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Bandeira: um símbolo banalizado

O uso mercadológico das bandeiras partidárias e de candidaturas nessa eleição, em Sergipe, enodoa todo um conjunto de simbologias que têm acompanhado o significado das bandeiras ao longo dos tempos.

FREDERICO LISBÔA ROMÃO*

Assistimos ao avanço do mundo das mercadorias por sobre algo, até pouco tempo, ostentado como o sagrado, notadamente para as organizações de esquerda nos tempos mais recentes. Nessas eleições, para aqueles que as portam, as bandeiras perderam seu valor de uso, restando-lhe apenas o valor de troca (MARX, 1893).

Desde, pelo menos, a Idade Média, existem registros da utilização das bandeiras no mundo. Apresentam-se na forma de um pedaço de pano com uma ou mais cores, e/ou com legendas, hasteadas normalmente em um pau. As bandeiras têm sido utilizadas como símbolo denotativo de soberania e organização. Representam reinos, exércitos, coroas, nações, partidos e mesmo famílias. As bandeiras têm servido para identificar, em última análise, as idéias ou ideologias  professadas por aqueles que estão sob seu manto, por aqueles que as portam.

No front militar, a águia era a insígnia portada à frente pelas legiões romanas. Identificava também conjunto de vassalos que lutavam sob o comando de determinado senhor. Nos exércitos serviam para identificar a posição dos comandantes, o lugar no qual os seus comandados deveriam se reunir.

Organizações religiosas e folclóricas também têm prestado ao longo do tempo reverência às bandeiras. Diversas festas populares reverenciam-nas. As corporações de trabalhadores também as utilizavam como elemento identitário. No mundo ocidental, categorias específicas, a exemplo dos mineiros ingleses, ainda hoje possuem seus estandartes, postos sempre em local de relevo e utilizados quando dos seus atos e manifestações. No Brasil as organizações sindicais também as possuíam. Em Sergipe, os sindicatos de trabalhadores, no alvorecer das lutas operárias no início do século XX, igualmente costumavam ter suas bandeiras (Romão, 2000).

Não obstante toda esta importante história real e simbólica, a envolver o conceito de bandeira, nessas eleições em Sergipe, tudo isso foi grandemente posto de lado. Assiste-se deprimente espetáculo nos sinais de trânsito de Aracaju e do interior também. Mulheres e homens, na maioria jovens, seguram as bandeiras de candidatos e partidos, em uma grande profusão de cores e letras apartadas de sentido.

É visível o desapego daqueles que seguram as bandeiras com as mesmas. Na maior parte do tempo, os homens e mulheres apenas as seguram, não as faz tremular. São bandeiras que não vibram, permanecem como corpos inertes, dependurados. Esse cenário só se modifica ante o grito do cabo de turma. O líder militante foi substituído pelo encarregado.

Os trabalhadores que seguram as bandeiras nos sinais e caminhadas não são os militantes de outrora. São “trabalhadores de eleição“. Não portam suas bandeiras, mas as idéias de outrem. Não defendem ideais, buscam parcas remunerações ao fim de extenuantes jornadas. São trabalhadores precarizados. Sem nem mesmo possuir a proteção da sexagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Não menos grave e surpreendente é perceber que a mercantilização das bandeiras atinge a grande maioria das agremiações partidárias; nesse quesito, não existe, em grande medida, diferença ideológica. Partidários de “esquerda” e de direita fazem igual uso das bandeiras como mercadoria. Essa seria a triste novidade nessa eleição: observar candidatos defensores de “ideários democráticos e revolucionários” se rendendo a práxis de candidatos assumidamente liberais e conservadores.

No afã de se contrapor à guerra visual, algumas candidaturas de esquerda contribuem igualmente para banalizar o uso das bandeiras e precarizar o mundo do trabalho. De tal sorte, conformando um denunciador e degrandante cenário.

*Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP – fredericoromao@uol.com.br

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