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A maior fraude das Olimpíadas Ou uma parábola do futebol no mundo real

A palavra que melhor define a sensação que ficou com o término da partida que decidiu as medalhas de ouro e prata do futebol feminino nestas Olimpíadas foi essa: fraude. Fraude mesmo. Fraudaram a partida, fraudaram a medalha. Aquele ouro não pode ser de verdade. Tenho certeza que não.

ALESSANDRA TERRIBILI

Pro bem e pro mal, o futebol feminino ainda não tem muitos dos vícios do masculino. Não tem jogadoras “mascaradas”, não tem patrocinadores que se apropriam de craques que, além de craques, se tornam celebridades e figuram em todas as listas de maiores salários do mundo. Também não tem organização suficiente, não tem o incentivo que o correlato masculino tem de sobra. Não vemos as jogadoras de futebol brasileiras brilharem em nossos gramados ao longo do ano, mal tomamos conhecimento dos torneios mundiais. Sobre elas, os holofotes reluzem menos do que sobre os homens, cujo futebol tem mais de século de tradição, malícia, táticas e estratégias.

Nos EUA, futebol é esporte de mulher. Aliás, por muito tempo, o único esporte em que os estadunidenses nos pareciam simpáticos era o futebol. A Copa de 94, vencida pelo Brasil, jogada lá, foi uma demonstração disso. Aqueles jogadores engraçados, tinha um de cabelo vermelho, aquelas jogadas ingênuas, aquela admiração enorme pelos ídolos brasileiros, a humildade. A gente até gostava deles. Inclusive porque nunca nos ameaçaram, nem chegaram perto de estar entre os melhores. Apenas estavam tentando.

Quanto às mulheres, não, não. De quatro finais olímpicas, venceram 3. Disputam mundiais, têm uma liga nacional organizada. Já foram melhores do que mostraram esta manhã, é verdade, mas sempre têm postura de vencedoras, são sempre temíveis.

Visto isso, o que vimos hoje, no “Estádio dos Trabalhadores” de Pequim foi mesmo uma fraude. As brasileiras jogaram, jogaram, jogaram, atacaram, driblaram, armaram, tabelaram, correram, chutaram. Mas não marcaram. E todo mundo sabe que, no futebol, quem não faz…

Ao longo do torneio inteiro, as brasileiras brilharam. Hoje não foi diferente. Jogaram pra frente e “bonito”, como se diz. Sem vícios, mas sem algumas das malícias. Enquanto isso, as estadunidenses se trancaram na defesa, e seguraram, seguraram, seguraram. Apenas nos últimos 5 minutos do tempo regulamentar saíram pro jogo. No resto do tempo, pareciam ter adotado uma tática de esperar as brasileiras se cansarem. E elas até se cansaram. Nos últimos 5 minutos do tempo regulamentar, no início da prorrogação.

Depois do gol que fraudou a final olímpica, recuperaram o fôlego ninguém sabe de onde e partiram para o ataque mais uma vez, chutaram a gol, correram, driblaram, cruzaram, buscaram. O gol brasileiro ainda não saía.

Fiquei imaginando que, como aponta o senso comum, o esporte nos ensina muitas coisas. A mim, o judô ensinou que, quem não ataca e se finge de morto, toma falta. Perde ponto. Isso devia ser uma regra no futebol. Devia haver 3 juízes ou juízas, no futebol, para avaliar a falta de combatividade e atribuir pontos (ou gol) à equipe vítima desse anti-jogo. Vítima não. A equipe que não compactuou.

Na ginástica olímpica (me recuso a chamar de “artística”), tem aquela coisa de que não se ganham pontos. Apenas se perdem. Você escolhe um salto de um determinado valor, e perde pontos conforme as imperfeições da sua execução. As estadunidenses, hoje, se propuseram a ganhar a partida. Não tiveram postura de vencedoras, não tiveram o tal de espírito olímpico ao qual tantos evocam, como se isso tivesse cara, não tiveram nem coragem de enfrentar as brasileiras. Deviam ter perdido pontos. Resultado: Brasil 0, EUA –2.

Mas não é assim. O resultado real, então, foi isso, uma fraude: Brasil 0, EUA 1. Uma vitória nunca pode ser produto do “fingir de morto”. Minha cachorrinha fazia isso muito melhor. Ninguém pode ganhar esperando, esperando, esperando o outro jogar. Paradas, atrás, contando com a (boa) goleira. Quietas. Amorfas. Insossas. Não é isso que traz vitória. É certo que chutar no gol sem marcar também não. Mas a tal da falta de combatividade devia ser penalizada…

E devia ser premiada a garra das jogadoras brasileiras, a categoria, os dribles da Marta, as arrancadas da Cristiane, a sensatez da Formiga, a equipe que as 11 formam. Foram 12 hoje, como se costuma dizer, porque os mais de 50 mil presentes no estádio eram todos e todas Brasil. E fizeram questão de demarcar na entrega das medalhas, fazendo das mulheres do Brasil as mais aplaudidas na premiação. Como se fossem as verdadeiras campeãs.

Pra mim, não cola muito essa história de “campeão moral”, de “prata que vale ouro”. Prata é prata. O placar final da partida decisiva acusa que tomamos um gol e não fizemos nenhum. Mas fica a sensação da fraude. Não porque a juíza roubou, não, não, não foi o caso. As estadunidenses fraudaram o resultado porque não jogaram de verdade, aquele gol não foi de verdade, e portanto, não são campeãs de verdade. Não foram penalizadas por falta de combatividade, de coragem, de capacidade de enfrentar as melhores. Comemoraram a vitória como se fosse delas mesmo. Fraude. Todo mundo viu que aquele lugar no pódio não é delas. Não apenas porque roubaram do melhor time a medalha de ouro. Porque os aplausos de pé, não roubaram. Também não roubaram a melhor jogadora do mundo, nem a artilheira do torneio. Mas tiraram das mulheres brasileiras, mais uma vez, o direito de superarem essa sina de que o futebol bonito é sempre o campeão moral. De que o “mundo real” pertence a outros…

Alessandra Terribili é militante feminista e dirigente do PT-SP.

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