Clarisse Goulart Paradis, no Blog da MMM *
Nos últimos dias, com a aproximação da Copa do Mundo e com a execução de todos os seus preparativos, o projeto de lei do Dep. Jean Wyllys esteve em pauta, provocado pelo discurso da “regulamentação” da prostituição, envolto na necessidade de estruturar a indústria do sexo para o aumento do turismo no próximo período. A partir disso, li os poucos artigos que constam no seu conteúdo. Parece banal, mas um PL que trata de um assunto tão complexo, que pretende “resolver” o problema das pessoas em situação de prostituição, contém apenas seis artigos.
Existem alguns pontos perversos nesse projeto. Um deles diz respeito à categorização da exploração sexual. Segundo o mesmo há esse tipo de exploração quando não houver pagamento do “serviço sexual”, quando a prostituição for forçada, mediante grave ameaça ou violência, ou quando uma terceira pessoa apreender entre 50% e 100% do valor do programa. Essa categorização tem duas conseqüências graves – ela legaliza o “cafetão” como essa terceira pessoa que apreende até 50% do valor do programa, algo que ainda não era formalizado no contexto brasileiro e deturpa a ideia de exploração sexual.
Ao separar a prostituição da exploração sexual, o serviço sexual livre, do serviço sexual forçado, há uma intenção de reconhecer de maneira oficial a prostituição como uma solução possível para os problemas das mulheres, de legitimar o discurso da profissão do sexo como um disfarce para despenalização da cafetinagem. Isso alimenta um sistema lucrativo, nacional e internacional de exploração das mulheres, em busca de alimentar uma sexualidade masculina, construída como insaciável, incontrolável, irresponsável e que, portanto, necessita a todo o tempo da disponibilidade de corpos femininos em sua maioria, para a “satisfação” do seu querer sexual. Como nos mostra o verbete sobre o tema no dicionário crítico do feminismo.
“O grande mercado liberal assimila e monetariza os prazeres: a lógica consumista invade todos os domínios da vida e a expressão “trabalhadoras do sexo” legitima a ideia de que a mercadoria sexo se tornou um dado indiscutível da economia moderna. Toda noção ética é então varrida, toda relação de dominação é engolfada por uma lógica individualista. A prostituição se encontra assim excluída das formas de violência contra as mulheres” (Legardinier, 2009, p.200).
Além de legalizar a ação dos cafetões, o projeto de lei prevê o livre funcionamento das casas de prostituição. Para não dizer que o projeto não prevê nada sobre a vida e situação das pessoas em prostituição, ele garante a prestação de serviços em cooperativas ou de maneira autônoma e aposentadoria especial, após 25 anos de serviço.
Nesse contexto, o projeto pouco contribui para a vida das mulheres prostitutas. O Ministério do Trabalho já reconhece a prostituição como ocupação regular e a previdência social assegura o seu direito de contribuir para o INSS (não em regime especial como prevê a lei). O que vale ser chamado a atenção é que esta lei não visa melhorar a vida das mulheres prostitutas, não prevê nenhum tipo de política pública específica, que contribua para que essas mulheres não tenham que ser constantemente vítimas de insultos, violência e marginalização. Ao contrário de promover os direitos e a autonomia econômica das prostitutas, o projeto visa suprir uma necessidade da indústria sexual, que juntamente com as grandes corporações, buscam utilizar o corpo das mulheres para faturar altos montantes em grandes eventos como a Copa do Mundo.
Ao normalizarmos a ideia da prostituição na vivência social, estamos contribuindo para mascarar as formas de violência contra as mulheres, para naturalizar a ideia de dominação masculina e para alimentar um sistema econômico extremamente articulado e lucrativo que explora o corpo de mulheres e meninas. Não é por acaso que o P.L circula nesta conjuntura e envolto do discurso da regulamentação. Não é por acaso que o discurso de direitos das prostitutas só aparece em tempos de Copa do Mundo. Ao contrário desse projeto de lei, é preciso garantir uma vida sem qualquer tipo de violência para todas as mulheres, é preciso que o exercício da nossa sexualidade esteja livre do estigma da mercantilização dos nossos corpos e também do cerceamento e moralismo religioso. Nem santas, nem putas, buscamos que todas as mulheres sejam livres!
* Clarisse Goulart Paradis é militante da Marcha Mundial das Mulheres e da Democracia Socialista de Minas Gerais.
Referência:
LEGARDINIER, Claudine. Verbete: Prostituição I. In: HIRATA, Helena et all. Dicionário Crítico do Feminismo. Editora Unesp, 2009.
Comente com o Facebook