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A organização feminista é fundamental para reconstruir o Brasil | Sonia Coelho

Publicação: Brasil de Fato

A rejeição das mulheres a Bolsonaro se deve à sobrecarga de trabalho, ao desmonte de políticas públicas, ao aumento da violência e da fome, ao desemprego e falta de renda – Nathália Florêncio

Ventos de esperança para a América Latina agora sopram da Colômbia. A liderança de Gustavo Petro no primeiro turno, com muitas chances de ganhar a presidência da Colômbia, é uma realidade. Com um programa que aposta no bem viver, o povo colombiano pode deixar para trás uma história de muita violência.

A novidade dessa chapa não é Gustavo Petro, mas a sua candidata a vice: Francia Márquez, mulher negra, liderança comunitária desde a juventude, organiza a resistência nos territórios contra a mineração ilegal e se engaja na luta ambiental para frear as mudanças climáticas. Em 2014, foi uma das organizadoras da Marcha dos Turbantes pelo cuidado da vida e dos territórios ancestrais. Uma mulher que inspira pela sua luta, uma mulher que, como a maioria das mulheres negras na América Latina, começa a vida laboral pelo emprego doméstico, e é hoje uma advogada que atua em defesa da vida, da paz. Nessa campanha, Francia traz às ruas o protagonismo das mulheres negras, a força da juventude e o apoio do povo negro e das mulheres.

Também nos anima que as eleições legislativas ocorridas em março na Colômbia tenham resultado em um aumento de 19% para 29,33% de representação das mulheres no parlamento. As mulheres colombianas estão firmes lutando para chegar a paridade de gênero. enquanto isso, no Congresso brasileiro, as mulheres são 15%. Outro feito foi a decisão da Corte Constitucional da Colômbia, que, em fevereiro deste ano, descriminalizou o aborto até a 24ª semana de gestação, uma vitória da luta das mulheres por autonomia e autodeterminação de seus copos e sua vida. Já no Brasil, estamos na resistência contra os projetos de Bolsonaro e de setores bolsonaristas que pretendem retroceder os direitos das mulheres ao aborto legal já previsto em lei, ou seja, em casos de estupro, risco de vida da mãe e feto anencefálico.

No Brasil

Aqui, os desafios ainda são enormes, mas neste ano temos a esperança de derrotar Bolsonaro nas urnas. Para isso, precisamos fazer um processo de luta e protagonismo popular capaz de derrotar, mais que a figura de Bolsonaro, também o projeto ultraneoliberal ao qual ele se filia, assim como boa parte dos congressistas brasileiros.

Essa não será uma tarefa fácil. O conservadorismo e a extrema direita não se envergonham mais do que realmente pensam e fazem, pelo contrário: construíram uma base conservadora na sociedade capaz de ir às ruas defendê-los com propostas antidemocráticas, racistas e misóginas. Ainda que reduzida em tamanho, essa base pode ser bastante agressiva.

Nessa disputa eleitoral, esse setor mantém todo o discurso da “moral” e dos “bons costumes”, e esses elementos não caminham separados dos discursos econômicos da meritocracia e do individualismo. Ambos são partes que se juntam em um projeto ultraneoliberal privatista. O mercado dita todas as regras, o Estado sucumbe para a população pobre ao mesmo tempo em que funciona como um pilar para a manutenção dos benefícios dos setores financeiros e empresariais. Enquanto isso, as mulheres, sobretudo as mulheres negras e pobres, se “viram nos trinta” para dar conta da vida continuar acontecendo.

Temer e Bolsonaro, embalados pela onda do golpe, conseguiram fazer reformas estruturais no Brasil, como a da previdência, a reforma trabalhista, além das privatizações. Esse conjunto de retrocessos hoje são responsáveis pela maior perda de direitos da história, pelo empobrecimento e aprofundamento das desigualdades de gênero e raça.

Enquanto isso, medidas como a liberação de armas e a destruição de políticas sociais e de direitos humanos fortaleceram a organização das milícias, o tráfico, os latifundiários e grileiros, que estão cada vez mais armados, ameaçando e matando quem cruza seus caminhos, seja nas periferias das grandes cidades, seja no campo e em territórios indígenas.

