Luiz Marques
A política se move à medida que as classes sociais se movem no grande tabuleiro da sociedade civil. A ampla frente coroada com a “Carta ao Povo Brasileiro”, assinada por Luís Inácio Lula da Silva, em meados de 2002, teve como fiadores grandes empresas nacionais vinculadas à indústria naval, à construção da infraestrutura, ao agronegócio e a setores do capital financeiro. Muitos dos ramos industriais partícipes dessa formidável concertação desenvolvimentista entre o capital e o trabalho foram criminalizados e estigmatizados na operação Lava-Jato.
A burguesia nativa não se integrou de forma homogênea ao capitalismo internacional, na fase de globalização neoliberal. Mesmo na dependência do capitalismo internacional hegemônico, segmentos do capital doméstico de acumulação própria no Brasil abrigaram contradições com o modelo inspirado no Consenso Washington. Veja-se os prejuízos causados, com a implementação do neoliberalismo no governo Collor, para os interesses capitalistas brasileiros em função da diminuição do papel estratégico do Estado e do BNDES no desenvolvimento do país.
Conforme apontou o cientista político Armando Boito Jr[1] ao abordar a natureza da atual crise política: “no final dos anos 1990, essa fração burguesa se aproximou do PT e da CUT”. Prova está que, em 1996, a diretoria da FIESP não hesitou em dar apoio oficial à greve geral contra a recessão chamada pela CUT e a Força Sindical. Apesar dos limites impostos pelo cerco das políticas vigentes à época, contradições de classe já despontavam aos borbotões no andar de cima.
A chegada do PT ao Palácio do Planalto, com investimentos públicos em obras de infraestrutura pesada em usinas hidrelétricas, transposição do rio São Francisco, estradas ferroviárias, investimentos na Copa e nas Olimpíadas priorizando empresas e serviços nacionais, selou o acordo de classe (desenvolvimentista) que contrariou o todo-poderoso “pensamento único” (neoliberal) antes inquestionável.
Enfrentar crises deixou de passar pela canga das medidas monetaristas ortodoxas e das famigeradas políticas de austeridade, que retiram empregos e comprimem os salários dos trabalhadores. O desenvolvimentismo capitaneado pelo presidente Lula combateu o desemprego herdado do período FHC, reorganizou as bases sociais dos sindicatos, implementou uma política de valorização crescente do salário mínimo, promoveu uma inédita política de habitação para a população de baixíssima renda e possibilitou o acesso dos jovens da periferia ao ensino superior.
Avanços importantes resultaram da convergência entre o capital produtivo e o trabalho a partir de 2003. O crescimento dos setores empresariais ligados a um projeto nacional foram favorecidos por políticas que repatriaram uma nova cidadania para o povo mais necessitado, caudatário do período colonial-escravagista. O símbolo desses avanços para milhões de pessoas foi a carteira de trabalho assinada.
O campo da oposição neoliberal ortodoxa, no plano partidário dirigida pelo PSDB, expressa os interesses do grande capital internacional e da burguesia nacional dependente, de costas para um projeto soberano de nação. Compõem o campo político retrógrado os fundos financeiros internacionais que lucram com títulos da dívida pública (ao redor de 49% do orçamento somente em 2015) e com divisas e ações de empresas nacionais, indústrias estrangeiras com plantas para montadoras de automóveis em solo pátrio, exportadores para o mercado interno brasileiro, seguradoras multinacionais com filiais no país e assim por diante.
Esse é o bloco político-econômico que enverga a bandeira do impeachment hoje. Querem a abertura da economia, a redução do papel do Estado, o fim da política de incrementos ao desenvolvimento via BNDES, a retomada do incentivo às privatizações, a redução das conquistas trabalhistas e, ainda, o pré-sal para as companhias petrolíferas norte-americanas. Seus sócios menores no Brasil respondem por setores ligados ao comércio de veículos, confecções, bebidas, alimentos e outros.
A classe média tradicional, branca, de maior renda, frequentadora de ambientes das elites econômicas (aeroportos, restaurantes, casas de massagens), que foi às ruas no último dia 13, apóia as manifestações teleguiadas com ódio e ressentimento. A ascensão social de multidões empobrecidas, na esteira do desenvolvimentismo, foi assimilada pelas camadas médias subsidiárias do antigo status quo como uma perda simbólica de prestígio. Daí a ira santa que alimenta o antipetismo.
O suporte para o clima persecutório ao PT têm: a) cobertura e cumplicidade da mídia golpista, a começar pela Rede Globo, que manipula informações para infectar a consciência dos “midiotas”; b) fachada legal emprestada pela articulação que envolve o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal; c) base parlamentar no Congresso Nacional naquela que Marilena Chauí[2] batizou de “bancada BBB”, a saber, do Boi, da Bala e da Bíblia. Esses são os elementos estruturais a partir dos quais o conservadorismo procura colocar no canto do ringue, não apenas o PT, a Dilma e o Lula, mas o próprio Estado democrático de direito.
A correlação de forças mudou após o biênio de 2011 e 2012, de crescimento próximo de zero. Houve então uma conjugação liderada pelo capital internacional e o bloco da burguesia brasileira a ele integrado.
O neoliberalismo renasceu das cinzas em 2013, por conta da crise que atingiu a economia. A Revolta da Tarifa, em junho, mostrou que poderia surfar na onda de descontentamento das baixas classes médias. De um lado, favorecidas pelas políticas desenvolvimentistas e, de outro, frustradas pela interrupção de sua ascensão social (consumo, renda) em consequência da oferta de postos de trabalho com remuneração aquém das expectativas. Somou-se ao mal-estar na sociedade a enxurrada de universitários diplomados, graças a programas como o FIES, o ProUni e o ENEM, sem correspondência com a expansão de empregos.
Para conter a contraofensiva da direita é preciso recolocar o país no caminho do crescimento e sustentar com a mobilização ativa da cidadania uma reorientação na política econômica, de modo a recompor e firmar e os alicerces sociais do governo Dilma. O primeiro passo, para tanto, está em barrar o golpismo em marcha.
Na presente conjuntura, a vanguarda desse movimento de defesa da legalidade e da democracia é a militância do PT e do PC do B, a par da CUT e de movimentos como o MST e do MTST. Com relação ao PSOL, destacam-se lideranças sobretudo do Rio de Janeiro cientes do inimigo comum a ser combatido. NÃO VAI TER GOLPE! TER GOLPE!
[1] Le Monde Diplomatique, março/2016. [Link quebrado]
[2] Cult, fevereiro/2016. [Link quebrado]
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