Finalmente, o presidente Lula resolveu polemizar com a asquerosa revista Veja, o que ajuda a combater as ilusões na pretensa neutralidade da mídia.
ALTAMIRO BORGES
Finalmente, o presidente Lula resolveu polemizar com a asquerosa revista Veja, o que ajuda a combater as ilusões na pretensa neutralidade da mídia. Na sua última edição, esse panfleto fascistóide o acusou, sem qualquer prova, de possuir contas secretas no exterior. De imediato, Lula protestou: “A Veja não traz uma denúncia, ela traz uma mentira. A Veja tem alguns jornalistas que estão merecendo o prêmio Nobel de irresponsabilidade. Eu só posso considerar isso um crime. Eu não posso comparar isso a jornalismo. Não acredito que dentro da Veja tenha uma única pessoa com 10% da dignidade e da honestidade que tenho”.
Revelando seu cansaço diante das leviandades desta revista, Lula atacou: “Não posso admitir isso. É uma ofensa ao presidente da República, ao povo brasileiro e eu acho que essa prática de jornalismo não leva o país a lugar nenhum. A Veja vem assim já há algum tempo, não é de hoje não. Mas ela chegou ao limite da podridão da imprensa. Não sei se um jornalista que escreve uma matéria daquela tem a dignidade de dizer que é jornalista, ele poderia dizer que é bandido, mau-caráter, mau-feitor, mentiroso. Os leitores pagam a revista, são induzidos a assinar e não merecem a quantidade de mentiras que a Veja publica”.
A reação do presidente é compreensível; ele até que foi muito tolerante com sua postura de “lulinha paz e amor”. Desde a sua posse, a revista Veja se tornou o principal veículo da oposição de direita no país. E a cada edição, conforme se aproxima a eleição presidencial e seu candidato não decola, ela fica ainda mais raivosa e mentirosa. Na edição anterior, chegou a estampar a foto do presidente com a marca de um chute no traseiro e a chamá-lo de “bobo da corte”. Antes, havia levado o postulante Antony Garotinho à greve de fome ao estampar a sua foto com chifres de diabo numa manobra sórdida para evitar que ele ultrapasse o candidato da oposição liberal-conservadora, Geraldo Alckmin. Agora, agride novamente o presidente.
As edições são produzidas meticulosamente com objetivos políticos-eleitorais. A manipulação tem como alvo principal as oscilantes camadas médias da sociedade. No caso do episódio da Bolívia, esta sucursal do governo dos EUA visou implodir a integração latino-americana. Para Gilberto Maringoni, ácido crítico da mídia, “a Veja, nessas horas, supera qualquer parâmetro racional. Desejosa de fracionar a aliança entre governos que rejeitaram a Alca e que tentam outro tipo de integração, não subordinada a Washington, irá espernear cada vez mais”. Já o jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, conclui que a Veja é “um caso clássico de fascismo que nossa imprensa – apesar das mazelas – não merece exibir”.
Ninho tucano
O ódio da revista Veja contra o governo Lula e as esquerdas em geral têm vários motivos. O primeiro é o de classe. A Editora Abril, que faz parte do restrito clube das nove famílias que dominam a mídia no país, defende com unhas e dentes os mesquinhos interesses da poderosa burguesia – nacional e estrangeira. Ela não tolera a hipótese de um dia perder os seus privilégios de classe. Teme qualquer acúmulo de forças dos setores populares. Nunca engoliu a chegada ao Palácio do Planalto de um ex-operário, ex-sindicalista, ex-grevista. Como afirma o teólogo Leonardo Boff, é um problema de “cultura de classe”.
Não é para menos que ela sempre teve relações estreitas com o PSDB, que é o núcleo orgânico do capital rentista, e com o PFL, que representa a velha oligarquia conservadora. Emílio Carazzai, por exemplo, que hoje exerce a função de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi presidente da Caixa Econômica Federal no governo FHC. Outra tucana influente na família Civita, dona do Grupo Abril, é Claudia Costin, ministra de FHC responsável pela demissão de servidores públicos, ex-secretária de Cultura no governo de Geraldo Alckmin e atual vice-presidente da Fundação Victor Civita.
Afora os possíveis apoios “não contabilizados”, que só uma rigorosa auditoria da Justiça Eleitoral poderia provar, a Editora Abril doou, nas eleições de 2002, R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB. O deputado federal Alberto Goldman, hoje um vestal da ética, recebeu R$ 34,9 mil da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC, foi agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta da DNA Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um ilícito esquema de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, depois utilizado pelo próprio PT.
