O que chocou a opinião pública e sobretudo membros e simpatizantes do PT foi a revelação de que até ele utilizava métodos que sempre denunciou e combateu
Publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo, de 04/06/2006. Se preferir, clique aqui para ler o artigo no seu local original (para assinantes).
PAUL SINGER
No último ano, o mundo político brasileiro viveu uma conjuntura dominada por denúncias de escândalos envolvendo parlamentares, que receberam recursos não declarados, de origem inconfessável, encaminhados pela tesouraria do Partido dos Trabalhadores. A conduta dos parlamentares foi considerada contrária ao decoro parlamentar e (até agora) três parlamentares foram cassados. Um dos indiciados ainda não foi julgado e todos os demais foram absolvidos por seus pares.
O que chocou a opinião pública e sobretudo membros e simpatizantes do PT foi a revelação de que até ele utilizava métodos que sempre denunciou e combateu. Como se trata do maior partido brasileiro e que recentemente conquistou a Presidência da República, a decepção e a revolta da opinião pública foram imensas. Durante meses a fio, oposicionistas exigiram não só a punição dos parlamentares incriminados mas até mesmo a cassação do registro do PT e o impeachment do presidente. Comprovou-se, porém, que o fornecedor dos recursos distribuídos pelo PT já havia prestado o mesmo serviço aos tucanos mineiros na campanha eleitoral de 1998. Com o passar do tempo, diligências da Polícia Federal trouxeram à luz novos escândalos, deixando claro que tais delitos e alguns piores são praticados por dirigentes e parlamentares de quase todos os partidos.
Tão logo os fatos vieram à luz, o PT substituiu sua direção nacional e depois expulsou de suas fileiras Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, que assumiu a responsabilidade pela distribuição clandestina de dinheiro. Grande parte do partido reprovou publicamente a conduta de sua antiga direção e nas eleições diretas que, em setembro de 2005, renovaram as direções nacional, estaduais e municipais do PT, a maioria das discussões girou sobre o que fazer para extirpar essas práticas da vida partidária. O 13º Encontro Nacional do PT, em abril deste ano, adotou uma resolução neste sentido, encarregando a direção nacional de investigar os delitos cometidos e punir os culpados.
O que aconteceu com o PT não foi um desvio de conduta de alguns membros, mas a gradual assimilação de métodos de ação que caracterizam a política profissional em quase todos os países capitalistas democráticos. O sufrágio universal garante a igualdade de direitos políticos de todos os cidadãos, mas o funcionamento da economia produz e reproduz enorme desigualdade de fortuna entre os mesmos. A minoria rica e poderosa estaria à mercê da maioria de eleitores pobres e remediados, se não fosse possível conquistar boa parte de seus votos usando a força do dinheiro nas disputas eleitorais. Poderosos grupos empresariais, cujos interesses dependem de quem está no governo, passaram a contribuir fortunas para campanhas eleitorais de candidatos em que tinham razões para confiar.
Grandes aportes aos candidatos amoldáveis aos interesses da elite tornaram as campanhas muito dispendiosas.
Surgiu verdadeira indústria de serviços a candidaturas: pesquisas de opinião diárias, marketing televisivo, relações públicas etc. As campanhas produzidas por essa indústria são todas semelhantes e vendem seus candidatos por supostas qualidades pessoais e não políticas. Por efeito das mesmas, o eleitorado foi sendo despolitizado e condicionado ao virtuosismo do marketing.
O acesso a fundos milionários passou a ser condição essencial para qualquer candidato ter chances de vitória.
Nos países industrializados, muitos partidos de esquerda entraram na caça às contribuições e traíram suas plataformas, uma vez no governo. Nenhum outro destino espera o PT, a não ser que consiga criar uma estratégia eleitoral e política que politize suas campanhas, com idéias e propostas, em vez de procurar seduzir o eleitor com imagens. O que certamente exigirá um empenho sistemático de toda a militância para repolitizar, mesmo fora das épocas eleitorais, os setores desfavorecidos do eleitorado.
Esse é o desafio com que se defronta o PT. E os demais partidos? Nenhum outro partido atingido por esse e outros escândalos, pelo que se sabe, depôs sua direção ou excluiu alguém de suas fileiras. A mídia centra todas suas críticas e cobranças no PT. Ao que parece, é só deste partido que se espera autocrítica e mudança de rumo. A palavra agora está com os petistas, que têm a sorte de ter um partido em que a decisão final é tomada pelo voto das bases.
Paul Singer, 74, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).
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