08 de julho de 2023
Mariana Janeiro e Joaquim Soriano
- A tensão central que marca a conjuntura nestes seis meses de governo é o esforço em defender os compromissos de campanha e o programa eleito e as forças do “mercado” – notadamente do capital financeiro e dos rentistas – e a maioria neoliberal e ultraconservadora do congresso nacional.
- Não vamos nos deter em avaliar o quanto “O Brasil Voltou”, pois, dentre outras, contamos com a apresentação que a companheira Miriam Belchior realizou no recente 26º Encontro do Foro de São Paulo. Disponível aqui.
- A eleição do presidente Lula trouxe um deslocamento significativo da capacidade de forças, mas ainda existem obstáculos para a realização de um programa de mudanças em benefício das maiorias. Portanto, o programa deve ser também uma via de mobilização. A unidade das forças de esquerda, democráticas e populares deve permanecer ativa para conquistar novas vitórias nas eleições municipais que se aproximam. É um erro considerar que a mudança possível já foi alcançada e começar a fazer concessões como método de governar.
- A definição do TSE pela inelegibilidade de Bolsonaro é um marco democrático importante no sentido de minar a estrutura e legitimidade deste movimento de características fascistas e antidemocráticas. Essa luta deve continuar, combinando a responsabilização jurídica dos envolvidos nos crimes cometidos pelo bolsonarismo com a disputa das bases sociais desse movimento, principalmente entre os setores populares e as classes trabalhadoras.
- Neste momento em que as lideranças da extrema-direita estão sendo julgadas, o seu braço fisiológico no congresso age com desenvoltura e impõe condições ao governo buscando torná-lo incapaz de realizar o programa eleito. A mobilização iniciada com o PPA é importante, mas deve culminar no lançamento do orçamento participativo nacional o mais breve possível, bem como a retomada da agenda da reforma política democrática pela esquerda. A governabilidade democrática é um desafio central a ser conquistado.
- A avaliação positiva dos primeiros seis meses de governo do presidente Lula e o bom momento da economia não devem nos impedir de apontar as insuficiências e riscos inerentes da política econômica até aqui adotadas. Em especial, a chamada autonomia do Banco Central e a nova regra fiscal.
- O Banco Central, sob direção de um bolsonarista neoliberal, apoiado na decisão antidemocrática de sua independência frente ao governo eleito, continua sendo o principal obstáculo à construção de uma dinâmica macroeconômica desenvolvimentista e distributivista. Cada vez mais isolado, mesmo entre os setores empresariais, é necessário intensificar a campanha pela remoção de Campos Neto e a pressão por uma nova política econômica, com imediata redução da taxa de juros e da Selic, bem como medidas de barateamento acelerado do crédito público e privado.
- A agenda econômica do capital neoliberal se fará presente na disputa dos rumos do governo em todos os quadrantes da área pública e privada. Não à toa em menos de 100 dias de governo o capital pôs o Banco Central no centro do debate da política econômica com a manutenção da elevada taxa de juros. O tipo de discurso do Banco Central pela manutenção das altas taxas de juros nos dá a dimensão da dificuldade que será administrar as bombas de efeito retardado na economia que foram deixadas pelo governo Bolsonaro. A agenda dos juros altos não é a agenda do governo Lula, mas é a agenda de todos os grandes capitalistas do país, da mídia e do capital internacional que continua interessado naquilo que o Brasil tem – suas riquezas e estatais.
- A habilidade do presidente Lula garantiu um fôlego de curto prazo na negociação da PEC da Transição aprovada ainda antes da posse. Por um momento de aparente tranquilidade, a PEC da Transição deu condição de, pelo menos, não bloquear o governo no primeiro semestre do seu primeiro ano de gestão. Mas, a PEC da transição é incapaz e insuficiente para dar sustentabilidade a um governo de transformação e reconstrução do Brasil.
- A nova regra fiscal é demasiadamente rígida, podendo prejudicar a execução de programas de crescimento e desenvolvimento necessários para dar sustentabilidade ao crescimento econômico e garantir o emprego, tanto no médio quanto a longo prazo. Programas como o PAC e o Minha Casa Minha Vida necessitam de volumes de investimento bem superiores aos R$ 75 bilhões colocados como piso (e, na prática, provavelmente também como teto) na nova regra fiscal. A necessidade de robusto investimento fiscal torna-se ainda mais sensível inclusive pela irresponsabilidade da política monetária conduzida pelo Banco Central e pelas amarras colocadas pelo neoliberalismo na ação dos bancos públicos, em especial no BNDES.
- Da mesma forma, não podemos aceitar que a regra fiscal impeça que áreas como saúde, educação, ciência e tecnologia tenham os recursos necessários. A hipótese de redução dos mínimos legais existentes para essas áreas não deve sequer ser considerada. O mesmo vale para os demais programas sociais, que devem ter os recursos necessários para garantir nosso programa de governo.
- O teto de gastos que o neoliberalismo conseguiu impor ao país foi sistematicamente alterado e não cumprido, especialmente durante o governo Bolsonaro. Apesar disso, o mercado financeiro especulativo exige de nós, que nunca nos comprometemos com essas políticas austerecidas, que tenhamos rigidez, algo que não foi cobrado dos governos representantes do neoliberalismo.
