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A centralidade da Política de Valorização do Salário Mínimo | Marilane Oliveira Teixeira

Os efeitos econômicos e sociais de uma política de valorização do salário mínimo são incontestáveis e vem ganhando cada vez mais força como instrumento de política macroeconômica e de redução das desigualdades sociais.  Desde os anos de 1990 que o salário mínimo[1] vinha recuperando seu poder aquisitivo real[2], mas foi o governo Lula, eleito em 2002, que assumiu o compromisso de duplicar o seu valor. A partir de 2003 se intensifica um movimento positivo para a elevação do salário mínimo, iniciado por segmentos dos movimentos sociais que reconheciam a importância de recuperar o seu valor enquanto uma política pública ativa. Portanto, essa política pública de valorização do salário mínimo foi concebida como instrumento de estímulo do desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Embora entre 2004 e 2006 o salário mínimo tenha sido corrigido acima do índice de preços, somente em 2007 estabeleceu-se o reajustamento de acordo com a inflação acumulada desde o reajuste anterior, combinado com aumento real equivalente à variação do PIB verificado dois anos antes da aplicação anual da regra. A cada ano a data de reajuste foi antecipada em um mês até alcançar, em 2010, 1º de janeiro, que passou a ser a data base de revisão do valor do salário mínimo. Em 2011, foi aprovada a lei que passou a vigorar até janeiro de 2015 e prorrogada até 2019.

A política de valorização do salário mínimo foi resultado de um acordo social tripartite, experiência histórica inédita e prática que contribuiu para a consolidação de nossa democracia. Naquele momento dois foram os objetivos básicos para a sua definição: (1) garantir a valorização progressiva do piso legal segundo as condições econômicas, adotando-se um critério moderado de reajuste segundo a evolução do PIB; (2) dar previsibilidade dos reajustes anuais para os setores público e privado, estimular o crescimento e propiciar, mesmo que lentamente, a distribuição do crescimento do PIB para a parcela da sociedade mais pobre e vulnerável.

A partir de 2003 o contexto mais favorável permitiu dar início a transformações

profundas no Brasil. A reorientação da política econômica colocou no centro a revalorização dos aspectos sociais negligenciados na década anterior pelas políticas de cunho neoliberal. Há uma retomada do crescimento econômico de forma sustentável. O PIB cresceu em média o dobro do período anterior. As políticas de elevação real do salário mínimo, de expansão da oferta de crédito e de ampliação dos programas de transferência de renda estimularam o crescimento do PIB com base no avanço do mercado interno, promovendo com isso um tripé socioeconômico virtuoso caracterizado pelo aumento do mercado formal de trabalho.

Entre 2003 e 2016, o ganho real acumulado foi de 77,2%. No Brasil, no 4º trimestre de 2022, do total de 97,6 milhões de pessoas ocupadas no mercado de trabalho, 33,4 milhões ganhavam até um salário mínimo. Em 2014 eram 27% o total de pessoas que recebiam até um salário mínimo. É evidente os efeitos da crise econômica e social sobre os rendimentos dos mais pobres, com a expansão de modalidades de contratação mais precárias e a ampliação do número de pessoas que passaram a depender do salário mínimo para garantir a sua subsistência. Os impactos são ainda mais relevantes entre as mulheres, para o mesmo período, 39,8% das mulheres recebiam até um salário mínimo e entre as mulheres negras, 49,5%.

O valor do salário mínimo é ainda mais determinante entre as pessoas beneficiadas pela Seguridade Social. Os últimos dados disponíveis indicam que 67,6% recebiam até um salário mínimo que, somados aos benefícios de políticas públicas, tem-se mais de 30 milhões que dependem do valor do salário mínimo. Ou seja, são mais de 60 milhões que tem seus rendimentos vinculados a um salário mínimo.

Considerando que o mercado de trabalho brasileiro é extremante heterogêneo e marcado por grandes desigualdades sociais, raciais, de gênero e regionais, o salário mínimo é vital e contribui para reduzir o fosso entre os formais e informais em uma variedade grande de rendimentos. Também se constitui em um instrumento eficiente na distribuição de renda e na redução da pobreza, além de impactar diretamente nas pessoas beneficiárias da previdência social e de programas assistenciais.

Contudo, em sentido oposto, segmentos que compartilham de uma visão puramente fiscalista refutam os efeitos positivos de uma política de valorização do salário mínimo.   As pressões contrárias se justificam a partir dos impactos que aumentos superiores do salário mínimo provocam na previdência social e os seus impactos nas contas públicas, desprezando a própria Constituição Federal que assegura um salário mínimo que dê dignidade as pessoas.

