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“Brasil precisa discutir se quer rural com ou sem gente”

Em entrevista à Carta Maior, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, faz um balanço de quase oito anos das políticas de Reforma Agrária do governo Lula. Cassel assinala que 59% de todas as famílias assentadas na história do país, o foram durante o governo Lula, que já destinou 45 milhões de hectares de terra para Reforma Agrária.

Marco Aurélio Weissheimer

O ministro reconhece, por outro lado, que ainda há muito que fazer para construir uma estrutura fundiária mais equilibrada no país. E destaca o crescimento da agricultura familiar no país e a importância da diversidade de populações rurais no Brasil. A agenda da Reforma Agrária, conclui, está muito mais diversificada, não se restringe mais a uma questão meramente fundiária e está diretamente ligada aos temas da segurança alimentar, da matriz energética e das mudanças climáticas no planeta. Todas elas, enfatiza, passam pelo tipo de modelo desenvolvimento rural que queremos.

Após quase oito anos, há mudanças significativas no meio rural brasileiro. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 2003 e 2008, cerca de 24 milhões de brasileiros superaram a condição de pobreza. Destes, 4,8 milhões são moradores do campo, o que corresponde a aproximadamente 17% da população rural. A taxa de pobreza nas áreas rurais caiu de 55% para 39%. No mesmo período, a renda média da Agricultura Familiar cresceu 30% em termos reais, enquanto a renda média brasileira cresceu 11%.

Esses números são apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário como resultado da construção de um colchão de renda no país, com o fortalecimento das economias das pequenas cidades e do campo, através de políticas de crédito, assistência técnica, seguro agrícola, política de preços e compras governamentais.

Leia a entrevista abaixo.

CARTA MAIOR: De um modo geral, há dois tipos de críticas dirigidas à agenda da Reforma Agrária no governo Lula. Um que vem da direita, dos setores mais conservadores, que são contra a existência de um ministério para este fim, que dizem que se trata de um desperdício de recursos público e que o MDA é um braço do MST. E o outro tipo de crítica vem de setores à esquerda, do próprio MST, que sustentam que a Reforma Agrária é uma das coisas que não avançou no governo Lula. Qual a sua opinião sobre essas críticas?

GUILHERME CASSEL: Em primeiro lugar, acho que devemos ter um balanço sensato e equilibrado sobre a Reforma Agrária. Não dá para fazer uma conversa maniqueísta sobre Reforma Agrária, se andou ou não andou. Um bom ponto de partida é olhar o atual ambiente brasileiro no que diz respeito a esse tema. O estoque de Reforma Agrária no Brasil até hoje é de quase um milhão de famílias assentadas. Isso é tudo que foi feito de Reforma Agrária até hoje na história do Brasil. Deste total, 590 mil foram assentados nos últimos oito anos. Ou seja, 59% das famílias assentadas na história do país, o foram durante o governo Lula, que já destinou 45 milhões de hectares de terra para Reforma Agrária.

Isso é suficiente para mudar a estrutura fundiária brasileira? Não, isso não é suficiente. Precisamos continuar fazendo Reforma Agrária para termos uma estrutura fundiária mais equilibrada no país. O Brasil é um país que ainda tem muita concentração fundiária. Agora, também é verdade que o Brasil mudou nestes últimos 8 anos e o tema fundiário não deve mais ficar restrito à Reforma Agrária clássica. Durante muito tempo, nos acostumamos a pensar o Brasil rural como se fosse dividido entre “com terra” e “sem terra”. O país tem, de fato, com terra e sem terra, mas tem muito mais do que isso. A situação é muito mais complexa. O Brasil tem extrativistas, ribeirinhos, varzeteiros (pessoas que moram em regiões de várzea e quando as águas sobem precisam recuar), indígenas, pescadores, quilombolas. Ou seja, há uma diversidade de populações rurais no Brasil com problema de terra que não se resume só à questão da Reforma Agrária. A Reforma Agrária é evidentemente um tema no Sul no país. No Norte, o tema é regularização fundiária, é garantir título de terra para quem – há 30, 40 anos – ocupa uma terra pública e produz. Para as populações indígenas, o tema é demarcar reservas. Para as populações quilombolas é reconhecer seu direito à sua terra. Em resumo, temos uma diversidade hoje que não aparecia no Brasil e que também deve ser tratada.

