A extrema direita brasileira testa as defesas do estado democrático de direito, codificadas na Carta de 1988, a partir do controle oligárquico que exerce sobre o poder legislativo. Tal controle se viu reforçado na última década, desde o consulado de Eduardo Cunha, expresso hoje nas emendas impositivas que avançaram para o controle da peça orçamentária, sequestrando funções do executivo, até alcançar essa obra prima da engenharia institucional brasileira: o orçamento secreto.

O que converte o sistema político brasileiro numa espécie de parlamentarismo bastardo.
A milícia familiar de Bolsonaro, seu entorno fardado e as oligarquias que lideram a bancada parlamentar da extrema-direita correm contra o tempo para se antecipar à consumação do processo em curso no Supremo Tribunal Federal referente à conspiração desencadeada a partir da derrota eleitoral de outubro/novembro de 2022.
A acusação inclui, como sabemos, o estímulo e a organização dos acampamentos na porta dos quartéis reivindicando intervenção militar e a volta da ditadura, a depredação e o incêndio de veículos em Brasília, a tentativa de invasão das dependências da Polícia Federal, no 12 de dezembro, para criar o clima de instabilidade e tensão com vistas a impedir a diplomação do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.
A operação “Punhal verde-amarelo” revelada pela Polícia Federal, objetivava a execução do Presidente Lula e do vice-Presidente Alckmin eleitos no pleito de outubro de 2022, além do Ministro do Supremo Tribunal Federal, e Presidente do TSE, Alexandre de Moraes. O monitoramento de Moraes capturado nas mensagens de celulares dos envolvidos é mais do que um eloquente indício do que pretendiam os líderes do golpe.
A malsucedida tentativa de explodir um caminhão tanque no aeroporto de Brasília revelou a ousadia criminosa e a insanável incompetência dos aprendizes de terroristas e, por fim, a invasão e depredação das sedes dos três poderes da República testemunhada pela sociedade brasileira, no 8 de janeiro.
Para confirmar seu perfil e sua trajetória, desde a descoberta dos croquis dos quartéis de Realengo, nos anos 80, o principal líder e promotor havia fugido para os Estados Unidos. Desembarcou no aeroporto de Miami para escapar do flagrante da conspiração com o objetivo de dar um golpe de estado, anular as eleições em que fora derrotado, rasgar a Constituição de 88 e abolir violentamente o estado democrático de direito.
Em 1979 a Lei 6683 de 28 de agosto, já no 1o artigo tratou de garantir a impunidade da escória que atuara nos porões ao longo de duas décadas, praticando sequestros, prisões ilegais, torturas, mutilações, assassinatos e ocultação de cadáveres que posteriormente seriam incinerados com segurança para não deixar vestígios, nas dependências de usinas de açúcar como a Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
A ditadura, em declínio, soube naquele momento utilizar a imaginação inesgotável e o cinismo de juristas que mantivera ao seu serviço durante os anos de chumbo para dar forma e conteúdo aos Atos Institucionais com que governara o país, para uma última e preciosa contribuição: urdir a figura jurídica dos “Crimes conexos” e, a partir dela, assegurar a esdrúxula paridade entre torturados e torturadores, entre os algozes e as vítimas.
Os juristas cativos tiveram êxito no seu objetivo de assegurar-lhes a impunidade. Deixaram que a biologia se encarregasse deles. Muitos faleceram sem pagar pelos crimes contra a humanidade que cometeram. Outros seguem vivos, em idade provecta e ainda fora do alcance da justiça.
Utilizando-se da cobertura da Lei que permitiu o regresso dos perseguidos que se encontravam no exílio e nas prisões do regime – ressalve-se que nem todos os presos políticos foram libertados pelo ato de Figueiredo – a ditadura eximiu de culpa os torcionários que sequer foram levados a julgamento.
Servindo-se daquela experiência de 1979, a extrema-direita se empenha hoje em aplicar uma lei de anistia improvisada à horda de mentecaptos que assaltou as sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023, utilizando-os como escudo para proteger os criminosos que se serviram dos espaços do poder de estado, dos ministérios, dos órgãos de inteligência, da própria Presidência da República para tramar o golpe.
O PL que obteve o número de assinaturas dos parlamentares para tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados, constitui-se num atalho para assegurar a impunidade dos integrantes de uma organização criminosa que se articulou dentro do próprio aparato do governo para perpetrar um golpe de estado felizmente derrotado.
A sociedade brasileira deve manifestar-se por meio de suas instituições, partidos, sindicatos, fundações, movimentos sociais, redes, populares, culturais, estudantis, comunitários contra o PL que busca perpetuar a impunidade dos crimes cometidos contra a democracia e a soberania nacional.
Impunidade nunca mais!
Brasília, 21 de abril de 2025.
Pedro Tierra – Poeta, militante da resistência à ditadura de ontem e ao fascismo contemporâneo.