Por Bernardo Cotrim
As eleições municipais de 2016 ocorrem em meio ao processo de (tentativa de) estabilização do golpe de Estado que depôs a presidenta Dilma, onde a aparente consolidação de uma maioria congressual de apoio ao ilegítimo presidente Temer ainda não se combinou com o isolamento social da oposição ao governo golpista. Esta disputa está em curso, com a utilização de todos os instrumentos jurídicos e midiáticos para fortalecer uma narrativa de criminalização e perseguição do PT e da liderança de Lula, buscando simultaneamente interferir no resultado das eleições de maneira a semear um resultado de “esquerda varrida das urnas” e marginalizar a oposição. Neste quadro, a nacionalização do debate é um imperativo para o campo democrático e popular.
Por “nacionalização” entendo a necessidade de compreendê-las como um momento-chave de construção de um movimento combinado de resistência, defesa da democracia e afirmação da vitalidade de um campo sistematicamente atacado em diversas frentes pelo bloco político, econômico, jurídico e midiático responsável pelo golpe, sob direção programática do PSDB. Neste sentido, a disputa eleitoral não se dá apenas sobre os dilemas da vida nas cidades, mas também pela necessidade de ampliar o debate sobre a ilegitimidade do governo Temer, desnudando o seu programa radicalmente neoliberal e aumentando sua impopularidade.
É fato que as esquerdas demoraram a perceber esta necessidade; o calendário mais curto de campanha, herança da minirreforma eleitoral de Eduardo Cunha, tampouco fortalece o debate político. No entanto, é possível arriscar que a dinâmica das manifestações anti-Temer dialogou positivamente com as candidaturas de esquerda, com algum impacto de crescimento nas campanhas. Em Salvador, é a partir da caminhada com a presidenta Dilma, que reuniu cerca de cem mil pessoas, que a campanha de Alice Portugal começa a crescer; em Porto Alegre, a denúncia do golpe e a participação nas manifestações de rua colaboraram pro crescimento da candidatura de Raul Pont, ao passo que o discurso conivente com o impeachment é um fator decisivo para a queda de Luciana Genro, que desceu do primeiro para o quarto lugar nas pesquisas. No caso de São Paulo, me parece razoável afirmar que existe uma forte relação entre os atos massivos da Avenida Paulista, a participação do prefeito Haddad nas ruas e sua denúncia da relação dos adversários com o governo golpista, incorporando de forma incisiva a disputa nacional ao debate eleitoral, e o renascimento da campanha de Haddad, cujo crescimento na reta final tende a resultar num segundo turno entre o prefeito petista e o candidato tucano – nada mais nacionalizado do que esta disputa!
No Rio de Janeiro, quem melhor encarnou a polarização com o golpe nas eleições foi a candidatura de Jandira Feghali. Sua campanha não se furtou ao balanço autocrítico da participação recente de PT e PCdoB em governos de direita, posicionando esta questão não no campo da “virtude pessoal”, a-histórica e sectária, mas no campo da política – e das decisões, certas e erradas, que tinham como referência a construção de um projeto político cujo legado é de brutal redução da pobreza, geração de trabalho e renda e ampliação de direitos. Além disso, aprofundou o debate de denúncia do governo Temer e do PMDB, criticando a direção tucana do golpe e o programa da contrarrevolução neoliberal, reafirmando um balanço positivo da experiência de 13 anos dos governos Lula e Dilma e colaborando decisivamente para o reposicionamento de parcela significativa da esquerda carioca.
É necessário reforçar, inclusive, que Jandira afirmou publicamente que abriria mão de sua candidatura em prol de uma coalizão de esquerda encabeçada pelo PSOL, que recusou a proposta. A força militante de uma frente única eleitoral da resistência democrática poderia construir uma campanha polarizada no Rio, colocando em um mesmo balaio todos os candidatos da base do governo golpista e sinalizando para o resto do país um passo importantíssimo para a reorganização da esquerda.
Isto posto, é preciso fortalecer o campo democrático e popular para que esta reorganização se dê não sob escombros, mas com o acúmulo da luta política travada nas ruas e com o máximo de força eleitoral acumulada. Neste sentido, votar em Jandira para prefeita é enfrentar o golpe com radicalidade, combinando o debate sobre os problemas da pólis com a defesa da liderança histórica de Lula e seu legado frente a conspiração conservadora que visa destruir a carga simbólica e a potência política da maior liderança popular da esquerda mundial, superando a defesa setorial e segmentada dos direitos e reconstruindo uma ideia universal de programa de mudanças.
Por último, cabe ressaltar que todas as pesquisas divulgadas até agora têm como dado mais confiável o diagnóstico de um alto percentual de indecisos, além de uma expressiva volatilidade do voto, tornando o resultado imprevisível: quatro candidatos aparecem em empate técnico nas pesquisas. Neste quadro, o desfecho está em disputa até o momento da boca de urna, e qualquer apelo a um suposto “voto útil” é, na verdade, uma manifestação arrogante (e seletiva, posto que veementemente rejeitada em outras praças, como São Paulo) de apelo ao medo que o eleitorado progressista tem de enfrentar um segundo turno entre dois candidatos conservadores, mas cujo resultado objetivo é uma migração ínfima de votos circunscritos a um mesmo campo, quando a chave para o segundo turno está na disputa dos indecisos e no diálogo com a parcela da população que ainda não formou um juízo definitivo sobre o governo Temer. É hora, portanto, de aproveitar os últimos momentos da campanha para fortalecer a candidatura de Jandira mostrar aos golpistas que o campo popular permanece vivo, dotado de incrível capacidade de se reinventar e disposto a chegar ao segundo turno. Vamos à luta!
Bernardo Cotrim é Secretário de Formação Política do PT-RJ
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