O deputado Dr. Rosinha (PT-PR) ainda lembra que Alberto Goldman foi relator, no governo FHC, da Lei Geral de Telecomunicações, que permitiu investimentos externos na mídia. “A Abril possuía uma dívida líquida, em 2002, de R$ 699 milhões. Em julho de 2004, fundos de investimento da Capital International Inc se associaram ao Grupo Abril, beneficiando-se da lei relatada por Goldman”. Estes e outros episódios revelam as afinidades político-partidárias dos donos da revista e ajudam a entender a sua fúria.
Interesses alienígenas
Mas as ligações da Veja são ainda mais sombrias. Hoje ela serve aos interesses das corporações dos EUA. A Capital International, terceiro maior gestor de fundos de investimentos desta potência imperialista, tem dois prepostos no Conselho de Administração do Grupo Abril – Willian Parker e Guilherme Lins. Em julho de 2004, esta agência de especulação financeira adquiriu 13,8% das ações da Abril, numa operação viabilizada pela emenda constitucional já citada, sancionada por FHC em 2002, que resultou na injeção de R$ 150 milhões na empresa. Com tamanho poder, a ingerência externa na linha editorial é inevitável!
A Editora Abril também têm vínculos com a Cisneros Group, holding controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais mentores do frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. O inimigo declarado do líder venezuelano é proprietário de um império que congrega 75 empresas no setor da mídia, espalhadas pela América do Sul, EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Segundo Gustavo Barreto, pesquisador da UFRJ, as primeiras parcerias da Abril com Cisneros datam de 1995 em torno das transmissões via satélites. O grupo também é sócio da DirecTV, que já teve presença acionária da Abril. Desde 2000, os dois grupos se tornaram sócios na empresa resultante da fusão entre AOL e Time Warner.
Ainda segundo Gustavo Barreto, “a Editora Abril possui relações com instituições financeiras como o Banco Safra e a norte-americana JP Morgan – a mesma que calcula o chamado ‘risco-país’, índice que designa o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em outras palavras, ela expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras instituições financeiras de peso são os debenturistas – detentores das debêntures (títulos da dívida) – da Editora Abril e de seu principal produto jornalístico. Em suma, responsáveis pela reestruturação da editora que publica a revista com linha editorial fortemente pró-mercado e antimovimentos sociais”.
Pressão da sociedade
A indignada reação do presidente Lula contra mais uma leviandade desta revista talvez ajude a dinamizar a campanha, lançada no Fórum Social Brasileiro em 2003, sob o lema “Veja que mentira”. O impulso foi dado: “Isso é crime. Não posso comparar isso a jornalismo. Os leitores pagam a revista, são induzidos a assinar e não merecem a quantidade de mentiras que a Veja publica”, afirmou. Seria um bom momento para a imprensa sindical, com seus 7 milhões de exemplares mensais, engrossar a campanha. Também seria a oportunidade para que o cidadão ou a entidade ingresse com processos jurídicos contra a revista.
Por muito menos, a Justiça Eleitoral proibiu a circulação do jornal da CUT com denúncias contra Geraldo Alckmin, num nítido atentado à democracia. Porque não aprender as edições caluniosas e manipuladoras deste panfleto fascista. A batalha é dura, mas não é impossível. Como lembra José Arbex, autor do livro “O jornalismo canalha”, o MST já mostrou que isto é plausível, ao ganhar em primeira instância um processo contra a Veja, que em maio de 2000 trouxe na capa o título terrorista “A tática da baderna”.
Não dá mais para silenciar diante dos abusos da Editora Abril, que se sente acima do Estado de Direito, da democracia e da sociedade civil. A omissão é quase um atestado de culpa. O mesmo vale para muitos jornalistas que, por necessidade material ou puxa-saquismo, renegam a sua formação profissional e ética. Como afirma Renato Rovai, editor da revista Fórum, “esse jornalismo farsante e sangue-azul da Veja não atenta apenas contra os valores da democracia e da ética profissional… Ele expõe ao ridículo a imprensa enquanto instituição e o jornalismo como profissão. Os profissionais mais jovens até merecem desconto. Os mais experientes, calados, são cúmplices. Estão ajudando a desmoralizar a profissão”.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, junho de 2005).