- Por isso a luta por uma estrutura fiscal condizente com o desenvolvimento do Brasil deve ser mantida pela esquerda mesmo depois da aprovação da nova regra fiscal. Quando houver conflito entre esta e o programa que elegeu o presidente Lula, devemos estar prontos para deixar intactos os compromissos programáticos com a população, fazendo as adequações legais pertinentes na regra fiscal.
- O Brasil continua a passar por um contexto de emergência ecológica e sanitária, sendo a reconstrução e avanço das políticas para estas áreas prioritárias neste próximo período. A luta feminista e antirracista, deve deixar de ser pensada como agendas separadas e iluminar toda a dimensão do programa, trazendo para a defesa de políticas públicas e garantia de direitos todo o acúmulo e potencial de lutas dos movimentos feministas e antirracistas.
- Desde a vitória eleitoral, temas relativos ao ambiente, emergência climática, defesa da Amazônia ocupam o interesse de cada vez maiores parcelas dos movimentos sociais em todo o mundo e da opinião pública. O papel do Brasil nesta área é crucial. Contrária a esta onda progressista encontra-se a maioria do congresso nacional, com suas pautas retrógadas que ameaçam o presente e o futuro dos povos: Marco Temporal, Grilagem de Terras, Agrotóxicos, Mineração sem controle. Urge ampliar a mobilização para barrar os retrocessos, considerando também que esta agenda é em disputa com as “corporações do capitalismo verde” que tentam centralizar as soluções à emergência climática e continuar lucrando e explorando os territórios. Haverá uma cúpula de chefes de estado dos oito países amazônicos nos dias 8 e 9 de agosto em Belém (PA), antecedida por um Fórum de Diálogos com Movimentos e Organizações da Sociedade Civil, momento importante para demonstrarmos ao mundo nossa disposição de luta em defesa da vida e do planeta.
- Precisamos recuperar uma identidade própria, um sentido de futuro, que seja visível e compreendido pela sociedade brasileira. Ou seja, uma atualização programática, com propostas e bandeiras que visualizem alternativas ao quadro atual que vivemos, cinzento, confuso, opressor, tendendo à barbárie no Brasil e no mundo. Unificar as Federações de esquerda ou uma Frente de Esquerda é o caminho para construir essa identidade.
Precisamos retomar o otimismo da virada do século no combate ao fórum dos ricos e poderosos de Davos, responsáveis por essas políticas econômicas de exploração, miséria e desigualdade social e reafirmar que “outro mundo é possível”.
Agora não como simples bandeira de propaganda, mas com um conjunto de políticas públicas que efetivamente mudem a vida das pessoas e favoreçam que elas possam ser também protagonistas dessa construção de novos horizontes que nos façam caminhar.
Para isso, a observação preliminar é de que a luta anti-capitalista não tem um modelo pronto e acabado para servir de guia. Aprender com os erros e os acertos, formular políticas públicas que sejam compreensíveis e tornem seus agentes protagonistas das mudanças e conquistas, é um bom método para avançar.
Nesse sentido, o PT e nossos aliados, da forma mais unificada possível, necessitam fortalecer um projeto de democracia participativa que seja um norte programático permanente e radicalmente distinto da mera representação burocrática dominante atual. A iniciativa do governo em relação ao Plano Plurianual é correta e necessária, mas precisa desdobrar nos orçamentos anuais e, principalmente, como fazê-los.
- É necessário trazer para o centro da estratégia de atuação social e popular, a disputa política e ideológica. O PT tem que voltar a ser PT, tem que recuperar o seu ideário de esquerda, tem que recuperar uma ação coletiva, coordenada e orientada por um projeto de sociedade que unifica a si, e aos demais setores da sociedade.
É fato que as eleições de 2022 unificaram setores importantes da esquerda partidária e social para disputar as eleições presidenciais. Agora é preciso unir a esquerda num projeto de disputa política e ideológica do país, com organização de base em defesa da democracia.
- Embora a correlação de forças hoje vigente no Congresso Nacional não permita agendar o tema da reforma política, é preciso ir construindo desde já a legitimidade de sua mudança em um sentido democrático e republicano. O primeiro passo é exatamente o de retomar e atualizar as propostas históricas do PT, construindo através do diálogo um programa comum para as esquerdas brasileiras.
- As eleições de 2024 apresentam-se como importante momento de consolidação de uma frente de esquerda que congrega as Federações de Esquerda (Brasil da Esperança e PSOL-REDE), o PSB, PDT e os movimentos sociais para disputarmos com um programa comum, obtendo vitórias importantes, derrotando a ultra direita e os neoliberais e ampliando a influência política das propostas progressistas e de esquerda na sociedade brasileira.
- É inegável o retorno do Brasil como protagonista importante no cenário internacional, na luta pela PAZ e pela soberania dos povos. Especialmente na América Latina e Caribe pode desempenhar papel singular para a sonhada integração regional, dando passos concretos em diferentes ações de cooperação entre nossos países, criando uma dinâmica latino americana de lutas antineoliberais.
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