Do Opera Mundi
As eleições primárias realizadas neste domingo (30/06), no Chile, confirmaram a tendência de uma vitória arrasadora de Michelle Bachelet, não só na eleição interna entre os candidatos da oposição como no quadro geral das primárias. Com mais de 1,5 milhão de votos, a ex-presidente tornou-se a candidata oficial da coalizão Nova Maioria (antiga Concertação) para as eleições do próximo dia 17 de novembro. Ela irá disputar a eleição presidencial com o conservador ex-ministro Pablo Longueira, apoiador do ditador Augusto Pinochet.
Os números de Bachelet são contundentes. Considerando somente as primárias da oposição, ela obteve 73% dos votos. No segundo lugar, o independente Andrés Velasco (que foi ministro de Economia do seu governo) conseguiu 13%, com uma desvantagem de cerca de 1,2 milhão de votos. Também participaram da disputa oposicionista o democrata-cristão Claudio Orrego (9%) e o social-democrata José Antonio Gómez (5%).
No quadro geral das eleições primárias — ou seja, somando os votos das primárias governistas e com os da oposição –, a ex-presidente aparece com 53%. O resultado demonstra, portanto, a real possibilidade de que Bachelet vença as eleições já no primeiro turno. Pouco mais de três milhões de chilenos (o equivalente a 23% do universo de eleitores do país) votaram nessas primárias, que escolheu os representantes dos dois conglomerados políticos mais importantes.
Após a consolidação dos resultados e com o reconhecimento declarado pelos três concorrentes, Bachelet destacou que “essa vitória significa que as chilenas e chilenos querem reformas sociais e políticas no país. Confiaram no compromisso que nós assumimos com por uma nova constituição, com a educação gratuita e com o trabalho para acabar com a desigualdade social”.
Primeira mulher presidente do Chile, a socialista Michelle Bachelet terminou seu mandato (2006-2010) com aprovação de 76%, e meses depois assumiu o cargo de secretária-geral da ONU Mulheres, agência ligada às Nações Unidas responsável por programas direcionados à defesa dos direitos das mulheres no mundo.
Por outro lado, ela também tem sido uma das figuras políticas mais criticadas pelo Movimento Estudantil desde 2011, por seu governo ter mantido o atual sistema educacional, com reformas mínimas. Apesar de ter absorvidos algumas das demandas estudantis durante a atual campanha (como educação pública gratuita e assembleia constituinte), a candidata continua a ser olhada com desconfiança por alguns líderes sociais.
A massiva votação de Bachelet também marcou uma derrota da estratégia governista de culpar a ex-presidente pelas mortes causadas pelo último grande terremoto que sacudiu o Chile, em fevereiro de 2010 (8,8º na Escala Richter). Atualmente, Bachelet é ré em um processo que tramita na Corte de Apelações de Santiago, acusada de negligência, por supostamente ter descartado a possibilidade de tsunami minutos depois de ocorrido o sismo.
O tsunami aconteceu, e foi o principal responsável pelas 552 mortes ocorridas naquele dia. Porém, as três cidades atingidas pelo tsunami estão entre as que Bachelet obtém algumas de suas maiores votações: 84% em Dichato, 77% em Constitución e 79% em Talcahuano.
Adversário pinochetista
Pelo lado governista houve surpresa, e um resultado muito mais apertado. O ex-ministro de Defesa, Andrés Allamand, do partido Renovação Nacional, mantinha um pequeno favoritismo segundo as pesquisas, mas perdeu por pouco mais de 22 mil votos para o ultraconservador Pablo Longueira, da UDI (União Democrata Independente), que reuniu 414 mil votos. Em termos de porcentagem, Longueira obteve 51% dos votos do seu conglomerado.
O resultado respinga um pouco no atual presidente chileno, Sebastián Piñera, já que Allamand, candidato do seu partido, é considerado o principal ideólogo de seu projeto político — em 2007 ele lançou um livro chamado El Desalojo (O Despejo), no qual descrevia o plano pelo qual Piñera iria “despejar” Bachelet e a Concertação do Palácio de La Moneda, e iniciaria uma dinastia de direita no poder.
Outro fator inesperado na vitória de Longueira é o fato dele ter tido pouco tempo de campanha. Até o final de abril, o candidato da UDI para as primárias era o ex-ministro de Minas e Energia Laurence Golborne, herói do resgate dos mineiros, em 2010. Porém, um escândalo surgido por uma suposta conta secreta nas Ilhas Virgens levou o candidato a desistir da disputa. Longueira assumiu o seu lugar, apesar da desvantagem de largar atrasado, e conseguiu reverter o quadro.
Ao comentar o resultado das primárias, na sede da UDI, Longueira classificou a vitória de virada sobre Allamand como um indício de que pode fazer o mesmo contra Bachelet no dia 17 de novembro. “Se em dois meses, conseguimos surpreender nas eleições primárias, tenho certeza que em cinco meses poderemos fazer muito mais para vencer Bachelet, e manter no poder essa nova direita com vocação social que representamos”.
No quadro geral das primárias, entretanto, Longueira obteve somente 14% dos votos totais. Os dois candidatos governistas juntos obtiveram cerca de 800 mil votos, pouco mais da metade dos obtidos por Bachelet na mesma jornada.
Passado pinochetista
Pablo Longueira é um engenheiro de 55 anos. Começou sua carreira política como ativo participante dos grupos estudantis de apoio à ditadura – em 1981, o próprio Pinochet o nomeou presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile. Cinco anos depois, como líder da Juventude UDI, organizou um linchamento contra o senador norte-americano Edward Kennedy, considerado responsável pelo embargo econômico contra o Chile, e que naquela ocasião visitava organizações de direitos humanos.
Membro do Opus Dei, Longueira tem nove filhos e defende um projeto mais conservador em termos de valores, prevendo maior participação da Igreja Católica na vida social chilena. Também fez duras críticas às leis de imigração, que ele considera permissivas, e diz que um governo seu será mais enérgico com os imigrantes ilegais.
No governo de Piñera, Pablo Longueira foi ministro de Economia, onde se destacou por medidas como a nova Lei de Pesca, considerada pelos pescadores artesanais como um processo de privatização do mar chileno. Também foi um dos que desenhou o processo de licitações das jazidas de lítio, que terminou em polêmica no ano passado. Neoliberal, o candidato defende que o atual modelo econômico precisa enxugar mais o Estado e buscar um cenário que favoreça a competitividade e o empreendimento.
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