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“Agricultura familiar é um tema da mais alta relevância no Brasil”

Em 2 de maio último, aconteceu o Encontro Nacional Agrário do PT, em São Paulo. O deputado estadual gaúcho Elvino Bohn Gass foi eleito consensualmente novo secretário. Nesta entrevista, Bohn Gass fala dos desafios da secretaria nacional agrária do partido, especialmente num ano de eleição presidencial, e das perspectivas para essa área num eventual novo governo do PT.

O Censo Agropecuário de 2006 comprovou que a Agricultura Familiar é mais produtiva e é responsável por boa parte dos alimentos consumidos no Brasil. Como esse diagnóstico pode ajudar na disputa política pela Reforma Agrária e o apoio à Agricultura Familiar?

Elvino Bohn Gass: A informação mais fundamental que emergiu do Censo Agropecuário de 2006 não foi que a agricultura familiar produz cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil, o que é, por si só, um dado revelador; mas sim, o tratamento que um setor com essa capacidade estratégica – estamos falando de alimentar o povo brasileiro – exige de quem comanda as políticas públicas da Nação.

Quero dizer que o Censo teve a virtude de respaldar os investimentos que o Governo Lula/Dilma vem fazendo na agricultura familiar. Sim, porque para muita gente, a agricultura familiar ainda carrega um estigma ou um preconceito, como queiram, de produzir apenas para a subsistência e de não ter importância econômica. Bastam cinco minutos de conversa franca com a senadora Kátia Abreu, por exemplo, para que se perceba que, por ela, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Governo Lula poderia ser extinto. Aliás, o candidato José Serra parece que concorda com esse absurdo. Talvez devamos lembrar, então, que no oitavo ano de FHC, que Kátia e Serra sustentavam, o governo federal destinou R$ 2,3 bilhões para a agricultura familiar. Pois Lula chega ao seu oitavo ano de governo com um investimento 600% superior. Veja bem, 600%! A mais! Mas não estamos falando apenas de mais dinheiro, mas de políticas públicas muito mais qualificadas, sintonizadas com a realidade da agricultura familiar.

Do ponto de vista político, o caso da Reforma Agrária é parecido. Ninguém admite que é contra, mas muitos lutam para que não aconteça. No Rio Grande do Sul, meu estado, tivemos episódios em que latifundiários impediram a bala a entrada do pessoal do Incra que deveria avaliar a produtividade de suas enormes fazendas. São os mesmos que costumam chamar de bárbaros os homens e mulheres que lutam por um pedaço de terra. E olha que não estou falando do Pará ou do Pontal do Paranapanema (SP), onde os conflitos agrários já causaram muitas mortes, mas de um estado onde há tradição de respeito aos imigrantes que ajudaram a construir a riqueza gaúcha a partir do trabalho na terra. É a prova de que o preconceito e a violência existem, sim, e precisam ser combatidos.

Então, ao constatar que a agricultura familiar produz 58% do leite, 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 50% das aves, 59% dos suínos e 30% dos bovinos, o Censo Agropecuário de 2006 provou que, ao priorizar esse segmento, o Governo Lula está oferecendo segurança alimentar ao seu povo, garantindo a soberania do Brasil e dando à agricultura familiar o devido respeito que ela merece como atividade fundamental no desenvolvimento.

Qual a importância do Setorial Agrário do PT neste ano de eleições presidenciais?

