BRASIL DEBATE | Este artigo é um convite ao leitor para especular sobre algumas desgraças contemporâneas. Para isso, utilizo provocações de um livro de Thomas Frank – Pity the Billionaire: The Hard-Times Swindle and the Unlikely Comeback of the Right., Metropolitan Books, New York, 2012.
Frank ressalta a grande quantidade de pequenos empresários entre os ativistas e manifestantes do Tea Party. Donos de lojas, de restaurantes e assim por diante. Para eles, “regulação” é a visita do inspetor sanitário ou do fiscal, “achando” o que multar. É a pequena burguesia como bucha de canhão dos grandes piratas. Algo assim como os trouxinhas da nossa Avenida Paulista, berrando contra a corrupção e liderados por grandes sonegadores e corruptos.
É possível, até mesmo provável, que este pequeno empreendedor venha a ser a ponta de lança de uma nova direita, de suas demandas mais radicais. Para ajudar a propaganda anti-estado e anti-coletivista, a pequena empresa sente mais de perto a presença do regulador, até porque a grande empresa tem mais recursos para engraxar o regulador. Em geral, no mundo inteiro, quem mais paga imposto é assalariado, classe média e pequena empresa. Grande empresa e grande fortuna escapam sempre. São Mateus explica: de quem nada tem, ainda mais lhes será tirado, para aqueles que tudo têm, ainda mais lhes será dado.
Frank retoma uma passagem preciosa do Wright Mills – que está no livro A Nova Classe Média, no capítulo sobre os pequenos negócios. Nela, Mills mostra como o fetiche do americano empreendedor não nasce de dentro desse universo (dos pequenos empreendedores) nem decorre de seus ‘sucessos’, mas do interesse dessa imagem para o grande negócio. É a bucha de canhão.. É o pequeno proprietário e seu sofrimento, seu heroísmo, que parece justificar e sustentar a luta contra o imposto sobre herança, para a desregulação (trabalhista, fitossanitária etc.). Assim como a mítica Family farm é manejada como símbolo para justificar subsídios agrícolas que beneficiam o agronegócio e proprietários que residem em Manhatan e veem pastos e colheitas apenas nos filmes.
Outra coisa importante lembrada pelo livro de Frank: não se deve folclorizar a nova direita, ela não é piada. E é uma percepção do mundo, muito difundida e muito perigosa. Parece exótica e paranoica, sempre anunciando uma invasão de marcianos (comunistas), embora estes sequer existam. Mas o que está por detrás disso é uma operação mental de desligamento da realidade, do factual. Por isso parece tão exótica. Não devemos nos fixar nesse ‘lunatismo’ da nova direita, mas nas fontes de suas ideias. O que está atormentando e assombrando nossos tempos não é a volta de algum grupo de fascistas folclóricos e antiquados, mas a desintegração econômica e a ação de direitistas muito atuais e nada antiquados.
Mas o livro do Frank não nos alerta apenas sobre a nova direita e sobre suas fontes de poder e energia. Ele nos alerta para as conversões que o novo ambiente produz. Daí vale reproduzir a passagem luminosa sobre a conversão de Obama (e não só dele…). A passagem é extraída do livro The Audacity of Hope, que Obama publicou em 2006, antes, portanto de sua chegada à Casa Branca:
“Cada vez mais, encontrei-me a passar tempo com as pessoas “de bens” — grandes escritórios de advocacia e bancos de investimento, gestores de fundos de hedge e capitalistas de risco. Em geral, eles eram gente inteligente e interessante, bem informados sobre políticas públicas, liberais na sua política, esperando nada mais de que ouvisse suas opiniões em troca de seus cheques. Mas eles refletiam, quase uniformemente, as perspectivas de sua classe: o 1% do topo da escala de renda que pode assinar um cheque de $2.000 para um candidato a político. Eles acreditavam no mercado livre e uma meritocracia educacional; acham difícil imaginar que haja qualquer mal social que não possa ser curado por uma alta pontuação no SAT [exame geral de fim de ensino médio]. Eles não tinham paciência com protecionismo, acham que sindicatos são problemáticos e não são particularmente simpáticos para aqueles cujas vidas foram derrubadas pelos movimentos do capital global. Eu sei que me tornei mais parecido com os doadores ricos que conheci, em consequência da minha arrecadação de fundos”
Não sei bem se é de Obama que estamos a falar. Pensando bem, estamos diante de um grande problema, não é?
Reginaldo Moraes É professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. É colunista do Brasil Debate
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