Por Juarez Guimarães
Foi Vivianne Forrester em seu belo livro “Horror econômico” quem nos ensinou, definitivamente, que a legitimação de um ato de barbárie é mais grave ainda do que o ato em si. O livro foi escrito sob este sentimento civilizatório de indignação quando leu a notícia, típica da era neoliberal, que as ações de uma tal empresa subiram de valor após ela ter iniciado um programa de demissão em massa de trabalhadores. Para um economista neoliberal, como é Aécio Neves, isto seria um promissor “choque de gestão”.
Mais do que a legitimação – a comemoração – com que Aécio Neves comentou publicamente em São João Del Rei, do solar da casa de seu avô, a agressão a Dilma Rousseff não deve ser banalizada nem esquecida. “Talvez a forma não tenha sido a melhor para expressar esse mau humor, essa discordância. Mas o fato é que vale o ditado. Acho que ela colheu um pouco aquilo que plantou nos últimos anos. Alguém que governa com mau humor permanente, com enorme arrogância, sem dialogar com a sociedade brasileira, achando que por ter a caneta na mão pode tudo.”
A declaração inaceitável para um homem público poderia gerar vários comentários. O primeiro deles é que a mentira extrema parece ser o modo típico de Aécio Neves mentir. Como opera sempre, na linha de uma certa publicidade, como a Coca Cola enche sempre a sua propaganda de saúde e de vida. Pois o partido de Aécio Neves, junto com o DEM e o PPS, está justamente tentando derrubar no Congresso Nacional uma lei que institucionaliza a participação popular no governo federal.
O segundo comentário é que seu avô – certamente ao contrário do neto – repudiaria a agressão inominável e pública a uma presidente brasileira democraticamente eleita. Isto não fazia parte da melhor tradição liberal conservadora do PSD mineiro.
Uma terceira observação é que a expressão “colheu o que plantou” apareceu simultaneamente na boca de Eduardo Campos, falando em campanha para a rádio CBN. Tanta coincidência parece combinada. Mas aqui vale o reiterado sempre por Lula: o neto de Arraes está hoje descentrado, não sabe hoje bem o que é e o que não é em seu trânsito incerto em busca de um personagem que talvez nem exista.
Mas Aécio, não: ele bem colheu o que tanto plantou. O discurso do ódio ao PT, à Lula e à Dilma, é tão orgânico a sua candidatura como a Rede Globo ou o Banco Itau. Este ódio, a princípio, não tem limites como todo fenômeno extremo na política. Na cena da abertura da Copa, ele veio à tona.
Os que agrediram Dilma de forma tão machista são os mesmos que na escravidão e depois dela , sem trabalhar, insultavam e insultam os negros de preguiçosos e vadios. É a mesma voz dos que alertam que o salário-mínimo está alto demais e que algo precisa ser feito antes que seja tarde, como disse Armínio Fraga, principal consultor econômico de Aécio Neves. Ou que proclama que o Brasil não é capaz nem deve realizar uma Copa do Mundo.
Ressentimento do mundo
Há na cultura política brasileira o hábito de transigir, perdoar e esquecer. No país em que a presidente foi torturada durante uma ditadura militar, ainda não prevalece o direito internacional de que os crimes contra a humanidade não prescrevem.
Não devemos transigir, perdoar ou esquecer o gesto público de Aécio Neves ao legitimar e até comemorar o inominável. Fazer isso é permitir que um sentimento extremo da barbárie continue a crescer na cena pública da democracia brasileira.
Pois se até isso é permitido, legitimado e comemorado pelo candidato oficial da oposição neoliberal, o que virá depois?
É o oposto o que devemos agora fazer. Como uma cena que surrealisticamente escapa às manchetes dos jornais, das revistas, das tevês e das rádios, as ruas estão vivas e pulsando um sentimento genuíno de alegria verde e amarela. Quando o nacional se faz popular à contra-discurso, este sentimento, mais do que nunca, é esquerdo.
Assim, quanto mais extrema a barbárie, mais alta, cívica, republicana, popular e socialista democrática deve ser a nossa atitude.
Por esta razão, nenhum mineiro digno pode consentir que Aécio fale ao Brasil em nome de todos os que nasceram em Minas e são filhos de sua tradição de liberdade. Se a vida de Dilma Rousseff encarna uma vera inconfidência – a sua memória, hoje pública, logo assimilou a agressão verbal inominável à tortura que sofreu nos cárceres da ditadura -, o sentimento de Aécio se parece ao de seus algozes.
Não há aí nenhum sentimento do mundo, na linha humanista radical de Drummond. Mas só o ressentimento, este “oceano sem água”, dos que temem perder os privilégios.
(*) Cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
(**) Publicado originalmente no site Agência Carta Maior
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