Chico Louça fala sobre sua atual agenda política em Portugal e na Europa.
O crescimento da esquerda em Portugal ficou evidente depois das eleições ocorridas em fevereiro. O Bloco de Esquerda, que tinha 3 cadeiras, passou a 8, e ficou em terceiro lugar nas principais cidades. Líder do Bloco, Chico Louçã esteve no Brasil e, nessa entrevista, analisa a situação política de Portugal, mostrando a diferenciação do Bloco em relação ao Partido Socialista. Louçã fala também da luta contra a Constituição Européia, que consolida políticas liberais. “A Constituição ficará numa situação muito difícil se a França ou outro grande país rejeitar o tratado”, afirmou.
A esquerda mais forte em Portugal
As eleições que aconteceram em Portugal em fevereiro deste ano confirmaram a tendência de crescimento da esquerda. O Bloco de Esquerda alcançou 6,5% da votação, e ficou em terceiro lugar nas principais cidades, atrás apenas do principal partido da direita e do Partido Socialista, que venceu as eleições e voltou ao poder. Um dos líderes desse crescimento foi Chico Louçã, eleito novamente deputado pelo Bloco. Louçã esteve no Brasil para acompanhar a Conferência Extraordinária da Democracia Socialista e, nessa entrevista, comenta o crescimento da esquerda em Portugal, fala sobre a Constituição
Européia, e analisa a polarização com o Partido Socialista.
Como você resumiria hoje o cenário político europeu?
A política européia está muito marcada por duas questões, uma social e uma política. A questão social é que a Europa viveu uma recessão econômica muito forte em 2003 e 2004, e a recuperação é muito lenta e desequilibrada. Houve um problema muito grave de desemprego no mesmo momento em que as políticas liberais dos principais governos europeus tendem a reduzir a proteção social, e em que a transformação tecnológica torna esse desemprego permanente. Soma-se a isso o problema relacionado à população imigrante ilegal, que vem dos países do leste, da África e da América Latina, trabalhadores muito explorados, utilizados para reduzir o custo da mão-de-obra por conta da situação de ilegalidade em que se encontram.
Há depois um problema político, que é a Constituição Européia. É uma Constituição que não foi elaborada por meio de um processo constituinte, mas por uma comissão nomeada pelos governos, e que tem, portanto, um enorme déficit democrático. Ela procura condensar todos os tratados anteriores da União Européia, blindando do ponto de vista constitucional as políticas liberais e determinando, por exemplo, a autonomia do Banco Central europeu e a prioridade ao combate à inflação, em prejuízo do crescimento, do desenvolvimento e do emprego.
Nesse cenário, a França é o primeiro país que acena com a possibilidade de votar “Não” à Constituição. Há realmente a possibilidade de derrotar o texto?
Eu estive há poucos dias num comício na França organizado pela LCR, com representantes da Fundação Comunista Italiana, da Fundação Copérnico, de vários partidos. Dias depois realizou-se um comício conjunto do Partido Comunista, da LCR, da esquerda socialista – que no partido socialista francês defende o Não, e é quase metade do Partido Socialista – e o que encontrei foi uma rede num debate muito politizado e muito informado, em que o Não “à esquerda” consegue tornar-se dominante na sociedade. As sondagens indicam uma possibilidade da vitória do Não, mas isso veremos no final do mês (o referendo está previsto para 29 de maio).
De fato, a França é o primeiro país, mas outros podem vir a recusar também, como a Inglaterra e a Dinamarca. A Constituição Européia ficará numa situação muito difícil se a França ou outro grande país rejeitar o tratado.
Em Portugal, esse referendo será em outubro. Como você avalia o quadro lá?
Em Portugal, é provável que o Sim à constituição possa vencer, tal qual noutros países europeus que aderiram mais recentemente. Portugal aderiu em 1986, como a Espanha, e como era um país mais pobre, beneficiou-se muito de subsídios financeiros e de apoios que criaram uma visão de uma Europa amiga. Para grande parte da população portuguesa, a Europa foi vista como uma etapa da modernização de um país que acabava de sair de uma ditadura, e portanto como consolidação da democracia também.
Apesar de tudo, as opiniões críticas crescem bastante no movimento sindical, porque os direitos dos trabalhadores não são reconhecidos. A Constituição Européia não dá um texto constitucional ao direito à greve, desvaloriza a contratação coletiva, tem uma visão muito liberal e anti-contratualista do ponto de vista dos direitos.
Em Portugal, o Bloco de Esquerda conseguiu ocupar um espaço importante a partir das últimas eleições, com cerca de 6,5% dos votos, chegando a 10% nas grandes cidades. Em que contexto se deu esse crescimento?
A eleição legislativa, da qual decorre o governo, ocorreu em 20 de fevereiro, e se deu depois de três anos de um governo de extrema direita, muito liberal e agressivo em relação ao movimento popular. O contexto político das eleições era saber se haveria situacionismo ou mudança em relação a esse governo, o que motivou um forte debate político sobre orientação. Aliás, houve uma greve geral do movimento sindical, o que não havia em Portugal desde 1983. A conseqüência foi que a direita perdeu as eleições e o Partido Socialista ganhou.
A esquerda em Portugal tem três grandes correntes: o velho Partido Comunista, que representa a história do movimento popular em Portugal, o Bloco de Esquerda, hoje segunda força na esquerda, e o Partido Socialista, que é o partido do governo. Esse é um partido que tem uma política liberal do ponto de vista econômico, algumas políticas sociais em relação à pobreza e à exclusão e que, nas questões políticas, alterna posições com mais convergência à direita ou à esquerda. O Bloco de Esquerda teve 6,5%, com votação expressiva nas capitais e nas cidades mais importantes. Foi o terceiro partido em votação jovem e, além disso, contou com uma votação popular muito forte. O Bloco de Esquerda tinha três deputados, passou a ter oito deputados. Assim, ficou expressa uma mudança no campo político da esquerda em Portugal.
Como tem sido possível demarcar uma posição de esquerda frente a um partido socialista que adotou uma política liberal, como você descreveu?
Isso evidentemente é uma questão tática. O Bloco construiu uma polarização forte, porque teve uma intervenção enérgica contra o governo de direita, e durante essa intervenção promoveu sempre a convergência da esquerda, ou seja, a unidade na luta contra as medidas liberais do governo.
Em particular, durante esse período, houve a guerra do Iraque, e o governo português foi um dos grandes apoiadores. O Bloco promoveu uma coligação de toda a esquerda, e até de centro e de direita, dos que eram contra a guerra, e ganhou protagonismo, tanto na política social e econômica como na questão da luta contra a guerra. Isso permitiu-nos chegar no período eleitoral e afi rmar que a escolha do eleitor de esquerda era entre o Partido Socialista e suas propostas pró-governo ou as propostas que o Bloco fazia.
Hoje Portugal tem cerca de 10% de desempregados, mas é um desemprego de longa duração. Além disso, o país tem alta taxa de emprego precário, ou seja, de emprego que não é contratualizado, que depende de recibo mensal, de contratos de curto prazo. Neste momento, talvez apenas dois de cada cinco trabalhadores portugueses tenham contrato efetivo.
Apresentamos então um programa de 17 medidas sobre emprego e formação profi ssional, incluindo programas de ocupação para o desempregado de longa duração e a introdução da questão de gênero na política de emprego. Tudo isso com calendário e orçamento rigorosos, o que permitia perceber que a escolha era entre a política ambígua e indefinida do Partido Socialista ou uma política combativa, concreta, muito alternativa e positiva.
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