Leia a declaração do 3º Encontro Nacional da MMM “Nalu Faria”, que reuniu mais de mil mulheres entre os dias 6 a 9 de julho em Natal, Rio Grande do Norte:
“Derrubar esse sistema com força e rebeldia, organizar as mulheres sem perder a ousadia: sonhar e lutar como Nalu Faria”. Com esse canto, nós, militantes da Marcha Mundial das Mulheres reunidas em nosso 3o Encontro Nacional, sintetizamos o sentido político do nosso movimento. Queremos mudar o mundo mudando a vida das mulheres e nossa estratégia para isso é a auto-organização em cada lugar em que vivemos, trabalhamos e atuamos.
As mulheres organizadas no feminismo popular são a tormenta do patriarcado. Somos mulheres trabalhadoras do campo e da cidade, negras, diversas em nossas sexualidades, lésbicas e bissexuais, jovens, mulheres transsexuais, quilombolas e indígenas, mulheres sindicalistas e da economia solidária, idosas e mulheres com deficiência. Estamos organizadas em um feminismo popular que é forte porque se constrói no cotidiano com uma agenda política que nos organiza e nos mobiliza, um feminismo em que cabemos todas.
No Brasil e no mundo, as mulheres estão na linha de frente da resistência ao fascismo. Os ataques aos nossos corpos e sexualidades, com a violência em suas formas mais extremas, junto com o reforço do modelo de família heteropatriarcal, aumentam a sobrecarga de trabalho diante da crise e precarização das condições de vida.
Os ataques às mulheres não são cortina de fumaça: o conservadorismo é parte do neoliberalismo e é central na ação da extrema-direita. Nos últimos anos, a mobilização das mulheres foi fundamental no enfrentamento ao bolsonarismo e na vitória eleitoral de Lula. Hoje estamos em melhores condições para organizar nossas lutas, mas estes são tempos de resistência e enfrentamento à extrema direita. Vemos e sentimos a misoginia no rádio, na internet e na TV, nos nossos bairros, comunidades e territórios. Estamos convencidas de que a força feminista organizada é capaz de impor derrotas à extrema direita, como as recentes mobilizações que interromperam a tramitação do PL 1904.
É preciso sair da resistência e construir uma ofensiva feminista contra o conservadorismo. É preciso ampliar a presença das mulheres em todos os espaços políticos de decisão, mas isso não basta. É preciso acumular forças dentro e fora do parlamento e das instituições para mudar as estruturas e radicalizar a democracia. Disputamos o sentido público do Estado, lutando para ampliar os serviços públicos e o direito à saúde e à educação, ao cuidado e à alimentação, à água e energia, e a moradia.
Estamos em luta por políticas imediatas que alterem as condições de vida agora, e que construam as condições para transformações estruturais. Apostamos na construção de uma Política Nacional de Cuidado que avance na responsabilização do Estado pelo cuidado e a reprodução social. Nessa construção queremos acumular forças para romper com as dinâmicas da divisão sexual e racial do trabalho, no sentido de construir uma economia em que a sustentabilidade da vida esteja no centro.
O conflito do capital contra a vida no Brasil se manifesta no aumento da exploração e da expropriação dos corpos, trabalhos, vidas e territórios das mulheres e da classe trabalhadora. A militarização e a violência são instrumentos desse conflito. Privatização, militarização e conservadorismo caminham juntos, como é evidente nos ataques a educação. Estamos em luta em defesa dos bens comuns e contra o poder das empresas transnacionais.
As empresas transnacionais personificam o capital e avançam sobre nossos territórios. Denunciamos a omissão e a subordinação do Estado aos interesses das corporações, como no caso do crime-tragédia em curso da Braskem. Em nome do clima, as transnacionais se apropriam dos bens comuns e cercam os territórios vitais do povo. Os complexos de energia eólica e solar avançam especialmente nos estados do Nordeste. Esse avanço sobre os territórios segue a mesma lógica da mineração e de projetos do capitalismo verde: alteram os usos da terra e os modos de vida, sobretudo das comunidades indígenas e quilombolas, impedem a livre circulação, aumentam o trabalho doméstico e adoecem as mulheres. São processos violentos que agravam violências racistas e patriarcais históricas contra as mulheres.
As propostas do capital são falsas soluções para as mudanças climáticas, porque estão baseadas na lógica de continuar expandindo a demanda por energia e a contaminação, ocultadas no discurso da neutralidade de carbono. Recusamos as maquiagens verde e lilás desse sistema, que segue destruindo biomas e aprofundando o racismo ambiental. A crise que vivemos tem múltiplas dimensões e uma delas é climática. Os eventos climáticos extremos já são uma realidade, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia. Sem a capacidade de organização da solidariedade, os impactos no povo seriam ainda maiores. Estamos em luta por justiça climática que não será realidade sem justiça ambiental.
Aprendemos com as mulheres indígenas e quilombolas que nosso corpo é nosso primeiro território. Rejeitamos a lógica da indústria farmacêutica que nos fragmenta e adoece a serviço do lucros das mesmas empresas transnacionais que vendem medicamentos e agrotóxicos.
Lutamos para que as mulheres possam viver sua sexualidade livre de padrões opressores da heteronormatividade. Exigimos a legalização do aborto e sua descriminalização para que nenhuma menina e mulher sofra, se mutile ou morra por decidir não seguir com uma gestação indesejada. Denunciamos a ação do mercado sobre o corpo das mulheres, que explora e transforma sexo em mercadoria, pedofilia em consumo e corpos em objetos.
A economia feminista é nossa alternativa e estratégia. Para enfrentar a espoliação dos nossos corpos-territórios, trabalhos e modos de vida, é preciso fazer a reforma agrária popular, com produção baseada na agroecologia. As mulheres constroem alternativas concretas em seus territórios, com seus saberes, tecnologias livres e formas de comunicação popular. Hortas comunitárias, lavanderias coletivas, economia solidária e agroecologia costuram outras formas de relação entre as pessoas e a natureza.
Estamos em luta por soberania popular, que é composta pela soberania alimentar, energética, tecnológica e de nossos corpos. Enfrentamos o imperialismo e seus mecanismos de dominação, sejam os golpes, as sanções ou as guerras. Não descansaremos até cessar o genocídio do povo palestino, até que a Palestina seja livre, do rio ao mar. A solidariedade e o internacionalismo feminista são nossos pilares e fios condutores.
Como movimento popular, assumimos o desafio de fincar os pés em cada município, vilarejo, comunidade e assentamento. E de organizar um movimento massivo de mulheres para que o feminismo seja um lugar de cuidado, afeto e, principalmente, de luta.
Assumimos o compromisso de compartilhar os aprendizados feministas e aprender com as mulheres para, juntas, construirmos uma sociedade de liberdade e igualdade. Guiadas pela esperança e força coletiva das mil mulheres de 23 estados de todo o território nacional, reafirmamos que a alvorada feminista se inicia a cada dia até que todas sejamos livres.
Como afirmamos nas ruas de Natal, “feminismo é revolução!”. Nossa agenda não cabe no modelo de sociedade do capital. Afirmamos nossos princípios de auto-organização das mulheres e de alianças estratégicas com movimentos populares. Aprendemos com nossos aliados e construímos juntas processos e lutas anti-imperialistas e por integração dos povos. Afirmamos o socialismo como horizonte de transformação, convencidas de que sem feminismo não há socialismo.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Nalu Faria presente!
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