Nova tendencia. Tarefas deste novo momento demandam articulação e elaboração teórica.
GILBERTO NEVES, GILMAR MACHADO e RICARDO DUARTE
“Este é tempo de partido,
Tempo de homens partidos”
(Carlos Drummond de Andrade)
O verso drummondiano sintetiza o tempo vivido pela esquerda mundial, e se encaixa melhor ainda ao PT. A imagem do petista preso com notas de dólares escondidas sob a cueca ilustra estarrecedoramente a nossa fragmentação. Não tanto pelo insólito moral da situação, mas pelo significado: um solitário petista encarnando o vexame nacional de um partido inteiro! Já o ex-tesoureiro do PT representou o “herói” que assume sozinho a culpa. Não no sentido de salvaguardar o partido, mas o grupo dos “mui amigos”. Como não condensavam os ideais do petismo, estes episódios produziram agudo estranhamento na base partidária.
Outro momento de nosso PT partido aparece na relação com o governo Lula. Exemplo: o PT defendeu a manutenção da verticalização, mas o presidente fez o que interessava às suas pretensões na busca de alianças para a reeleição. O desvelo autocrático legitima em escala máxima a personalização da política que graça no interior do PT, jogando lenha na fogueira dos interesses particulares.
A dinâmica partidária também revela a fragmentação. A “lógica das tendências” foi suplantada pelo paralelismo de poder, da corrente majoritária e dos detentores de poder. A totalidade partidária foi sucumbida às particularidades. A vontade de um ou de poucos se impõe aos coletivos.
O esgarçamento das tendências nacionais, a pulverização de grupos regionais e a aglutinação em mandatos parlamentares são partes cindidas dessa mixórdia geral. Na ausência de uma força centrífuga (ideológica), os elementos partidários vão se distanciando entre si. A sobrevivência política sob tal pressão dispersora busca a tábua de “salvação” no pragmatismo. É da natureza do pragmatismo a acomodação política ao estabelecido, tanto nas opções de governo (rebaixando o programa) como no exercício de poder (praticando o fisiologismo). A assimilação consciente de elementos do fisiologismo oligárquico pelo PT, em função da governabilidade de maioria congressual com a direita, assim como a opção do governo Lula pela manutenção de parâmetros neoliberais na condução da política econômica, emerge desse pragmatismo que se impôs ao partido com sua hegemonia de valores.
Superar a crise e ousar
A crise do partido e o curso do governo Lula são frutos da “nova” cultura política, em razão da fragilização ideológica do PT e da própria esquerda. Essa fragilidade ideológica é parte dos escombros do “muro de Berlim”, que caiu sobre todos nós. Embora nem toda a esquerda concorde, os efeitos da falência do “socialismo real” trouxeram-nos ao “mensalão”. Ganha assim relevância a proposta da Democracia Socialista (DS) de organizar uma “nova tendência” no PT, na defesa de seu caráter transformador. O resultado do PED e a nova conformação de forças no partido foi um alento da militância para um curso do PT à esquerda. É necessária a união de forças na direção e nos encontros vindouros. Mas a mera fusão de grupos e de pessoas é insuficiente. É preciso um vigoroso “movimento cultural” refundador do PT e da esquerda, que resgate o debate teórico.
Para isso, uma “nova tendência” necessita de visão larga, de sentido inovador do pensamento de esquerda. Ela deve ser capaz de responder às necessidades históricas atuais. Quem tem medo da refundação associa essa proposta à social-democracia. Queremos refundar o ideário socialista, a utopia da comunidade de indivíduos livres. Mas com a coragem de renovar o marxismo e dialogar com outros pensamentos para uma intervenção teórica na realidade produzida sob a globalização neoliberal e a revolução tecnológica, construindo um projeto capaz de mudar o presente com os constrangimentos e desafios atuais.
A DS pode vir a ser o catalisador dessa inovação, ampliando sua força política. Existem indicadores disto: as contribuições sobre a questão democrática, de gênero e de raça; o orçamento participativo como controle social do Estado, a inserção nos movimentos sociais e a crítica às alianças fisiológicas. A DS expressou em dois textos recentes uma clara disposição de abertura da “nova tendência”. Propõe-se a rediscutir o seu vínculo com a IV Internacional, mantendo laços de identidade, mas recolocando o internacionalismo num novo cenário político; e a buscar sínteses da “nova tendência” na pluralidade de contribuições teóricas de esquerda.
Nessa ótica de construção da “nova tendência”, a Alternativa Socialista (Minas Gerais) deseja participar. Defendemos a construção estratégica do PT enquanto partido do socialismo democrático. Queremos fazer parte deste esforço conjunto, integrando na dinâmica de articulação dos encontros vindouros, da formação da tendência e do movimento pela refundação do PT.
Eleições 2006
No processo preparatório das eleições 2006, teremos definições importantes para a disputa de rumos do PT e do governo Lula: balanço e o programa de governo, a política econômica, a política de alianças e a nossa crise ético-moral. Para contribuir com as reflexões, apontamos algumas questões que carecem de aprofundamento:
1. A continuidade de parâmetros neoliberais na política econômica do governo Lula se explica apenas pela opção por um partido de viés eleitoral afeito ao “melhorismo social”? Temos propostas capazes de operar estabilidade econômica, reformas estruturais, rupturas na ordem e governabilidade? Embora não se igualando ao conservadorismo do governo Lula, os governos progressistas da América Latina não romperam com as práticas neoliberais. Não há aí indicações de constrangimentos reais, a serem superados com algum realismo (sem pragmatismo nem bravatas)?
2. O programa de governo do PT deve conter uma política econômica distinta da atual: anti-neoliberal, não monetarista nem de “livre mercado”. Mas não estão claros os elementos de uma política econômica de esquerda. Metas de inflação e superávit fiscal são apenas dogmas liberais? Em vez de uma convivência “acomodada”, não seria o caso de formular estas questões sob um programa de esquerda?
3. As possibilidades históricas do PT guardam profunda relação com as eleições 2006. Uma derrota do PT terá forte efeito desagregador. Pior ainda se o PT entrar neste processo sem prestar contas de sua crise ético-moral. Não podemos agir como avestruzes ou nos contentarmos com pesquisas eleitorais animadoras. Há três aspectos a responder: 1) a explicação do PT sobre as causas da crise; 2) a responsabilização ético-política dos envolvidos (foi tudo coisa de um “delinqüente”?); e 3) a formulação de um novo código ético do PT no trato com a coisa pública.
Gilberto Neves é membro do Diretório Nacional do PT; Gilmar Machado é deputado federal (PT-MG) e Ricardo Duarte é deputado estadual (PT-MG). Todos são integrantes da tendência Alternativa Socialista.
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