A pandemia e a precarização da vida afetaram muito nossa capacidade de mobilização. Tivemos atos massivos por “Fora Bolsonaro” em 2021, que foram importantes para desgastar o governo e exigir medidas urgentes como o auxílio emergencial e a vacinação, mas não foram suficientes para derrotá-lo. Por isso faz-se tão importante e necessário que a proposta de construção de comitês populares de luta se consolide. Os comitês populares serão uma ferramenta durante a eleição e para além dela. Servirão não somente para eleger Lula enquanto representante de um projeto de esperança e igualdade, mas também para retomar e fortalecer o trabalho de base, e para nos mantermos mobilizadas e mobilizados para exigir políticas concretas na contramão do neoliberalismo e dar sustentação popular ao governo de Lula.

Nós, mulheres, na campanha de Lula

Em 2018, com o “Ele Não”, o feminismo denunciava o caráter fascista e misógino de Bolsonaro e seu programa neoliberal – antes disso também, por exemplo, quando homenageou o torturador Brilhante Ustra, em 2016, ou quando ofendeu Maria do Rosário em 2014. Em todos esses anos de desgoverno, fomos incansáveis na luta e crítica a esse governo. Na Marcha das Margaridas de 2019, éramos mais de 50 mil mulheres vindas de todas as partes do Brasil reunidas em Brasília exigindo a saída de Bolsonaro da presidência.

A rejeição das mulheres a Bolsonaro se deve à sobrecarga de trabalho, ao desmonte de políticas públicas, ao aumento da violência e da fome, ao desemprego e falta de renda. As mulheres, mais do que ninguém, sabem que, se não tem SUS funcionando, são elas que se viram com a pessoa doente. Se engravidam, são elas que fazem os corres, tanto para abortar sem condições como para ter a criança em uma sociedade hipócrita que não permite o aborto, mas assassina crianças e jovens negros e nega o acesso a condições materiais e financeiras para o exercício da maternidade. Por tudo isso, as mulheres rejeitam Bolsonaro mais do que os homens. Segundo a pesquisa Datafolha de maio de 2022, a rejeição a Bolsonaro pega as mulheres de todas as classes sociais, sendo maior a rejeição nas classes mais pobres. Uma parcela dos homens, se sentem representados justamente naquilo em que as mulheres temem, como a expansão do uso de armas, algo que para as mulheres em geral pode aumentar a violência. O nosso desafio como feministas é organizar as mulheres da classe trabalhadora e tornar essa potência de rejeição em ação e organização contra esse governo. Precisamos dizer: Bolsonaro nunca mais! E, além do que não queremos, vamos afirmar o que queremos e precisamos: saúde, educação, aposentadoria, emprego, políticas de enfrentamento à violência, incentivo à agroecologia e soberania alimentar.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somos 53% do eleitorado contra 47% dos homens, e entre a juventude de 16 anos as meninas são 56% das pessoas que se engajaram para tirar título de eleitor. As pesquisas também estão indicando que a juventude, principalmente as meninas, são mais favoráveis à eleição de Lula. Isso é muito importante, porque o Brasil precisa passar por uma reconstrução para apontar um futuro em que a vida, a natureza e a democracia sejam valores basilares. Nessa reconstrução, a juventude precisa ter um papel protagonista.

A campanha eleitoral será um processo de organização da população, das mulheres. Precisa fortalecer, e não interromper, as mobilizações contra as chacinas do povo negro, os desmontes e privatizações de Bolsonaro, que irão ocorrer até o último momento.

Enfim um novo horizonte ressurge na América Latina com as vitórias de setores populares e de esquerda em diversos países. Isso nos dá o alento e a certeza de que com luta, determinação, protagonismo popular, negro e feminista, vamos eleger Lula e reconstruir este país.

*Sonia Coelho é assistente social, integra a equipe da SOF Sempreviva Organização feminista e é militante da Marcha Mundial das Mulheres

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