Notícias
Home / Temas / Brasil / A qualidade no centro de uma nova agenda educacional

A qualidade no centro de uma nova agenda educacional

A qualidade no centro de uma nova agenda educacionalPor Clarissa Alves da Cunha e Estevão Cruz *

O povo brasileiro, o movimento educacional e, em particular, os estudantes terminaram a semana passada com a chama da esperança reacendida. Apesar de pouco noticiada pelos grandes monopólios da comunicação, o veto parcial à Lei dos Royalties, feito pela Presidenta Dilma, foi motivo de muita comemoração. Isso porque, associado ao veto parcial, a Presidenta enviou ao Congresso Nacional uma MP que garante a destinação de 100% dos royalties do Petróleo oriundos de novos contratos de exploração e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

A medida corresponde ao anseio pela garantia do investimento equivalente a 10% do PIB para a educação pública, batalha incansavelmente travada pelo movimento educacional há várias décadas e intensificada após a Conferência Nacional de Educação 2010 (CONAE 2010) e durante a tramitação do novo Plano Nacional de Educação (PNE).

Apesar de ser razão mais do que suficiente para comemorar, não é hora para descansos. Pelo contrário, é preciso manter a mobilização até que a MP e o PNE sejam definitivamente aprovados pelo Congresso Nacional. É necessário estarmos atentos, principalmente, a duas questões: 1) para a aprovação da MP será fundamental o apoio das bancadas de todos os estados e, nesse sentido, devemos procurar os representantes dos estados não produtores de petróleo que terão a receita prevista diminuída, uma vez que pela MP as novas regras valerão apenas para os novos contratos. Sem o apoio dessas bancadas, enfrentaremos uma dura batalha até a aprovação final; 2) a MP fala da destinação dos recursos para a educação, mas deixa em aberto a questão do investimento público direto (educação pública) ou total (educação pública e transferências para o privado). Essa brecha dá margens para que, durante a discussão do PNE no Senado, o texto da meta 20 – que garante o equivalente a 10% do PIB para a educação pública – seja alterado, configurando a possibilidade de um recuo lamentável e trágico para a educação pública.

Nesse sentido, a conquista da última sexta-feira deve ser propagandeada por todos os lados e a mobilização nacional e nos estados devem se manter firmes. Só assim a esperança poderá se traduzir concretamente em mais uma vitória alcançada pela força das nossas lutas.

Novos rumos para o debate educacional

A confirmação da vitória na luta travada pela ampliação do financiamento da educação pública poderá abrir novos horizontes para pautas que estão bloqueadas pela ausência de investimentos ou pela priorização do debate em torno do financiamento. Essas pautas estão, sobretudo, relacionadas com a discussão sobre a qualidade da educação. Temos nitidez de que ao alcançarmos a ampliação dos recursos teremos mais e melhores condições para trazer o tema da qualidade para o centro da agenda educacional.

Alguns elementos da conjuntura educacional tornam essa afirmação muito próxima da realidade. Em primeiro lugar, desde a CONAE 2010 e durante todo o debate sobre o novo PNE a discussão política sobre o financiamento, amplamente fundamentada pelos estudos técnicos, realizados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, esteve atrelada ao aumento dos níveis de qualidade da educação pública no Brasil. Com o investimento equivalente a 10% do PIB para educação, será possível manter a expansão das etapas, níveis e modalidades, garantindo a necessária qualidade do ensino público, referenciada pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi).

Em segundo lugar, as recentes e vigorosas mobilizações realizadas pelo movimento educacional – greves e paralisações da educação superior pública e privada, e dos professores da educação básica – engendraram um caldo fértil para novas conquistas e evidenciaram a necessidade de maior atenção em relação à qualidade da educação, vista pela ótica do combate à precarização, mas, sobretudo, pela afirmação de um modelo democrático para a educação pública.

