A série de pesquisas de opinião realizadas nos últimos meses apontam para um cenário político complexo para as eleições de 2026. Registrando uma sequência declinante na aprovação do governo federal, mesmo mantendo uma condição de favoritismo, projetam-se significativas dificuldades para a futura campanha de reeleição do presidente Lula.

Se é verdade que a construção do caminho para a vitória no ano que vem dependerá muito da capacidade de ação do governo Lula nos próximos meses, também é um fato que a eleição não será decidida apenas em termos de resultados e aceitação das políticas públicas do executivo. A Política (com p maiúsculo) será um fator igualmente decisivo. Em que mais do que a simples troca de um governo, o próprio modelo de sociedade de alguma forma entra em escrutínio.
As últimas eleições já demonstraram e a conjuntura atual parece apontar para a continuidade da polarização política, onde fatores discursivos ideologizados ganham importância relevante na definição de apoio ou rejeição aos projetos em disputa. Neste campo, onde os partidos políticos têm um papel central, a disputa pela hegemonia política está aberta, sem haver uma força ocupando uma condição de domínio político-cultural de forma inequívoca. Mas trata-se de uma polarização assimétrica: de um lado, a direita aposta na mobilização permanente e numa radicalização performática de aparência disruptiva; enquanto a esquerda, por seu lado, atua defensivamente, numa passividade rompida apenas em raros espasmos reativos, incapaz de apresentar ou representar algo que não seja, em alguma medida, a manutenção do status quo, como um freio para evitar o mal maior dos novos fascismos.
O acirramento da luta de classes no Brasil nestes últimos anos não arrefeceu, como sonhavam alguns setores no próprio governo Lula, desejosos de qualquer tipo de acordo que pacificasse os setores da burguesia nacional que aderiram ao golpismo. Mesmo com Bolsonaro tornado pela justiça inelegível devido aos seus crimes cometidos – podendo eventualmente estar na prisão no próximo ano -, a direita se unificará em um nome alternativo. Seja qual for a pessoa, ela terá a força eleitoral da direita, se utilizando de todos os meios (inclusive ilegais) para recuperar o comando do Palácio do Planalto.
Este cenário sugere, portanto, que a reeleição do presidente Lula dependerá também do enfrentamento da pauta ideológica. Se por um lado, parte deste enfrentamento deve ser capitaneado pelo próprio governo, através de seus instrumentos de atuação e do peso do carisma popular de Lula; por outro, o papel dos partidos e movimentos sociais nesta disputa não pode ser negligenciado. Talvez esteja aqui um dos maiores problemas para a esquerda nas eleições de 2026. Vamos nos deter aqui apenas a alguns comentários sobre a questão partidária, mas destacamos que o tema dos movimentos sociais na disputa de hegemonia na sociedade é de relevância estratégica, mas esta discussão deixaremos para outro momento.
Sob o império das milionárias emendas parlamentares, o sistema político brasileiro entrou em uma das fases mais fisiológicas de sua história recente. As estruturas partidárias criadas na Nova República, muitas delas já em um longo processo de crise, colapsaram, como testemunha o recente fim do PSDB. A centralização de recursos diretos do Orçamento da União para parlamentares destinarem para suas bases eleitorais, corroeu o já frágil papel dos partidos, convertendo a maioria dos 25 partidos com representação parlamentar no país, em meras máquinas cartoriais administradoras de fundos eleitorais. Sem posições políticas mais delimitadas, são siglas guiadas por interesses particulares e conjunturais, sendo necessariamente atraídas e dirigidas para um dos polos: pela esquerda, liderada pelo PT ou com a extrema-direita, liderada pelo PL.
O Partido dos Trabalhadores é o maior e mais importante partido brasileiro. Organizado nacionalmente, mesmo enfrentando inúmeras crises nos últimos anos, conseguiu manter-se como a principal referência política do campo popular e democrático no país. Contudo, sua atual condição tem se mostrado insuficiente para os desafios da conjuntura. São variados os seus problemas organizativos, além de dificuldades igualmente importantes de natureza política. Algumas questões são bastante conhecidas, como a perda de sua natureza mobilizadora presente nos primeiros anos do PT, onde havia um forte envolvimento da base militante na construção do partido desde baixo. Esta prática de uma cultura militante petista foi perdendo espaço para uma gradual burocratização e afastamento do cotidiano das lutas populares. Este diagnóstico já foi apontado pelo Presidente Lula, durante sua fala em seminário nacional do PT realizado em Brasília, em dezembro de 2024, onde lamentou que o partido “se institucionalizou e parou de fazer trabalho de base, conversando em igrejas, fábricas e etc” e disse que é preciso se conectar mais com a base do que com os deputados, “o partido não pode ser partido subordinado a mandato de deputado. Tem que ser a base mandando”.
Um balanço mais aprofundado deste processo deverá identificar que não se trata de um fenômeno ocorrido de forma “natural”, fruto das vicissitudes do “jogo político” ou outras questões externas ao próprio partido, mas que também houve escolhas históricas do PT que conduziram a esta situação. Não se trata aqui de promover uma “caça às bruxas” na busca dos culpados pelos problemas do PT, mas apontar para a condição endógena de muitas de suas insuficiências. O partido é construído por pessoas, sua ação coletiva molda e cria as condições de possibilidade de sua própria atuação, ao definir, por exemplo, em seus estatutos quais serão os espaços de atuação do filiado, a estrutura de suas direções partidárias, mecanismos de decisão política etc. Portanto, não se trata de um impasse estrutural insolúvel, mas do partido mobilizar um processo interno de revisão de seu funcionamento.
O PT terá no próximo mês a renovação das suas direções em processo de eleições diretas dos filiados. Este momento deveria ser mais do que uma simples substituição de nomes, mas de um vigoroso debate interno para mudar o PT, debatendo seu programa político e funcionamento, buscando criar formas coletivas que fortaleçam o partido frente aos desafios que enfrentará no próximo período. A necessidade histórica está colocada.
A reeleição de Lula no próximo ano precisa contar com um PT fortalecido, organizado e mobilizado. Frente a um neofascismo fortemente mobilizado e politizado, a esquerda deverá responder à altura, se remobilizando e reafirmando sua identidade política. As mobilizações de rua não podem tornar-se um monopólio da direita, a esquerda precisa recuperar um protagonismo perdido e o PT, como principal partido, precisa liderar este processo.
Erick Kayser é historiador.