É lógico que existe uma questão da Reforma Agrária no Brasil: como é que se constrói uma estrutura fundiária mais equilibrada. Nós temos três instrumentos para tratar dessa questão. O primeiro deles é o da Reforma Agrária clássica: desapropriar latifúndio improdutivo para produzir alimentos para o país. O segundo, tão importante quanto o primeiro, é regularização fundiária, um problema especialmente no Norte do país, mas também no Nordeste, onde a grande maioria dos agricultores não têm título da terra. O terceiro é crédito fundiário para as populações que não são sem terra. No sul do país, por exemplo, filho de agricultor que quer continuar na terra produzindo precisa ter acesso ao sistema de crédito para comprar terra.

A questão agrária brasileira mudou nos últimos anos. Em primeiro lugar, porque assentamos muita gente. Em segundo, porque não temos mais hoje a tensão que havia antes. Como há muito emprego nas cidades, não há um contingente muito grande de pessoas sem esperança querendo voltar para o campo. Essa demanda diminuiu muito. Nosso desafio hoje, considerando esse cenário, é construir outra estrutura agrária reconhecendo populações que eram invisíveis até então.

CARTA MAIOR: Quando falamos deste Brasil Rural, de que universo estamos falando quantativamente? Qual o tamanho do Rural brasileiro?

GUILHERME CASSEL: O Censo do IBGE, considerando apenas a população rural, fala em algo entre 15 e 20 milhões de habitantes. Hoje, o conceito que vem sendo mais utilizado, inclusive na academia (é o conceito com que José Luis da Veiga trabalha), parte da idéia de que os municípios com menos de 50 mil habitantes têm uma característica econômica e cultural marcadamente rural. Esses municípios têm uma intersecção com o rural muito grande. Por esse critério, cerca de 32% da população brasileira têm a ver com meio rural, é impactada por esse meio. Isso significa um universo de cerca de 55 milhões de pessoas. Acho que esse é um bom critério.

Trata-se de um contingente muito grande de pessoas que abre uma outra discussão. No Brasil, a partir dos anos 60, a nossa geração foi impactada por uma experiência de industrialização e urbanização muito forte. Essa experiência marcou em nosso imaginário a idéia simplificada de que a cidade é algo bom e o rural é o atrasado. O agricultor bem sucedido é aquele que conseguia mandar os filhos estudar na cidade, que dava uma oportunidade a eles de sair do campo. Creio que esse tipo de percepção começa a mudar agora. Em primeiro lugar, porque estamos vivendo um processo de esgotamento das cidades. Muitos dos problemas de má qualidade de vida hoje nas cidades só terão uma solução adequada com um rural com gente. Precisamos de mais equilíbrio entre o urbano e o rural, seja do ponto de vista numérico, seja do ponto de vista de qualidade de vida. Hoje, garantir qualidade de vida no meio rural significa, entre outras coisas, resolver problemas das grandes cidades.

Outro tema que precisa ser levado em conta é o surgimento de uma grande novidade neste início de século XXI. Há três agendas que estavam subsumidas e que se deslocaram para o centro das preocupações de todos os países e organismos internacionais: segurança alimentar, mudança climática e construção de outra matriz energética que supere a atual baseada em combustíveis fósseis. A maior ou menor capacidade de um país resolver estas três agendas estará muito vinculada à sua capacidade de se desenvolver e de ocupar um lugar central no mundo no decorrer do século XXI.

Essas três agendas têm um ponto em comum: as três têm a ver com desenvolvimento rural, com agricultura familiar e com a idéia de um rural com gente. Tudo isso junto está revalorizando o rural. Estamos entrando em um século onde o rural deve ganhar de novo um certo relevo. O mundo hoje se preocupa com segurança alimentar, se preocupa com a qualidade dos alimentos, com o meio ambiente. E tudo isso tem a ver com o meio rural.

