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Crise econômica: saída à vista? | Luiz Agusto Estrella Faria

O atual governo não deixa sinais de recuperação da crise econômica brasileiraIlustração: Mihai Cauli

O Brasil está sofrendo a mais longa crise econômica dos últimos 120 anos. Entre taxas negativas e uma quase estagnação, o PIB do primeiro trimestre deste ano é menor do que o de seis anos atrás. Além das dificuldades da economia, que vêm de mais tempo, o país sofre os efeitos da pandemia da Covid-19 e de uma crise política que atinge a própria identidade da Nação, perplexa diante da escolha que precisa fazer sobre o que quer ser e qual o seu lugar no mundo. Desde o final da ditadura, duas alternativas estão postas: perseverar num rumo próprio de desenvolvimento, inclusão social e protagonismo internacional na construção de uma ordem multipolar ou submeter-se ao papel de gerador de riqueza para poucos e sócio menor do unilateralismo decadente dos EUA.

Após uma queda de 4,1% no ano passado, a taxa de crescimento do PIB no primeiro trimestre alcançou 1%. Alguns outros indicadores de atividade produtiva da agropecuária, indústria e serviços também estão apresentando sinais positivos. O governo do Perverso e seu ministro Guedes anuncia que estamos em franca recuperação e que deixaremos para trás a crise econômica, venceremos a pandemia e consolidaremos nossa democracia. É possível ser assim otimista?

Comecemos pela economia. A primeira coisa a ser esclarecida diz respeito à natureza e à intensidade de um indicador de crescimento de 1% no primeiro trimestre deste 2021, composto por 3% na indústria, -0,8% nos serviços e 5,2%, na agropecuária, além de 0,8% nas exportações e um importante 17% no investimento em capital fixo (máquinas e construções).

Estes números podem ser vistos de duas formas. Em primeiro lugar, representam um aumento que se dá sobre uma base muito baixa, o que por si só amplifica seu valor. Comparando com o ano de 2014, quando teve início a presente crise econômica, o PIB ainda está -2,1% abaixo do daquele ano. Em segundo lugar, o índice geral de crescimento segue sendo puxado pela agropecuária, embora a indústria tenha também apresentado um valor positivo. Entretanto, os serviços, que representam de longe a maior parcela do PIB, continuam em queda. O crescimento da agropecuária, setor que representa apenas 5,9% do produto total, vem ocorrendo juntamente a uma tendência negativa no emprego. Foram contados 6,4 milhões de trabalhadores a menos no setor entre 2000 e 2018, enquanto a indústria criou 7,5 milhões de novos postos de trabalho até 2014, passando a desempregar na sequência. Ao mesmo tempo, os serviços foram o setor que manteve a geração de empregos mesmo na crise, perto de 23 milhões de novas ocupações de 2000 até 2018, mas boa parte destas no chamado precariado, com baixos salários e menores direitos.

Voltemos para os dados do primeiro trimestre, agora olhando para o lado da demanda. A formação de capital fixo, o investimento, foi positiva em 17%, como visto, enquanto o consumo das famílias seguiu em declínio de -1,7%. A se confirmar a previsão de o Brasil crescer 4,5% até o final deste ano, teremos um PIB apenas 1,1% maior do que o de 2014. Seu valor per capita seguiria sendo menor do que o de sete anos atrás, pois a população cresceu 5,8% neste ínterim.

O que querem dizer estes números? As possibilidades do crescimento numa economia de mercado capitalista, a economia monetária de produção de Keynes, ensina a boa teoria econômica, são definidas pela realidade vivida no ambiente dos negócios privados e por expectativas construídas a partir de dois fatores. O primeiro deles é a taxa de lucro sobre o capital investido na produção, que precisa não apenas ser de um valor expressivo em seu nível corrente, mas também que seja competitivo em relação a outros usos do capital, como aplicações financeiras rendendo juros, mas também que a expectativa do valor da taxa de lucro que virá da decisão de investir e produzir seja semelhante ao nível atual. O segundo fator a dirigir a decisão dos capitalistas é a demanda efetiva, a possibilidade de encontrar mercado a preços compatíveis com o lucro esperado para a produção que se decide realizar.

Além disso, outros aspectos da realidade econômica também são condicionantes dos lucros esperados e da demanda efetiva. A política fiscal afeta a demanda pelo lado do gasto e os lucros pelo lado da receita, a política monetária afeta os lucros pelo lado dos juros e a demanda pelo lado do crédito, o ambiente internacional afeta o lucro pelo lado dos preços de importação e exportação e a demanda pelo ritmo de crescimento do mercado mundial.

Expectativas futuras de lucro e demanda

Passemos agora a analisar as perspectivas desses dois fatores condicionantes do crescimento. Começando pela taxa de lucro, é fato que a coalizão dominante desde o golpe de 2016 vem tratando de produzir sua elevação por meio de dois mecanismos que são efetivos no curto prazo, mas perversos numa escala de tempo mais dilatada. O primeiro é a redução do custo do trabalho para as empresas através da pressão para baixo sobre os salários e os gastos sociais através das chamadas “reformas” nas regras trabalhistas, da previdência e do corte de despesa pública. O segundo mecanismo são as privatizações, que transferem para os capitalistas atividades monopolistas como refinarias, gasodutos, jazidas, portos e aeroportos com margens de rentabilidade arbitradas pelos novos donos desses negócios. No entanto, o máximo que essas iniciativas conseguem é contrarrestar parcial e temporariamente a tendência declinante da taxa de lucro sem oferecer um horizonte de investimento a médio e longo prazo.

