Em meio ao caos institucional provocado pela sua própria incompetência o presidente Jair Bolsonaro decidiu resgatar nos quartéis a tradição de se comemorar o golpe de 1964 por meio de ordem do dia.
É importante que busquemos entender esse gesto não só como mais uma bravata do presidente, ou mesmo uma tentativa de propagar uma cortina de fumaça para esconder a inoperância trágica de seu mandato.
Para compreendermos a amplitude histórica deste acontecimento é importante remetermos ao documento disponibilizado pelo Ministério da Defesa, a ordem do dia a ser lida nos quartéis no dia 31 de março deste ano. Podemos considerar que este documento apresenta uma tentativa dos militares de engendrar sua visão acerca do processo histórico que culminou no golpe de 64, só que desta vez numa perspectiva de longa duração, inserindo este golpe num continuum de acontecimentos.
Mas por que este movimento?
Ainda que tenhamos vivido no Brasil uma transição política controlada pelos de cima é possível afirmarmos que a ascensão da sociedade civil na década de 1980 deixa até hoje uma clara sensação de derrota nos militares. Nas décadas seguintes ao processo de redemocratização firmou-se no país, na sociedade e nos meios acadêmicos, uma forte narrativa crítica ao período da ditadura civil-militar no Brasil, fundamental para o imaginário democrático.
É justamente essa sensação de derrota, somada ao fato dos militares terem sido relegados a um segundo plano na política brasileira que pode ajudar a explicar o fato de que generais hoje aceitem se submeter ao projeto político de um capitão medíocre e insubordinado. É a vendeta histórica que se observa na fresta. A oportunidade de impor sua narrativa.
Vale destacar que a Ordem do Dia, assinada pelo Ministro da Defesa e pelos comandantes das Forças Armadas não só exalta o golpe de 1° de abril, mas também procura construir uma narrativa de combate ao comunismo por parte dessas Forças Armadas desde a década de 1930 no Brasil. Tem sido recorrente entre generais a luta para se admoestar também a memória do movimento comunista de 1935, chamado de Intentona Comunista, travando assim uma ideia de perigo totalitário recorrente.
Está mais do que claro que, com a crescente participação dos generais no poder no desgoverno Bolsonaro, há um movimento de imposição da versão oficial dos militares acerca de seu papel no Brasil do século XX, e ganhou contornos mais amplos ao longo das últimas décadas.
A falsificação histórica, prática típica de governos autoritários, tem por objetivo não apenas redesenhar o passado e torná-lo monumento favorável a seus interesses. É por meio da imposição de visões históricas que consolidamos no presente culturas políticas, influenciando a maneira como as pessoas lidam com os dilemas que estão colocados.
No caso do discurso oficial do generalato, que recorre ao perigo constante do comunismo é possível justificar mais uma vez, agora na democracia, as ações violentas do governo atual e a radical liberalização e privatização da economia, que acarreta no desmonte do estado de bem estar social previsto na constituição de 1988, símbolo maior da redemocratização.
Dito isto é muito importante que neste dia 31 de março a esquerda brasileira se levante em todos os espaços para rechaçar esta falsificação histórica que tem objetivo claro de garantir legitimidade ao arbítrio. Mais uma vez o que está em jogo é a democracia brasileira, ameaçada pela ordem da farsa.
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