Alegam que reajustes sucessivos no salário mínimo provocam desemprego, informalidade, estimulam a inflação e desequilibram as contas públicas.  Os dados sugerem o contrário: é preciso sublinhar a importância do salário mínimo articulado de maneira direta aos resultados no aumento da renda e à diminuição da pobreza. Ao se analisar o período entre 2003 e 2014 foram gerados mais de 20 milhões de postos de trabalho e formalizados mais de 15 milhões, a informalidade caiu de 50,2 em 2002 para 39,2% em 2013, reduziu a pobreza de 24,9% em 2003 para 8,5% em 2012. O coeficiente de gini do rendimento de todas as fontes passou de 0,596 para 0,518 entre 2000 e 2014.

Na experiência brasileira há várias referências que comprovam a correlação positiva entre aumentos reais do salário mínimo e redução dos níveis absoluto e relativo da pobreza, não só entre as pessoas ocupadas no mercado de trabalho, mas especialmente em domicílios nos quais há pelo menos uma pessoa recebendo benefícios da Seguridade Social vinculados ao salário mínimo. Os dados sobre o percentual de pessoas pobres com transferências previdenciárias é um importante indicador. Entre 2001 e 2014, para o que recebem transferência, o percentual de pobres caiu de 51,1% para 24,2%. Já entre os que não recebiam transferências previdenciárias a queda foi menos acentuada, de 60,4% para 37,6%.

O salário mínimo também é uma referência como ingresso no mercado de trabalho, tendo, portanto, larga incidência entre os jovens no seu primeiro emprego. É uma referência para os salários mais baixos, para os assalariados sem registro, mas também para os que trabalham por conta própria.

Conforme o Dieese (2010) o salário mínimo possui mais três atributos. O chamado “efeito farol”, sendo uma referência inclusive para os com menos qualificação. O segundo efeito do salário mínimo é o “efeito arrasto” quando há incidência automática de reajuste entre o antigo e novo salário. E o terceiro conceito chamado de efeito “numerário” quando tem impacto diretamente nos salários próximos ao salário mínimo.

O salário mínimo também influi na organização da escala da remuneração. Ao mudar a base salarial acaba por influenciar de maneira hierárquica os salários maiores, contribuindo dessa forma com a distribuição de renda.

O salário mínimo tem a capacidade de dinamizar o mercado interno e contribuir no crescimento econômico, ampliando o consumo das classes populares. A expansão do consumo produz um efeito dinamizador no mercado local com a ampliação da demanda de bens-salários, crescimento da oferta podendo ser acompanhado pela elevação do nível de emprego. É razoável concluir que os aumentos estimados do produto não têm efeito inflacionário, como tentam nos fazer crer.

A regulamentação em vários países é feita por lei. Entre 20 países selecionados da União Europeia o Brasil figura na 18ª posição. Em dólar, para 2023, o salário mínimo é US$ 286 dólares, o Brasil também perde para a maioria dos países da América Latina e representa a metade do salário mínimo do Uruguai e da Costa Rica.

Desde 2019, quando o salário mínimo passou a ser corrigido apenas pela inflação, acumulou uma perda de 5,4%. Se tivesse sido corrigido de acordo com a política de valorização, em 2023 chegaria a R$ 1.391,00. No entanto, a partir do dia 1º de maio de 2023, será ajustado para R$ 1.320,00.

A retomada de uma política vigorosa de recuperação do valor do salário mínimo deveria ser considerada uma prioridade para o governo Lula, assim como no passado recente. Ela pode ser decisiva para a retomada do crescimento econômico, da capacidade de consumo e da redução do endividamento das famílias.  Essa política é perfeitamente compatível com nossos objetivos econômicos e sociais com efeitos distributivos reais entre os mais pobres.

Marilane Oliveira Teixeira é Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, professora e pesquisadora do CESIT-IE da UNICAMP, professora colaboradora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH, membra da Rede Brasileira de Economia Feminista – REBEF e assessora sindical.

[1] O salário mínimo foi instituído no Brasil em 1936 pela lei nº 185 e o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938 regulamentou a instituição do salário mínimo, definindo este como a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de satisfazer, em determinada época, na “região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. (Decreto Lei n° 399 de abril de 1938).

[2] Mas longe de seus níveis históricos registrados entre as décadas de 1950 e 1960.

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