É necessário fazer um pequeno, mas necessário parêntese para um contraponto em relação à obsessão neoliberal por redução de gastos e privatizações. Ao contrário da justificativa de economistas de formação neoliberal, além de ter efeito negativo sobre a demanda efetiva, esse tipo de política cumpre apenas a função de transferir atividades do Estado para a iniciativa privada, transformando em mercadoria o que era serviço público, sem necessariamente criar produção nova, pois, como vimos, essa vai depender das expectativas futuras de lucro e demanda.

Começando pela taxa de lucro, sabemos que o elemento mais importante para sua definição é a elevação da produtividade do trabalho que, por sua vez, é dependente dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação e do aumento da escala de produção. A escala de produção está muito baixa, a exemplo do setor automotivo, com capacidade de produzir cinco milhões de unidades por ano e operando a 20% deste potencial. Quanto à educação, ciência e tecnologia que são as atividades que ampliam os investimentos, estamos no mais baixo nível de recursos aplicados, com um valor semelhante ao do ano 2000, R$ 4,4 bilhões, quando em 2014 foram R$ 14 bilhões nos fundos da Capes, CNPq e FNDCT. Além disso, há o arrocho orçamentário das universidades públicas e a enorme redução de matrículas nas privadas.

Vejamos então quais são as perspectivas para o segundo fator de crescimento, a ampliação da demanda efetiva capaz de estimular um aumento da produção. O mais importante indicador para tanto é a taxa de desemprego, uma vez que o consumo responde por 60,2% da renda sob a ótica da demanda. Este indicador está no nível mais alto deste século, 14,7%, contra 6,5% em 2014, último ano do período de crescimento anterior. Naquele ano, as pessoas ocupadas da força de trabalho eram 92,4 milhões e hoje são apenas 85,7 milhões. Também o número de pessoas que poderiam integrar a força de trabalho, mas não o fazem por desalento ou outras razões que os impedem de trabalhar, que eram 63,5 milhões em 2014, hoje alcançam 76,5 milhões, enquanto 14,8 milhões estão em busca de emprego e não o encontram, número que era de 6,4 milhões há sete anos.

Estes números ainda são piorados se levarmos em conta que os salários pagos estão praticamente estagnados desde 2014, quando alcançavam o valor de R$ 2.419 como média para todas as pessoas ocupadas e hoje não passam de R$ 2.467 em valores atualizados pelo IBGE no primeiro trimestre de 2021. Para os próximos meses, a inflação, que se acelerou com a desvalorização do real e a alta nos preços dos alimentos e alcançou o índice de 8,99% ao ano em julho, deve pressionar ainda mais a renda dos trabalhadores. Definitivamente, não será o consumo das famílias que irá puxar a demanda efetiva. Resta examinarmos o gasto público e o investimento.

Um olhar para o investimento como medido nas estatísticas do PIB trimestral mostra que sua participação subiu para 17,6% do PIB, na sequência de uma lenta melhora depois de ter caído para apenas 14,6% em 2017 e se elevado timidamente para 16,4% em 2020. Da mesma forma, a variação dos estoques cresceu para 4,1% após diversos índices negativos no período anterior. Nenhum dos dois indicadores aponta para uma contribuição importante na direção do crescimento sustentável. Antes, respondem por iniciativas defensivas no sentido de preservar a capacidade produtiva e as frações de mercado das empresas, guardando condições competitivas para o futuro. A taxa de investimento capaz de sustentar um crescimento mais acelerado precisa ser de, ao menos, 20% do PIB.

Já a contribuição do gasto do governo continua negativa, um valor -6,5% menor do que no final de 2014. Da mesma forma, e em que pese todo o esforço do SUS no combate à pandemia da Covid-19, a produção de serviços públicos estava no primeiro trimestre deste ano -4,4% menor do que ao final de 2014.

Estas estatísticas negativas devem ser cotejadas com os efeitos combinados de outras duas crises, além da econômica resultante da trava do crescimento de 2014: a crise sanitária decorrente da Covid-19 e a crise política causada pela disfuncionalidade e falta de rumo do que é o pior governo da História brasileira. Assim como a derrocada da ditadura militar no começo dos anos 1980 se combinou com a crise da dívida externa e com o fim do longo ciclo do Desenvolvimentismo iniciado nos anos 1930, agora também uma combinação de três crises, a política, a econômica e a da saúde, produz um efeito deletério sobre a sociedade.

Lá no começo dos anos 1980, no entanto, havia uma esperança de que a democracia possibilitaria superar os entraves à continuidade do desenvolvimento, na medida em que a inflação fosse contida e a restrição externa superada. Hoje, o governo não tem nenhum projeto, plano ou proposta que não seja destruir instituições e instrumentos de desenvolvimento social e econômico em sua delirante guerra cultural contra “a esquerda e o politicamente correto”. Além disso, a pandemia ainda vai perdurar pelos próximos meses, inibindo as atividades. E, o que é pior, a própria democracia está novamente ameaçada pelo autoritarismo.

A comparação entre o momento do fim da ditadura e o que se evidencia no desastre que representa o governo dessa criatura indizível que ocupa a Presidência, sem nenhuma ideia ou proposta de construção nacional é, infelizmente, irreal. Não há recuperação econômica à vista enquanto o desemprego não começar a diminuir e enquanto o horizonte dos investimentos permanecer sombrio e cheio de incertezas, que vêm do mercado mundial deprimido, do ambiente político cada vez mais conflagrado e sob ameaças de violência e da pandemia que ainda vai ficar por muito tempo entre nós. Em diversos países mundo afora, dos EUA à China e à Europa, um plano de investimento muito grande, que só pode ser realizado pelo Estado, está sendo posto em marcha. Nenhuma recuperação é possível sem que adotemos algo semelhante aqui.

  •  Luiz Augusto Estrella Faria é professor titular de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.

Publicação original: Terapia Política

 

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