CARTA MAIOR: Normalmente as críticas se dirigem à Reforma Agrária. Se tomamos o nome do ministério ele não é da Reforma Agrária, mas sim do Desenvolvimento Agrário. E considerando essas três agendas que se cruzam e que apontam para um novo debate envolvendo o campo, parece que, de fato, o principal trabalho do MDA não se esgota mais no tema restrito da Reforma Agrária…

GUILHERME CASSEL: Eu sou favorável a transformar o ministério em um Ministério do Desenvolvimento Rural. Acho que seria mais correto. Estamos vivendo um momento impressionante. O Brasil não é o que era há oito anos. Quando assumimos o ministério com Miguel Rossetto, tínhamos 300 mil pessoas acampadas em beira de estrada. Eram pessoas que tinham perdido terra por falta de política agrícola e que não tinham expectativa de emprego nas cidades. O Brasil cresceu e se desenvolveu nos últimos anos e não tem um problema grave de desemprego. Como houve a implementação de políticas como seguro agrícola e crédito, as pessoas não perderam suas terras. Você pode viajar hoje pelo país e encontrará pouqíssimos acampamentos de Reforma Agrária. Esses acampamentos estão praticamente vazios hoje. Essa demanda se esvaziou muito.

Ao mesmo tempo, à medida que o governo passou a entrar no rural essas novas populações apareceram e, com elas, apareceram também problemas novos. Hoje no Norte do país, todos os movimentos sociais e todos os governos estaduais concordam que o tema agrário central na região não é Reforma Agrária. Não faz nenhum sentido o governo federal desapropriar uma área no Norte do país, pagando por ela, quando 80% das terras são terras federais. O que é preciso fazer é desalojar quem está ocupando as terras ilegalmente, madereiros ilegais, quem está fazendo trabalho escravo, quem está desmatando, e colocar populações que trabalhem na terra. Essas populações só se tornaram visíveis agora. O Brasil não falava de extrativistas, de varzeteiros, de ribeirinhos, pescadores ou quilombolas. Tirar esse contingente da invisibilidade e colocá-los como atores sociais contemporâneos muda o enfoque da Reforma Agrária.

CARTA MAIOR: Considerando as três agendas citadas (segurança alimentar, mudança climática e matriz energética) e o atual padrão de concentração de terras no país em que estágio o Brasil estaria tomando como meta um modelo de desenvolvimento não destruidor do meio ambiente?

GUILHERME CASSEL: Acho que ainda estamos muito distantes dessa meta. O Brasil ainda é um dos países com a maior concentração fundiária do mundo e começa a pagar um preço por isso. O último estudo do IPEA sobre esse tema é muito interessante, especialmente se comparamos o Centro-Oeste do país com o Sul. Há dois modelos agrários vigorando hoje. Temos, no Centro-Oeste, uma agricultura altamente modernizada, com alta tecnologia, monocultura e grandes extensões de terra. E temos no Sul do país uma estrutura agrária mais diversificada, com presença forte de minifúndios e agricultura familiar. O estudo do IPEA mostra que, no Centro-Oeste, o PIB per capita foi o que mais cresceu no Brasil. Por outro lado, o Centro-Oeste é a região onde os índices de pobreza absoluta menos diminuíram (caíram só 12,7%). Já na região Sul, por outro lado, o PIB per capita aumentou bem menos, mas os índices de diminuição da pobreza aumentaram muito mais (47,1%).

Então, o que está acontecendo no Centro-Oeste é um crescimento com concentração. Cresce e não distribui. Alguns continuam enriquecendo, mas a pobreza permanece praticamente igual. Já na região Sul, o crescimento se dá com menos velocidade, mas com maior distribuição. E isso ocorre porque, na base de sua economia, a estrutura fundiária é mais diversificada. Essa é uma escolha que teremos que fazer: queremos crescer aceleradamente de modo concentrado ou crescer mais devagar distribuindo a riqueza para o conjunto da população? Penso que esse modelo da região Sul é muito mais adequado aos interesses da imensa maioria da população brasileira.

CARTA MAIOR: Esse padrão de maior concentração de terra está localizado mais na região Centro-Oeste hoje?

GUILHERME CASSEL: Sim, mais no Centro-Oeste. Nas décadas de 70-80 ocorreu uma corrida para esta região. Há uma área do Centro-Oeste brasileiro que tem hoje a maior produtividade agrícola do país. Ela é baseada em latifúndio, alta modernização, sementes transgênicas e monocultura de soja voltada para exportação. Isso deu resultado? Sim, deu resultado, tem muita rentabilidade. Mas é esse tipo de resultado que a gente quer? O que a gente quer é simplesmente mais e mais receita, ou uma agricultura que gere renda, mas que também garanta segurança alimentar, alimentos de qualidade, diversidade produtiva e distribuição de renda na base da sociedade. Não adianta nada alguns enriquecerem muito com uma pobreza enorme em volta. E nem estou falando no custo ambiental desse modelo, que é altíssimo.

