A primeira reação, quando se é vítima de um golpe, como fui, é assumir toda a culpa e reagir: sou mesmo um burro.
Para alguns agosto é o mês de azar e, se o dia 13 coincidir com uma sexta-feira, é doença certa. Não sou destes, mas tive um agosto com alguns desgostos. Desgostos que me adoeceram, tanto, que em uma das manhãs acordei com dor no corpo e na alma, dores agravadas pela manhã fria e de névoa baixa.
*
Novela – I
Estou aberto para o debate e, deixo claro, sempre fui e sou critico a todos os Conselhos e Ordens profissionais. Todos trabalham na defesa da corporação e só em raros casos, quando é muito grave e se torna público, é que tomam posição na defesa da vítima.
Telefonei para o Coren (Conselho Regional de Enfermagem) e só após 15 minutos de espera fui atendido.
A atendente que não podia atender. Sentindo má vontade, não sei se dela ou da instituição, perguntei:
– Você é funcionária do Coren ou terceirizada?
– Terceirizada.
Relevei o mau atendimento e lamentei por ser mais uma vítima da precarização dos direitos trabalhistas.
Imaginei que pessoalmente, na instituição, poderia ser melhor atendido. Mesmo com chuva forte e vento fui até lá. Cheguei com as pernas da calça molhadas e com frio. Cumprimentei as pessoas sentadas no corredor, do lado de fora da entrada, e ali deixei o guarda-chuva.
Pelo lado de dentro um homem, aquém cumprimento e me dirijo, de imediato, pergunta:
– O que o senhor deseja?
Exponho o caso e antes de terminar, responde:
– O senhor não é o interessado, portanto, não dá para atendê-lo.
– Não sou da categoria, mas preciso da informação.
Peremptoriamente responde:
– Então tem que marcar horário.
Com frio, calças molhadas e indignado, sentei-me no banquinho, destes altos de balcão de bares, que estava à sua frente:
– Aqui fico até que alguém me atenda.
Naquele momento, pessoas saíam para almoçar e outras chegavam. Uma das que chegavam e ouviu a conversa, decidiu a situação:
– Pode entrar – indicou a sala e uma moça – que ela vai atender o senhor.
Novamente repito a história e conto o que necessito. A resposta é a mesma:
– Só o interessado pode ter acesso ao número da inscrição no Coren.
Apelo ao seu lado solidário e humano e mais uma vez repito o que me levou até ali. O interessado é um indígena, aldeado a cerca de 250 quilômetros daqui. Sua locomoção, na maioria das vezes, depende da Funai ou da prefeitura. Para fazer a inscrição o serviço social do município o trouxe. No momento da inscrição não lhe foi informado – se informado, não compreendeu – corretamente como iria receber a carteirinha.
Onde vive o sinal de internet é falho, ele tem dificuldades de lidar com computadores e o celular não funciona a contento. Fez a inscrição há mais de 90 dias e até agora não recebeu a carteirinha. No momento, ele precisa só do número de registro para se inscrever em um Concurso Público, que se encerra em poucos dias. Só peço o número do registro para eu enviar a ele ou vocês enviarem.
– Não podemos. Ou ele vem aqui, ou o senhor volta com uma procuração.
Indignado reajo:
– Vocês não conseguem compreender as dificuldades de um indígena, lhes falta sensibilidade, humanismo, solidariedade, compreensão.
Ao me virar para sair da sala topo com o porteiro, que também é segurança – para me vigiar ou conter? –, o que me deixou ainda mais indignado.
Molhado, com frio, e ainda mais indignado volto para casa.
*
Novela – II
A primeira reação, quando se é vítima de um golpe, como fui, é assumir toda a culpa e reagir: sou mesmo um burro.
Rápido, sem demora, vem a segunda reação: tentar reaver o que considerava ainda não perdido.
Aí a novela: o banco não responde imediatamente o pedido de socorro e, quando responde, é aquém do que se espera como direito.
A terceira é fazer um Boletim de Ocorrência (BO). Aí é um Deus nos acuda.
A Secretaria de Segurança Pública oferece a possibilidade de fazer o BO eletrônico, para facilitar e ser mais cômodo, segundo eles.
Na sexta-feira, fim de tarde, entrei no sistema e não consegui. Fui em busca do socorro que o próprio sistema oferece: enviar um e-mail para alguém ou um robô contando as dificuldades. Enviei e a resposta não veio.
No sábado, logo pela manhã, novamente as mesmas dificuldades.
Ligo para o número do telefone da delegacia indicado no site, e também para o 197. Em ambos sou atendido com educação e a orientação é enviar e-mail, para o mesmo endereço do dia anterior.
Resposta que recebi:
Infelizmente não está disponibilizada esta forma de interação. Solicite o auxílio de pessoa de sua confiança ou o atendimento em alguma lan house para tal fim.
Lan house? Brincadeira, né?
Insatisfeito, reclamo junto à Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública.
No final do dia da segunda-feira, recebi da eficiente Ouvidoria que o BO estava feito e também o número do mesmo. O número do BO que me enviaram correspondia com o que eu que tinha feito, presencialmente, naquela manhã, em uma delegacia de polícia.
*
– Ufa, agosto acabou! – muitos exclamaram. Não foi meu caso. O que aconteceu poderia ter ocorrido, ou ocorrer, em qualquer outro mês.
Dr. Rosinha é médico aposentado e ex-deputado.
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