Bohn Gass: Veja bem, a agricultura familiar produziu 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária do país. E além da importância pela produção em si, a agricultura familiar gera 15,3 postos de trabalho a cada 100 hectares, ao passo que a não-familiar, que alguns chamam de patronal ou empresarial, gera apenas 1,7 empregos na mesma área. Vou além: o mesmo Censo nos informa que a agricultura familiar gera R$ 515,00 do valor bruto da produção por hectare por ano, ao passo que a não-familiar gera R$ 322,00 pela mesma unidade de área. O que isso quer dizer? Ora, que é um tema da mais alta relevância no Brasil. E um partido como o PT, que tem como eixo fundamental de atuação a melhoria da qualidade de vida do povo trabalhador, precisa ter propostas sempre atualizadas para quem extrai da terra o seu sustento e que, com seu trabalho, sustenta os demais habitantes da Nação. Assim, o partido deve buscar conhecer todas as experiências bem sucedidas no universo da agricultura, sejam elas no governo federal, nos estados, nos municípios ou nas organizações não-governamentais. Um partido que tenha responsabilidade com o futuro deve estar atualizado das necessidades e modificações do mundo agrário, para que possa formular sempre as melhores propostas na área. Nesse sentido, o Setorial Agrário do PT tem como tarefa conhecer as melhores experiências e propor melhorias e qualificações em termos de políticas públicas. Por muitos anos, este país tratou os agricultores familiares com migalhas e escamoteou o debate da Refoma Agrária. Não há democracia no mundo que seja sustentável sem que, antes, tenha havido a distribuição justa da terra para que ela cumpra sua função social.

Quais devem ser as diretrizes do PT para a disputa eleitoral?

Bohn Gass – Fundamental é a manutenção de todas as políticas públicas que temos desenvolvido por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do governo Lula em geral. Programas como o Mais Alimentos, o Proagro Mais, o Seguro Agrícola, o Plano Safra da Agricultura Familiar, o Pronaf qualificado, precisam ser valorizados e ampliados. Mas enquanto Setorial Agrário, é nosso dever sempre apontar os limites e buscar a qualificação e o aperfeiçoamento das políticas. Já fizemos muito, já fizemos mais do que todos os nossos antecessores no governo federal. Mas não fizemos tudo. Há para onde avançar – sempre há -, e penso que é tarefa partidária apontar esse caminho.

Ao mesmo tempo, temos o dever de atuar didática e pedagogicamente junto ao senso comum. Agora, temos o que mostrar. Por exemplo: precisamos consolidar na sociedade a ideia de que a agricultura familiar é fundamental. Quando isso for definitivamente compreendido por todos, a própria sociedade vai defender a agricultura familiar bem como vai cobrar iniciativas que a fomentem. Questões que hoje geram uma polêmica absurda, como os índices de produtividade, por exemplo, seriam muito mais facilmente assimiladas se a sociedade já houvesse compreendido que a terra precisa ter uma função social. Mas isso ainda se discute no âmbito do “a quem interessa”, como se atualizar índices de produtividade fosse uma medida que visa a prejudicar este ou aquele. Não! Isto é de interesse do país, pronto, acabou. Penso que é preciso um trabalho educacional forte e a busca de cada vez mais aliados para as questões agrárias essenciais. O PT deve dizer nitidamente ao povo brasileiro que vai aprofundar a Reforma Agrária, que vai continuar oferecendo terra e garantias para que os assentados possam produzir, ter renda e viver com dignidade. E que vai seguir investindo pesado no fomento à agricultura familiar. De nossa parte, o Setorial Agrário vai apontar os limites e buscar, sempre, a ampliação e a qualificação de políticas com esse norte. Em termos eleitorais, devemos mostrar a diferença entre a nossa prática e a de governos que nos antecederam.

Qual o papel do Setorial na articulação entre o partido, o governo e os movimentos sociais?

Bohn Gass – Os movimentos sociais são a vanguarda da política. São eles que oferecem aos formuladores das políticas públicas o objetivo a ser perseguido. Como diz o poeta, “o caminho se faz ao andar”. O importante é seguir fazendo, seguir tentando. Haverá tensionamentos naturais entre os que executam os orçamentos e as reivindicações dos que precisam de medidas urgentes. Dialogar é essencial. Guevara nos ensinou que devemos endurecer sem perder a ternura. É fundamental saber quem está conosco e quem luta contra nós. Contudo, o avanço das lutas sociais deve, cada vez mais, instrumentalizar os movimentos organizados para que eles possam exercer, de fato, o controle sobre o que é público. Uma das maiores virtudes do PT é ter tido a nitidez de defender, historicamente, o controle social em todas as áreas de governo. O Setorial Agrário tem, então, a função de dar nitidez às propostas do movimento social, quantificando-as de modo que elas possam ser encampadas como luta partidária responsável e se tornem compromissos a serem perseguidos por um governo.

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