Em terceiro lugar, o lançamento da CONAE 2014 em meio a essa conjuntura ofensiva do movimento educacional abre espaço para a consolidação dessas lutas. Não por acaso, o tema da qualidade da educação será um dos eixos das discussões. Aliás, esse será o eixo coordenado pela UNE, juntamente com a Associação Nacional dos Pesquisadores e Pós-graduandos em Educação (ANPED). Nos moldes em que será debatido, isto é, associando as questões relativas à democratização do acesso, à permanência, à participação, à avaliação e às condições de aprendizagem, o tema da qualidade da educação será nutrido por uma concepção progressista que nos permitirá avançar no sentido de uma educação emancipadora.

A combinação, portanto, desses elementos na conjuntura educacional possibilitará a abertura de um novo ciclo de políticas públicas na educação superior, em sintonia com o aprofundamento do processo de revolução democrática que vivemos no país. Articuladas sob o guarda-chuva da qualidade e com a garantia de financiamento para a educação pública, três agendas são fundamentais e a UNE deve se debruçar sobre elas durante o 14o Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB).

Sem hierarquizar as prioridades, uma primeira agenda a ser retomada tem a ver com a regulamentação do setor privado. Esse tema foi marginalizado durante os últimos anos e a correlação de forças continua sendo desfavorável no Congresso Nacional. Com isso, algumas movimentações dos tubarões do ensino preocupam e exigem mobilizações para além das paralizações nas universidades particulares. A discussão sobre o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (INSAES), no Congresso Nacional, está se dando sob forte lobby dos grupos econômicos que estão por trás das principais universidades particulares do Brasil, no sentido de garantir maior concentração do mercado. A nossa pressão, portanto, deve incidir contrariamente a essa tendência monopolizante e desnacionalizante imposta pelos grande grupos econômicos, além de determinar nitidamente os parâmetros de qualidade que devem ser assegurados nessas universidades.

Uma segunda agenda a ser retomada é a da democratização das estruturas decisórias das universidades, remanescentes do período da ditadura militar e do auge do projeto neoliberal para a educação. Por meio das bandeiras da paridade nas eleições para a direção e para a composição dos órgãos colegiados e do respeito à liste tríplice, é possível construir uma ampla campanha que discuta e transforme a atual configuração organizativa centralizada e autoritária presente na maior parte das universidades.

Uma terceira agenda a ser anunciada pode ser a de um novo plano de reestruturação e expansão do ensino superior. Do ponto de vista da reestruturação, muito pouco foi feito por meio do REUNI. É necessário retomar as discussões sobre os currículos, sobre a interdisciplinaridade, sobre o papel da pesquisa e da extensão na produção e socialização do conhecimento, sobre o caráter transformador da própria produção acadêmica. Além, é claro, do que já foi dito sobre a reestruturação político-organizativa das universidades. E do ponto de vista da expansão, apesar dos importantes avanços dos últimos anos, há muito caminho ainda para percorrermos até atingirmos um padrão de massas na universidade pública. O próprio PNE, em discussão no Senado, apresenta uma meta de expansão (ainda que tímida) possível de ser realizada com um novo patamar de financiamento. Nesse sentido, é fundamental estruturar para os próximos 10 anos uma expansão planejada em torno da ampliação vigorosa do acesso, da garantia de quadro técnico e de professores e de infra-estrutura física, além de períodos de acomodação. Uma comissão composta pelo MEC, ANDIFES e pelos estudantes e instalada a partir do vitoriosa política da UNE durante a greve produzirá um amplo balanço da atual situação das universidades e do tamanho dos desafios que poderá auxiliar na construção de um novo plano como esse.

Como se vê, essas três agendas guardam profunda relação com a atualização do Projeto de Reforma Universitária da UNE, a ser discutida no 14o CONEB, e podem posicionar a entidade e o movimento estudantil na vanguarda das lutas educacionais a serem travadas no próximo período.

*  Clarissa Alves da Cunha é Vice-Presidenta da UNE e militante da Kizomba.
* Estevão Cruz é diretor de Políticas Educionais da UNE, representante da entidade no Fórum Nacional de Educação e militante da Kizomba.

Veja também

Nota da CEN do PT: Bolsonaro e sua quadrilha têm de pagar por seus crimes contra o Brasil

O indiciamento de Jair Bolsonaro e sua organização criminosa abre caminho para que todos venham …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comente com o Facebook