Diante das disputas de conceitos sociais básicos e basilares da história ocidental promovidas pelo avanço da extrema-direita, bem como a necessidade de reafirmação dos direitos conquistados e das lutas sociais empenhadas pela conquista da cidadania, este texto tem o objetivo de abrir caminhos de debate em relação a afirmação da cidadania frente ao totalitarismo neoliberal que age no sentido de capturar os construtos culturais e sociais enquanto que busca colocar por terra o conceito de Estado.
Por óbvio que os conceitos de cidadania e de democracia sempre estiveram em disputa. No entanto, na sua gênese, é possível verificar que cidadania está intimamente relacionada à democracia grega. Naquele período histórico, de estreia da democracia participativa no ocidente, os cidadãos atenienses eram chamados a debater os rumos da pólis na Ágora. No entanto, o que pouco se fala é que na Grécia Antiga o conceito de cidadania era algo restrito, quer dizer, os cidadãos, aqueles que detinham o direito de falar e de votar, eram apenas os homens maiores de 21 anos, nascidos em Atenas, ou seja, a minoria daquela sociedade.
Embora excludente, tendo em vista que mulheres, estrangeiros, escravos e homens com menos de 21 anos de idade não eram considerados cidadãos, o conceito de cidadania compunha valor inestimável àquela sociedade. Por conta disso, podemos afirmar que, já na Grécia Antiga, o conceito de cidadania está imbricado à concepção de direito político. Isto é, os cidadãos atenienses detinham o direito de fazer política e definir os rumos da sociedade em que viviam.
Na concepção etimológica, a palavra cidadania advém da palavra latina civitas que significa conjunto de direitos atribuídos ao cidadão ou à cidade. Quer dizer, no fundamento da etimologia, o conceito de cidadania vai para além da compreensão de cidadania enquanto direito político, mas sim de cidadania enquanto um conjunto de direitos pertencentes ao cidadão. Sendo assim, passa a ser possível afirmar que cidadania é, portanto, o direito de ter direitos. Logo, ter cidadania vai além de se ter direitos políticos, mas também, ou melhor, sobretudo de se ter direitos políticos e sociais garantidos e afirmados.
A questão que se impõe, assim sendo, é: no Brasil, quem é cidadão?
Ora, o debate que se faz no Brasil, tendo em vista a Constituição Federal de 1988, é que cidadãos são todas as pessoas nascidas no Brasil ou naturalizadas brasileiras, afinal são sujeitos de direitos. Sendo assim, a cidadania brasileira é condição às mulheres, aos homens, às pessoas não binárias, às crianças, aos idosos, aos pobres, aos ricos, etc., nascidas ou naturalizadas brasileiras e que têm, por isso, o direito de participar da vida política e de ter acesso às políticas públicas.
Por conta disso, o Estado brasileiro, pensado pelos Constituintes, ainda que muito longe de ser justo e igualitário, abre caminhos para a consecução deste tratado. Assim, um Estado forte, capaz de garantir os direitos aos detentores da cidadania e seu acesso às políticas públicas, se faz necessário.
Por outro lado, levando em consideração o fato de que o conceito de cidadania sempre esteve em disputa, ao passo que tem em sua gênese o preceito da exclusão – quer dizer, um conceito que carrega em si a condição de afirmar quem está fora do elaborado – muito mais carregado do que o da própria inclusão, é possível encontrar os pensamentos relacionados a classificação de cidadania, ou seja, o construto do “cidadão da mais alta classe”. Afinal, se há um cidadão de alta classe, em contraponto, invariavelmente, haverão aqueles que são baixa classe. Logo, se pressupõe, que com direitos mais restritos e menor capital.
Ora, nessa esteira, os pensamentos neoliberais acabam que por tomar conta dos conceitos de cidadania, democracia e Estado. A professora e filósofa Marilena Chauí, em seu texto intitulado “O totalitarismo neoliberal”, explicita as estratégias neoliberais de um novo totalitarismo no sentido de capturar o Estado de fora para dentro. Ou seja, de moldar o pensamento social e do próprio Estado na busca de, com a derrocada do Welfare State, afirmar uma sociedade de mercado. Assim, o Estado deixa de ser Estado e passa a ser empresa. Os políticos deixam de ser políticos e passam a ser gestores. As políticas públicas deixam de ser políticas públicas e começam a ser serviços prestados. Os empregados e servidores públicos deixam de ser empregados e servidores públicos para se tornarem colaboradores. E vou além, os cidadão deixam de ser cidadãos e passam a ser contribuintes.
A pessoa detentora da cidadania tem direitos inerentes à sua condição de cidadã, não importando se paga ou não impostos. Se tem ou não fundos nas suas contas bancárias. Se faz lobby ou não no Congresso Nacional. Se tem ou não tem um teto para dormir. Todavia o termo contribuinte não é ingênuo, pois carrega consigo uma mentalidade incrustada de que só podem ter acesso aos serviço prestados pelo poder público – capturado pelo poder econômico privado – aqueles que pagam para isso. Ou seja, a negação do Estado providente e a afirmação de uma sociedade formada por “cidadãos da mais alta classe”, afinal, agora “contribuintes”.
Destarte, a captura do Estado pela mentalidade neoliberal totalitária age exatamente no sentido de afirmar os que podem ter direitos e os que não podem. Invariavelmente, estes, os mais pobres.
Isto posto, chegamos a um ponto deveras importante na disputa contra o neoliberalismo: a necessidade da afirmação da cidadania ante ao totalitarismo neoliberal.
Paulinho dos Santos é Cientista Social/UFRGS, mestrando em Ciência Política/UFRGS, militante da Democracia Socialista, Secretário de Formação do PT Sapucaia do Sul/RS, 1º Suplente de Vereador do PT Sapucaia do Sul/RS e Suplente de Deputado Federal PT/RS.
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