CARTA MAIOR: Na sua gestão houve um debate mais aprofundado entre o MDA e o Ministério da Agricultura em torno dessa idéia de um novo modelo de desenvolvimento rural para o Brasil? Essas duas áreas dialogam ou não?

GUILHERME CASSEL: O Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário representam bases sociais diferenciadas. Isso causa uma tensão que nos coloca o desafio de trabalhar junto na medida do possível. Procuramos não transformar essa tensão em algo irracional ou antagônico. Neste sentido, acho que caminhamos bem nestes últimos oito anos. Não é uma caminhada fácil, considerando o ambiente político em que vivemos. A gente costuma dizer que há dois modelos de agricultura convivendo no Brasil. Na verdade, eu acho que são três. Há a agricultura de base familiar, onde tem gente que produz muito com pouca terra, e, do outro lado, tem dois tipos de agricultura, ambos vinculados ao latifúndio. Há uma agricultura vinculada ao latifúndio que é moderna, produtiva, tecnificada e contribui muito do ponto de vista do equilíbrio econômico do país, da estabilidade das contas públicas. Mas há um outro setor vinculado ao latifúndio, especialmente no Norte e no Nordeste do país, que é atrasado, que produz mal, com baixo padrão de produtividade, que pratica trabalho escravo, que faz desmatamento e extração ilegal de madeira, que empobrece o solo e envenena rios.

Há um setor da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) hoje que está ingressando com ações judiciais contra o Ministério Público porque este está exigindo que a população tenha direito a consumir carne com selo verde (que não seja fruto de práticas como desmatamento e de trabalho escravo). Isso é um atraso monumental. Como esse setor tem força política, ele acaba emperrando essa discussão sobre um novo padrão de desenvolvimento rural, que deveria ocorrer em um ambiente mais equilibrado.

CARTA MAIOR: E com os movimentos sociais do campo, esse debate vem ocorrendo?

GUILHERME CASSEL: Acho que esse debate avançou. Um bom critério para avaliar esse ponto é olhar a pauta dos movimentos sociais. Se olhamos para a pauta do MST, da Contag ou da Fetraf, em 2003,2004, e para a pauta dessas entidades hoje, veremos que ela está muito mais aberta e diversificada. A pauta de 2003, por exemplo, dizia: precisamos de seguro agrícola. Nós já temos seguro agrícola de clima e de preço funcionando e incorporados como uma coisa natural. A pauta de 2003 pedia mais recursos de crédito para a agricultura familiar. Estamos agora com 16 bilhões de crédito e, nos últimos anos, sempre tem sobrado recursos deste crédito. Temos também política de garantia de preço mínimo para a agricultura familiar. Então muita coisa mudou e os agricultores foram impactados positivamente por essa mudança. Aquele discurso sectário de alguns anos atrás, que dizia que nada estava avançando, que o governo só estava beneficiando os grandes, não tem mais lugar hoje, porque a vida das pessoas mudou.

De 2003 para 2008, a taxa de pobreza nas áreas rurais caiu de 55% para 39%. Mais de 4,8 milhões de pessoas saíram da condição de pobreza na área rural. A renda média no país aumentou 11% neste período. Na agricultura familiar aumentou 30%. Vou citar outro dado importante. Se pegarmos o período entre 1996 e 2006, a agricultura brasileira tinha incorporado em suas propriedades 7.200 tratores. Com o nosso programa Mais Alimentos, em um ano e meio, só a agricultura familiar incorporou 30 mil tratores em suas propriedades. Ou seja, há um sentido novo no rural brasileiro que é expresso por esses números. Depois que o Censo Agropecuário de 2006 mostrou que a agricultura familiar é 89% mais produtiva por hectare que a agricultura patronal, fica claro para todo mundo que, quanto mais agricultura familiar tivermos, melhor será para o Brasil.

