É brutal a ofensiva do governo Michel Temer no campo da educação: fim da Conferência Nacional de Educação (Conae), desfiguramento do Fórum Nacional de Educação, antirreforma do Ensino Médio, aprovação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é, ao mesmo tempo, ultraconservadora e ultraliberal, afrontas à autonomia universitária e, mais recentemente, o descarte do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi ) e a ameaça de ministrar 40% do conteúdo curricular do ensino médio de forma não-presencial.
São ataques em todas as frentes, unificados de forma mais efetiva pela vigência da Emenda Constitucional do Fim do Mundo (a EC 95), que assegura, na prática, a impossibilidade de que o Plano Nacional de Educação de 2014, aprovado por unanimidade no Congresso, seja tirado do papel.
Se nesse cenário de guerra identificamos a movimentação obscurantista dos “partidários” da “Escola Sem Partido”, mais o clamor (vitorioso na Base Nacional Comum Curricular — BNCC) dos que se opõem à discussão da categoria de gênero na escola, a algaravia pode nos aturdir e prejudicar a compreensão do processo que está em curso.
Essa desconstrução da Constituição de 88, a perversão do direito à educação cidadã, laica e universal, transformada em mercadoria barata ou fina, é parte prioritária do movimento do governo. Sua plena compreensão requer, entretanto, que todas estas iniciativas sejam inscritas na onda de radicalização neoliberal que, no mundo, elege como sua inimiga a democracia.
Já existe abundante literatura acadêmica sobre a invasão, nos mais prestigiosos centros universitários internacionais, do entendimento de que a finalidade essencial da educação é a formação de capital humano.
O advento da quarta revolução tecnológica e o predomínio incontrastado do capitalismo financeiro em todas as órbitas econômicas impõem essa outra derrota ao Iluminismo: não se trata mais de formar o “cidadão autônomo” para habitar uma esfera pública em que o seu conhecimento e a sua opinião sejam elementos da soberania popular; trata-se agora de formar um indivíduo que se produz e se legitima exclusivamente pelo seu valor de mercado. O ideal de uma educação democrática e popular, mesmo sob fogo cerrado, é a bandeira a desfraldar.
Margarida Salomão é deputada federal (PT-MG)
Originalmente publicado em O Globo
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