* Por Rafael Rezende, no blog Cachaça Crítica
No último 11 de setembro, completou-se 40 anos do golpe civil militar no Chile, que derrubou o governo da Unidade Popular, comandada por Salvador Allende. Aquele país, que nos anos 1930 havia sido a primeira república socialista do continente – mesmo que por apenas treze dias – agora era lançado na vala comum das violentas ditaduras que dominavam a região. Estavam enterradas as esperanças de boa parte da esquerda mundial que via na experiência chilena “um modelo democrático, pluralista e libertário”¹. Era a possibilidade de provar a viabilidade da construção do socialismo através da democracia.
Apesar de fazer parte do mesmo ciclo de golpes civil militares, o caso chileno possui especificidades interessantes. A primeira é a ingerência direta dos EUA, que além dos tradicionais financiamentos a grupos ultra direitistas, “think tanks” liberais, ações de sabotagem e propaganda contra revolucionária, dessa vez planejaram e participaram da execução do golpe. Não é de se estranhar que só no primeiro ano o governo da Unidade Popular estatizou 47 indústrias, mais da metade do sistema financeiro e todas as jazidas de cobre do país. O Chile havia alcançado o pleno emprego, os salários estavam 40% mais altos² e a classe trabalhadora começava, mesmo que de forma bem limitada, a exercer algum poder. Nada pode assustar mais um capitalista do que a formação em tão pouco tempo de um cenário como esse.
A segunda especificidade para a qual quero atentar é a utilização do Chile como laboratório do neoliberalismo. Para isso é preciso compreender que muito mais do que um modelo econômico, o neoliberalismo é um projeto político. Esse projeto foi pensado e posto em prática por uma elite internacional com o intuito de restaurar seu poder de classe³. Essa elite elegeu o Chile, um país pequeno, com níveis sociais acima da média da região e lar de uma ditadura feroz, que atropelaria qualquer resistência da classe trabalhadora, como o espaço geopolítico ideal para a experimentação das políticas neoliberais que posteriormente seriam propagadas para o resto do mundo.
Muitos trarão números soltos para mostrar que no final das contas o Chile conseguiu um certo nível de desenvolvimento sob a égide do neoliberalismo. No entanto, esses mesmos negligenciam os montantes investidos pelos EUA naquela economia para que a mesma funcionasse razoavelmente bem. Trata-se do que Immanuel Wallerstein chamou de “desenvolvimento a convite” (4). Se bem analisada, é fácil perceber que a experiência chilena, na verdade, foi menos um laboratório de políticas econômicas do que um golpe de publicidade.
As vidas que foram ceifadas, as horas de tortura vividas por muitos, a repressão e o silêncio são o preço pago pelo povo chileno por viver num modelo que lhe foi imposto. Salvador Allende vive na esperança daqueles que sonham e lutam por um mundo onde os interesses de poucos não determinem a tragédia de muitos.
¹ Salvador Allende – A via chilena para o socialismo
² Gabriel García Marquez – Chile, o golpe e os gringos
³ David Harvey – O Neoliberalismo
4 Immanuel Wallerstein – The Capitalist World Economy
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