CARTA MAIOR: As feiras nacionais de agricultura familiar promovidas pelo MDA em Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre foram muito bem recebidas pelas populações destas cidades. Nas suas andanças pelo país, o senhor percebe uma mudança de percepção junto à população urbana sobre a importância deste tipo de agricultura?

GUILHERME CASSEL: Espero não estar sendo muito pretensioso, mas acho que introduzimos o tema Agricultura Familiar no vocabulário nacional. As pessoas não sabiam o que era a agricultura familiar e tinham até um preconceito em relação a ela. O que estava construído n0 imaginário brasileiro era um Rural dividido em duas partes: os grandes, com muita terra e equipamentos, modernos e produtivos; e os demais (agricultores familiares, assentados) que faziam parte de um espaço de pobreza, atraso e não-produção. Os próprios governos olhavam dessa maneira, tanto é que Reforma Agrária e Agricultura Familiar eram tratadas como políticas sociais. Uma das grandes novidades do governo Lula é olhar para esse setor e decidir que ele precisava de política econômica e não de política social, que precisava de crédito para produzir e não de cesta básica. Quando passamos a garantir crédito, assistência técnica, seguro agrícola e preço, ele respondeu com muita rapidez.

Hoje a população sabe que 70% daquilo que ela consome no dia-a-dia é produzido pela agricultura familiar. O que vimos nas feiras realizadas em Brasília, no Rio e em Porto Alegre é que o encontro da população urbana com a agricultura familiar é marcado por um encantamento muito grande de parte a parte.

CARTA MAIOR: Voltando a um outro tema ligado à questão fundiária: a compra de terras por estrangeiros no Brasil é um problema?

GUILHERME CASSEL: Sim. É um problema sério. A nossa legislação está parada nos anos 90, quando houve uma certa histeria neoliberal no país, que significou, entre outras coisas, a retirada de muitos mecanismos de controle. Nós procuramos enfrentar esse problema junto com o Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça tem baixado portarias orientando os cartórios a pelo menos não fazer registros de novas compras de propriedades antes de informar o Incra. Precisamos avançar no sentido de limitar esse tipo de compra. Trata-se de um assunto ligado à soberania e à segurança nacional. Não há nenhuma xenofobia aí. Não há nenhum problema em existir investimentos internacionais em determinados setores. Agora, ser dono da terra é outra coisa. O território brasileiro é um território finito e ele tem que ser, preferencialmente, para os brasileiros.

CARTA MAIOR: E sobre o futuro, quais devem ser as prioridades do MDA para os próximos anos?

GUILHERME CASSSEL: O Brasil precisa discutir de forma mais clara – o que não tem ocorrido nos últimos anos – qual é o papel do rural no seu projeto de desenvolvimento. A gente costuma pensar o desenvolvimento principalmente a partir da indústria e dos serviços. Mas qual é o papel do rural? E que rural nós queremos? Um rural com gente ou sem gente? Eu acho que precisa ser um rural com gente e o primeiro passo para isso é mudar a estrutura fundiária do país. Precisamos ajustar índices de produtividade, precisamos criar mecanismos mais ágeis de desapropriação, discutir seriamente a questão do limite das propriedades…

CARTA MAIOR: Há espaço político para temas como o da revisão de índices de produtividade avançar? Até hoje, essa questão é totalmente barrada no Congresso pela bancada ruralista e seus aliados.

GUILHERME CASSEL: Acho que o Brasil está mudando e a correlação de forças no próximo período deve mudar também. Espero que as mudanças que ocorreram no meio rural acabem se refletindo também no plano político. Eu sou otimista sobre esse tema e acho que estamos caminhando para construir uma correlação de forças mais equilibrada e retomar um ambiente de discussão menos maniqueísta. Qualquer país desenvolvido na história contemporânea discutiu a reforma agrária, a questão do limite das propriedades, da função social da terra. Esses temas ainda são muito contaminados no Brasil. Eles precisam ser descontaminados e debatidos com mais equilíbrio. É uma condição necessária para o país crescer de modo mais harmônico e equilibrado.

No terreno da política agrícola, acho que somos exemplares do ponto de vista de crédito, de seguro e de assistência técnica, mas ainda precisamos avançar bastante em garantia de renda e de preço para os agricultores e também na questão do cooperativismo de produção.

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