Por Rodrigo Mathias
Na manhã do dia 1º de fevereiro de 2007 – uma quinta-feira – cerca de três mil estudantes saíram de suas casas e se dirigiram ao número 132, da Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, para entrarem para a história. Foi nessa data que a UNE retomou sua sede, que havia sido invadida e destruída pela ditadura militar, há quase 40 anos.
No último sábado (11) – data que marcou também o aniversário de 75 da UNE – o sonho da reconstrução começou a tomar formas definitivas, com o início oficial das obras da nova sede da entidade, com conclusão prevista para 2013. No prédio, cujo projeto foi dado de presente pelo arquiteto Oscar Niemeyer, funcionará também um Centro Cultural, que contará com teatro, museu, dois cinemas, livraria e um espaço multiuso. A ideia é transformar o espaço em um centro artístico e intelectual do Rio de Janeiro, resgatando as melhores tradições do Centro Popular de Cultura (CPC), que nos anos 60 reunia nomes como Vinicius de Moraes, Cartola, Cacá Diegues e muitos outros.
Fundador da UNE, Irum Sant’Ana, um jovem de 96 anos, foi um dos principais homenageados no evento. Em sua fala, ele afirmou que não imaginava o tamanho que a UNE teria, quando ele e outros companheiros criaram e entidade, em 1937:
“Meu sonho era pequeno perto do que veio a ser a entidade. A UNE, quando fundamos, foi a realização concreta daquilo que nós queríamos: uma organização que uniu e dirigiu os estudantes, democraticamente, com um programa nacional libertador”, relembrou.
Nova geração
Para a atual vice-presidenta da UNE, Clarissa Alves da Cunha, que começou sua militância no movimento estudantil no ano da retomada do terreno, a construção da nova sede da entidade tem uma grande importância simbólica e representa a vitória definitiva dos estudantes contra a violência e a arbitrariedade da ditadura militar:
“Esse terreno carrega uma parte muito grande da história do movimento estudantil e da trajetória das lutas populares desse país. Foi aqui que os estudantes lutaram contra o nazi-fascismo em 1942 e foi aqui que os estudantes se reuniram na tentativa de resistir ao golpe de 64. Não é por acaso que um dos primeiros atos do regime militar foi incendiar a nossa sede. Para mim é muito emocionante fazer parte da gestão que vai trazer definitivamente a UNE de volta para casa. Uma conquista que só foi possível graças as lutas de todos e todas que construíram a história dessa entidade”, disse.
Clarissa destacou também o novo momento pelo qual passa a entidade. Se em toda sua história a UNE representou a luta contra a perda de direitos, na atual conjuntura a entidade tem conseguido se dedicar à luta pela ampliação das conquistas sociais. A aprovação das cotas para as universidades federais, as pautas feministas e a luta pelos 10% do PIB para a educação fazem parte da atual etapa.
Militante em uma época em que os estudantes lutavam contra o desmonte do Estado – promovido pela avalanche neoliberal da década de 90 – o historiador Darlan Montenegro, vice-presidente da UNE na gestão 93/95, lembrou o quanto foi difícil o processo para a retomada do terreno, mesmo depois do fim do regime militar.
“A perda do terreno teve um significado de derrota para o movimento estudantil e para a esquerda de forma geral. A retomada do local, mesmo depois do fim da ditadura militar, foi um processo difícil. Em 1994 houve uma primeira movimentação nesse sentido, quando o então presidente Itamar Franco se comprometeu a devolver oficialmente a escritura do terreno para a entidade. Esse ato, porém, foi meramente simbólico e não teve continuidade. Durante os oito anos do governo FHC esse processo ficou parado e só foi retomado com a eleição de um governo de esquerda. Impressiona o tempo que isso levou. Esse é um exemplo da força que a ditadura militar tem mesmo depois do seu fim”, afirmou.
Histórico
O terreno localizado da Praia do Flamengo faz parte da história da entidade desde 1942, época em que o movimento estudantil lutava contra o nazi-facismo. Na época, a entidade invadiu o local onde existia o prédio do Clube Germânia – reduto de simpatizantes do Nazismo. Pouco tempo depois, o Presidente Getúlio Vargas deu definitivamente o prédio para a UNE, que usou o endereço como sede até 1964, quando no primeiro ato de arbitrariedade da ditadura militar o edifício foi incendiado, dando ao país uma prévia dos anos de chumbo que viriam pela frente.
Nos anos 80, o prédio, que estava condenado, foi demolido e ocupado ilegalmente por um estacionamento. Em 1994, atendendo a uma reivindicação dos estudantes, o Presidente Itamar Franco devolveu simbolicamente a escritura do terreno para a UNE. Apesar deste ato, as dificuldades da justiça e a falta de vontade do governo da época impediram que a entidade tomasse posse da propriedade.
Diante da morosidade da justiça, os estudantes resolveram agir e ocupar o terreno, em 2007, para agilizar o processo e garantir a posse definitiva do espaço. Cerca de 150 estudantes montaram então um acampamento permanente, que recebeu um forte apoio da população carioca. Além dos vizinhos do terreno, político, artistas e outras personalidades visitaram o local para manifestar publicamente seu apoio à iniciativa. A movimentação teve o primeiro resultado concreto no dia 12 de fevereiro daquele ano, quando o juiz Jaime Dias Pinheiro Filho, da 43ª Vara Cível do Rio de Janeiro, decidiu manter suspensa uma liminar de reintegração de posse do terreno pedida pelos advogados do invasor. Esse foi o primeiro passo para a garantia jurídica da retomada. Em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do lançamento da pedra fundamental da nova sede da UNE.
* Rodrigo Mathias é jornalista e redator do site da DS.
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