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A PRISÃO DO DEPUTADO E A TRAMA DO GENERAL | Marcelo Uchôa

Dispensável a discussão sobre a legalidade do flagrante determinado contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) que, em vídeo divulgado na internet, na última terça-feira (16/02), propagou ódio, atentou contra o regime democrático, ameaçou, incitou violência, caluniou e difamou gravemente integrantes do STF. No estado constitucional brasileiro a prisão do indivíduo será sempre uma exceção, mas o art. 302 do Código de Processo Penal é categórico quando considera em flagrante delito quem, dentre outras hipóteses, “está cometendo infração penal” ou “quem acaba de cometê-la”. O art. 303 estabelece que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. 

O ministro Alexandre de Moraes do STF, em decisão que foi endossada pela unanimidade da Corte no dia seguinte (17/02), aplicou ao deputado o entendimento de infração permanente pelo fato do vídeo objeto da polêmica ter permanecido na internet com dezenas de milhares de visualizações no momento da informação delituosa. Segundo o ministro, o deputado, cuja ação era reiterante (é investigado no Inquérito 4781 de 2019 sobre a divulgações de Fake News contra o Supremo) rompera os parâmetros aceitáveis à liberdade de expressão quando propagou ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, crime inafiançável segundo a previsão do artigo 5º, XLIV, da Constituição.

Incabível, portanto, apelar à prerrogativa da imunidade parlamentar para evitar a prisão. A imunidade não serve para proteger quem comete crime, principalmente o crime de incitar o estabelecimento do Estado de Exceção, como fez o deputado quando escarneou contra o livre funcionamento do Supremo e demandou pela intervenção odiosa das forças armadas na vida política. Antes disso, a imunidade existe para amparar o parlamentar no livre exercício de suas prerrogativas contra o estabelecimento do Estado de Exceção. Advogar a imunidade parlamentar ilimitada para este caso seria advogar pela possibilidade da ruptura institucional, o que não faz nenhum sentido. Também não faz sentido defender a liberdade de expressão para expressar o ódio, porque uma democracia vive à base do respeito a marcos civilizatórios e tolerar o ódio significa abrir-se à possibilidade de aniquilação completa dos princípios que amparam a dignidade social e a própria democracia.

Assim, correta a decisão do ministro Alexandre de Moraes confirmada pelo Pleno do STF. Há, porém, quem diga que não houve flagrância porque passaram-se algumas horas entre a divulgação do vídeo e a determinação da prisão. Essa interpretação é importante, mas se esgota na natureza do próprio fato, pois é insofismável que a conduta infracional continuava acesa com a disponibilização do vídeo na internet, sendo exatamente este o desejo do deputado, tanto que no momento da detenção ele gravou novo vídeo repetindo crimes proferidos no vídeo inicial. Portanto, também nesse sentido foi correta a providência do Supremo.

Mas há questões no entorno do fato que não podem ser desprezadas. Estrategicamente, o presidente da República calou-se diante da prisão do correligionário. Porém, o deputado bolsonarista Carlos Jordy (PSL-RJ) pronunciou-se nas redes sociais ofendendo diretamente o ministro Alexandre de Moraes, detratando, mais uma vez, a Corte. O ex-ministro bolsonarista, Abraham Weintraub, expôs em público que havia se congratulado com o deputado preso pelo discurso odioso. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, tuitou que estava com estômago embrulhado com a determinação da prisão. Eduardo Bolsonaro, o outro filho, antecipou que votaria pela não confirmação do encarceramento de Daniel Silveira na Câmara por defender a liberdade de expressão. O comunicador bolsonarista Ratinho bradou abertamente sobre a necessidade de uma intervenção militar para pôr ordem no Brasil, assim como feito em Singapura. Tudo isso menos de uma semana após a sociedade brasileira ser informada pelo general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do exército, de um conluio da alta cúpula militar, em 2018, para impedir que o STF concedesse um habeas corpus ao presidente Lula. Pior, em meio a declarações do presidente da República sobre fechamento da imprensa e facilitação de acesso a armas de fogo, com direito a ameaça explícita do deputado bolsonarista Marcio Labre (PSL-RJ), segundo o qual a vantagem de se ter uma população civil bem armada é que se a esquerda retomar o poder, ainda que eleitoralmente, será recebida à bala pelo cidadão de bem. Este mesmo deputado já se pronunciou achincalhando o ministro Alexandre de Moraes pela prisão de Daniel Silveira.

Enfim, o problema é muito mais grave do que se imagina. Não pode ser coincidência que todos os citados neste texto sejam bolsonaristas. Sem a ação confessa de Villas Boas não teria havido vitória de Bolsonaro em 2018. Foi para defender Villas Boas que o bolsonarista Daniel Silveira desafiou o STF. A democracia brasileira está em frangalhos e é fundamental que as instituições tenham clareza de seus papeis neste momento. Não há espaço para tergiversações, a única forma de evitar que cenário mais sombrio se propague é reparando os equívocos históricos que conduziram o país a esta situação. O STF deve julgar a suspeição de Moro, deve anular os processos de Lula, deve apurar a confissão conspiratória do general Villas Boas, deve tocar adiante o inquérito das Fake News, deve manter sob o rigor da lei o deputado Daniel Silveira, deve coibir todos os atos presidenciais hostis à ambiência democrática. A Câmara, por sua vez, deve endossar a prisão do deputado ora recolhido na Polícia Federal e deve cassar seu mandato. Deve conter todos os deputados que aterrorizam o país com ameaças e discursos de ódio. É pelo bem do Brasil, sim, e pelo bem deles também. O Supremo que o diga. 

  • Marcelo Uchôa, Advogado e Professor de Direito da Universidade de Fortaleza. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará. Twitter/Instagram: @MarceloUchoa_

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