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A descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal | Afonso Dias

Nas últimas semanas, tem entrado em evidência a matéria em debate no Supremo Tribunal Federal (STF),  com foco no artigo 28 da Lei de Drogas, que regulamenta sobre o porte para consumo pessoal de droga. É importante ressaltar que a matéria debatida tem tomado o caráter sobre o porte e uso exclusivo da maconha, não tratando sobre outras diversas drogas que também são proibidas no país. Não há dúvidas de que a política de drogas adotada pelo Brasil é uma estratégia fracassada. Criada com o foco na ‘Guerras às Drogas’, afunda o país em uma política proibicionista que atende ao ‘mercado bélico’, que mais lucra com a venda de armas e munições. 

Salienta-se que a criminalização da maconha no Brasil está diretamente ligada ao racismo, que desempenhou um papel crucial nesse processo. A criminalização da planta foi fortemente associada às populações marginalizadas, especialmente à população negra e pobre. A narrativa que se formou retratava a maconha como uma droga usada por esses grupos, reforçando estereótipos e preconceitos já existentes. 

Após a Lei de Drogas de 2006, houve um aprofundamento da crise causada pela política de guerra às drogas, acarretando em um aumento expressivo da população carcerária. A Lei 11.343/2006 adotou uma abordagem punitiva para combater o tráfico de drogas, instituindo penas rigorosas para diversos tipos de envolvimento com substâncias ilícitas. Além disso, ela não faz uma distinção clara entre o tráfico de grandes quantidades e o porte de pequenas quantidades, o que gera uma margem ampla para a interpretação da lei pelos agentes de segurança e pelo sistema judiciário. 

Por consequência disso, a aplicação da Lei de Drogas tem um forte viés discriminatório e racista, uma vez que a maioria dos presos por delitos relacionados a drogas são jovens, negros e de baixa renda. Essa seletividade do sistema de justiça criminal perpetua as desigualdades sociais e reflete o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Como destacou o ministro do STF, Alexandre de Moraes, em seu voto sobre o porte para consumo pessoal, há uma evidente disparidade na forma como brancos e negros são tratados no sistema de justiça brasileiro em relação ao tráfico de drogas. Com essa frase, “Branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto para ser considerado traficante”, Moraes evidencia uma realidade perversa e enraizada: o racismo estrutural de nossa sociedade e consequentemente, de todo o sistema judiciário. 

Um estudo recente feito  pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que examinou uma seleção de processos que foram julgados na primeira instância judicial do país no primeiro semestre de 2019, estimou que, por exemplo, 27% dos condenados por tráfico de maconha poderiam ter sua pena revista se o parâmetro sugerido de 25 gramas de maconha fosse adotado, sendo o limite de consumo de 40 gramas, 33% dos condenados por tráfico poderiam ser afetados. Há nesses dados, a crueldade desumanizante da guerra às drogas expressada há 5 anos e que ainda ecoa pelas ruas, um grito de guerra da juventude negra e eternizada por Marielle Franco: “Quantos mais tem que morrer para essa guerra acabar?”

A guerra às drogas, inspirada na perspectiva criada pela política neoliberal estadunidense, é marcada pela abordagem discriminatória das forças de segurança e do sistema de justiça criminal, que frequentemente concentram suas ações em comunidades periféricas, pobres e de maioria negra. É imprescindível afirmar que as favelas brasileiras escorrem sangue em suas ruas por uma política deliberada de extermínio da juventude negra desse país, sendo papel de todo militante antirracista lutar pela descriminalização das drogas. O racismo afasta a juventude negra do exercício pleno da cidadania e humanidade e a partir disso, esse sistema que prende majoritariamente corpos negros e expõem os mesmos às organizações criminosas, que fazem o processo de cooptação dentro do sistema prisional, levando essa juventude a um ciclo de violência.

É urgente pensarmos uma política de drogas que não tenha a juventude negra como principal alvo da polícia e das organizações criminosas. Para que a descriminalização seja efetiva, é necessário também um amplo investimento em políticas sociais, de educação e de saúde pública, bem como uma mudança cultural para combater o estigma em relação ao uso de drogas e à população negra. A regulamentação do porte é uma medida que pode não apenas respeitar os direitos individuais e promover a justiça social, mas também contribuir para um país antirracista. 

Afonso Dias é Diretor de Combate ao Racismo, militante do Coletivo Enegrecer e estudante de Direito/UFT.

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