da renda nacional.
Em segundo lugar, é sobremaneira importante que os trabalhadores saibam aproveitar o momento favorável, para avançar em questões estruturantes, no que diz respeito às relações sindicais e trabalhistas. Apesar dos inegáveis avanços conquistados, oriundos das lutas históricas desenvolvidas em fins dos anos setenta e por toda década de oitenta, ainda são muitas as insuficiências com as quais a classe trabalhadora se defronta no seu fazer-se diário, mormente nos aspectos referentes a sua organização e direitos. Mesmo porque a década de noventa assistiu a uma brutal desconstrução dos direitos e interesses da classe. Direitos e categorias inteiras foram destroçados, a exemplo dos bancários.
Questões como: direito à organização por local de trabalho (OLT); rígida regulamentação visando a redução das horas extras; redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais; fim das contribuições compulsorias; jornadas de 6 horas sem redução de salário, para o regime de revezamento de turno; criminalização do não cumprimento dos direitos trabalhistas, são bandeiras que precisam, urgentemente, serem colocados na ordem do dia nas campanhas salariais.
Estão estabelecidas portanto, duas frentes de batalha. Um primeira visando a fazer crescer a participação do trabalho na renda nacional, que possui uma abrangência para além dos elementos econômicos, haja vista que contribui também para reduzir a desigualdade social. Uma segunda frente busca construir e normatizar elementos estruturantes fundamentais a ampliação da luta da classe. A primeira situa-se mais fortemente nos enfrentamentos de ação direta a segunda precisa igualmente de ações políticas envolvendo o legislativo, executivo e judiciário.
Faz-se necessário politizar o discurso no mundo do trabalho, visando a fazer com que os trabalhadores compreendam a importância de agirem para além das reivindicações econômicas imediatas. Na atualidade, estão dadas as condições para que se rompa definitivamente com o sindicalismo de Estado (Boito, 1991), elevando as lutas sindicais para um patamar superior.
Frederico Romão é Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. e-mail: fredericoromao@uol.com.br
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