Matéria publicada no jornal Valor Econômico nesta sexta-feira (24/04)
A governadora do Estado que foi palco do mais recente conflito agrário de repercussão nacional, Ana Júlia Carepa (PT), vê armação da oposição ao seu governo para desqualificar os avanços que, segundo diz, ocorreram no Pará na questão agrária. De acordo com a governadora, o número de mortes no campo diminuiu e o de reintegrações de posse cumpridas aumentou.
A constatação, porém, contraria o embasamento do pedido de intervenção federal e impeachment proposto pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidido pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Para a governadora, a líder ruralista age sob comando do banqueiro Daniel Dantas, proprietário de centenas de hectares no Pará, dentre os quais a fazenda Espírito Santo, em Xinguara, onde ocorreu a troca de tiros entre seguranças e sem-terra, cujas imagens correram o país esta semana. A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor, por telefone, por volta de 20h00. A assessoria de imprensa do banqueiro Daniel Dantas foi procurada, mas não foi possível contatá-la:
Valor: Qual avaliação da situação agrária no Pará?
Ana Júlia Carepa: Temos um governo que trata a questão agrária com o cuidado que ela merece. Somos campeão de diminuição de morte e violência no campo. Nos contrapomos ao governo anterior, que foi campeão nesse quesito. Pelos dados da Comissão Pastoral da Terra, em 2006, foram 24 mortes. Em 2007, cinco e em 2008 uma. Temos passado Abril vermelhos sem nenhuma morte. Não há qualquer situação de descontrole do Estado em relação às questões do campo.
Valor: Mas e conflito entre seguranças e sem-terra em Xinguara?
Ana Júlia: Não existe nenhum mandado de reintegração de posse para a fazenda Espírito Santo no município de Xinguara. O mandado que eles mostraram na televisão é em favor da fazenda Espírito Santo Retiro Baixa da Égua, em Marabá. Tem uma diferença aí de uns 100 quilômetros.
Valor: Mas não há outros mandados aguardando cumprimento? Fala-se em mais de 100.
Ana Júlia: Tínhamos 173 mandados de reintegração quando assumimos o governo em 2007, a maioria deles rurais, descumpridos pelo governo anterior. Não entendo porque ninguém pediu o impeachment lá atrás nem intervenção. Hoje são 63 mandados não-cumpridos, segundo a Procuradoria do Estado. E há um cronograma para que sejam cumpridos, acordado com a Justiça. Os primeiros que cumprimos foram dessa região Sul e Sudeste, que era onde havia mais mandados. Depois, combinamos com a Justiça e o Ministério Público para focar mais na Vara Agrária de Castanhal, região Nordeste do Estado. É nessa região que estamos cumprindo os mandados agora. Não posso atender só 60 pessoas. O governo anterior deixou 173, agora vou esquecer essas pessoas e atender alguém só porque tem poder econômico. E deixar para trás todas as outras pessoas que estão aguardando?
Valor: Então se não havia mandado a ser cumprido em Xinguara, por que razão houve essa repercussão?
Ana Júlia: Tem uma situação que é montada, coordenada, por um senhor, Daniel Dantas, que já há algum tempo tem diferenças com nosso governo. Desde senadora eu já o denunciava.
Valor: Mas qual o problema específico dele com o governo?
Ana Júlia: O governo do Estado, junto com o Iterpa, moveu uma ação contra a fazenda dele por descumprimento do contrato de aforamento de terras. Aquelas áreas dele eram afloradas com a finalidade de utilizar o imóvel para para exploração de castanhais. Eles descumpriram, promoveram atividade agropecuária, crimes ecológicos e comercializaram a área. Então há uma ação em trânsito e a Justiça suspendeu a matrícula e os títulos dessas fazendas em Xinguara.
Valor: E como a senhora avalia a reação da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ao episódio, pedindo impeachment e intervenção no Pará?
Ana Júlia: Isso é reação dos empregados do Daniel Dantas, todos.
Valor: Da própria senadora Kátia Abreu (presidente da CNA)?
Ana Júlia: São todos empregados do senhor Daniel Dantas. Tem um poderio econômico por trás. É o caso de perguntar por que tinha tanta gente filmando na hora do conflito. Em que avião eles chegaram lá?
Valor: No dele?
Ana Júlia: Sim, claro. Toda a imprensa que estava lá tinha chegado no avião dele. Isso tudo é uma ação política de setores da oposição que, inconformados de estarmos realizando tantas ações no Estado em diversas áreas, inclusive nessa, que não foram feitas por quem hoje nos ataca, mas que esteve no poder estadual por 12 anos. Daí quando chega um grupo econômico forte fica achando que tem que ter prioridade.
Valor: E como a senhora recebe o pedido de impeachment?
Ana Júlia: Acho um desrespeito ao povo do Estado do Pará, que tem um governo que age e é eficaz nessa área do campo. Os números demonstram essa eficiência. Diminuímos as mortes, aumentamos as reintegrações cumpridas. Não vou promover massacres como o de Eldorado dos Carajás. O que alguns estão querendo é outro massacre para dizer que nós também promovemos massacre. É essa vontade que alguns setores têm. Tentam artificializar uma situação que não existe. Temos um Estado com cerca de 900 assentamentos e que até 2006 era campeão de mortes no campo. Hoje é campeão de diminuição de mortes no campo.
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